O Atroz encanto de ser argentino, de Marcus Aguinis, é um livro obrigatório pra entender a lógica da direita nostálgica da Argentina, de como o pais que foi grande, era o país mais rico do mundo em… 1902. Sério, é um marco, que fixa uma data e um lugar histórico.
Parece uma lenda, um mito, de uma Argentina idílica, cheia de predicados, corrompida pelo peronismo nos anos 50, até a ditadura militar de 1976, corrupta e radical. A redemocratização conduzida por uma espécie de terceira via, um país derrotado na famigerada guerra das Malvinas, endividada e um passivo de milhares de mortos e desaparecidos nos anos cruéis, de 1976 a 1982.
As possibilidade de superação parecem esbarrar num modo de vida e visão de como se as condições dos começo do século XX, de uma Argentina agrária, tivessem permanecido para sempre. O que lembra o norte do Brasil com o ciclo da borracha, uma paisagem apenas no tempo, ou de uma ideia tola de que o Brasil é o país do futuro, então não precisa de presente.
No caso argentino é o pais do passado que não precisa de presente, ele sempre será sabotado.
Mas o livro retrata com um humor mordaz, o que é a melancolia de um país pobre que se acha rico, o que de certa forma, visto daqui do Brasil, que faz entender o “sucesso” da dolarização, que levou a uma euforia, por quase uma década, depois veio a profunda depressão e ressaca moral.
Milei escavou nas mesmas bobagens, tenta reviver o mesmo mito: Argentina, a nação mais rica do mundo em 1902, o discurso e o apelo iguais do neoliberalismo de Menem (um peronista). Milei fala sobre a Argentina Grande no seu discurso de posse. Ele é mais radicalizado que Menem, nessa vaga do Ultraliberalismo, suas ações cheiram à golpe, uma série de decretos que sufocam a Democracia e enfrentamento da crise pela força, o que pode significar mais uma nova onda de euforia, depois depressão social, destrutiva, difícil de se reconstruir.
A sua não adesão aos BRICS, ou restringir comércio com a China e Brasil, por questões ideológicas, não leva em conta que Brasil e China correspondem a 31.72% do comércio da Argentina. São os dois únicos países que ainda oferecem dólares de empréstimo. Os EUA tem menos de 10% do comércio argentino. Escrevi sobre isso, em novembro de 2023: Milei vai Romper com o Brasil e com a China? Qual significado dessa loucura?
Desse lugar distante, o que se percebe é que no fundo não se busca um lugar novo para Argentina no mundo, voltando apenas à prisão do passado e uma disputa ideológica com o Peronismo. O que nos faz refletir sobre o Brasil e suas prisões políticas e ideológicas, o peso dos militares em tutelar a Democracia, o Brasil Grande, o país do Futuro, etc.
A Argentina está num momento em que o risco de colapsar é enorme, um aventureiro que fala com cachorros mortos, não parece o adequado para sair desse abismo, ao contrário, pode dar o empurrão final.
Trágico!