“puluis et umbra sumus” (somos pó e sombra – Horácio)
É a Economia, estúpido!!
Um recente documentário da HBO, Pânico: Crise Financeira de 2008, trata da questão da fantástica Crise de 2005/2008, partindo do ponto de vista dos principais cabeças que estavam no olho do furacão: Bush Jr, Presidente dos EUA, Ben Bernanke, que presidia o FED, Hank Paulson, o Secretário do Tesouro dos EUA e Tim Geithner, Presidente do FED de Nova York.
Os dez anos da espetacular quebra do Lehman Brothers, o banco com triplo AAA, que virou pó em horas, parece que é um tempo curto, para muitos acham que é uma realidade distante, até na esquerda, pouco elaboramos e aprofundamos a Crise e seus desdobramentos para o mundo hoje. Quando posso, volto ao tema, reelaborando ideias e refazendo conceitos, textos, para incentivar o debate, nem sempre saindo do lugar.
Para compreender a conjuntura em que vivemos hoje, temos que entender o que houve foi a crise de 2005/2008, a maior Crise de Superprodução de Kapital desde 1929. O que nos faltou foi a exata compreensão do conceito de Crise. O afastamento de Marx, mesmo pela esquerda ideológica, impede de ver o que efetivamente acontece no mundo, como se a Economia Política do Kapital tivesse se tornado transcendente, numa leitura bem próxima dos liberais, uma derrota teórica, por isso que a crise de Superprodução os pegou de calças curtas.
A falta de polaridade parecia ter tornada o mundo uma via de mão única, como se o Capitalismo fosse o “fim da história”. Por mais de 15 anos, 1989 a 2004, essa lógica se manteve inalterada, ainda que intermediada por abalos na crise dos tigres asiáticos, a quebra do Brasil, a quebra da bolha de internet, porém, só quando uma velha conhecida do Kapital, resolveu dá as caras de forma absolutamente forte, a Crise de Superprodução, com bem mais força do que uma simples crise cíclica da década de 1990, é que o mundo acordou, a esquerda também.
Em 2005, TODOS os principais índices de riqueza eram positivos, o menor desemprego dos EUA, a recente fusão da UE, os salários em alta, as ações e o mercado imobiliário na estratosfera. A imensa nuvem de trilhões tinha incluído o centro do Capitalismo com seu poder de destruição, até mesmo os BRICS (África do Sul, China, Índia, Brasil e Rússia) foram incorporados à ciranda financeira mundial.
Tudo perfeito? Ao contrário, a força motriz do Kapital, a Taxa de Lucro, foi comprimida de forma imperdoável, então a crise, ‘a pletora do Kapital”, explodiu, mas seu efeito amplo só se sentiu plenamente em 2008, com a quebra dos principais bancos dos EUA e da Europa e das seguradoras. A fabulosa nuvem de trilhões provocou uma tempestade de proporções iguais à bomba atômica.
Essas crises (1871, 1929, 1974 e 2008) são paradigmática, pois são mais amplas do que as crises cíclicas, elas sinalizam que a forma de acumulação de Kapital precisa mudar radicalmente para que a Taxa de Lucro volte a crescer, não trabalho com tese de crise permanente, muito menos de o Kapital morrerá por si mesmo. Afasto-me dessas visões quase religiosas, nem um pouco marxista sobre o Kapital.
O Estado, como centralizador do Kapital, que serve essencialmente à fração burguesa que determina a acumulação da riqueza, hoje liderado pelo Kapital Financeiro e sua pornográfica especulação, forma última de retomar cada centavo para si, transformando a vida da imensa maioria da população, num verdadeiro calvário pela sobrevivência material.
As consequências para os trabalhadores foram terríveis, o desemprego nos EUA teve seu auge em 2009 com o dobro de desempregados diante de 2005, a renda média dos trabalhadores e da classe média americana, uma boa parte dela com lastro nas hipotecas fantasiosas, teve perda superiores a 33%. Os gastos públicos para salvar os bancos não salvou a maioria da população, apenas migalhas. O programa de segurança alimentar (Food Stamps, uma espécie de Bolsa Família) aumentou de 30 milhões para 45 milhões de beneficiados, nos últimos 10 anos. Os números europeus são muito mais dramáticos, em especial para os jovens, pois em alguns países o desemprego para eles estão acima de 50%.
O velho Estado, dominado pelos banqueiros, fez a maior operação de salvação do Kapital da história, cerca de 40% do PIB dos EUA e quase 33% do PIB da UE é usado para injetar dinheiro nos bancos e segurar o sistema como um todo, a maior transferência de riquezas da história moderna. Os números são superlativos e ajudam a entender a razão de que apenas 8 PIBs depois, descontada a inflação, os EUA voltaram a ter um PIB positivo, ante 2005. A UE ainda patina e estaciona diante da riqueza produzida de 2007, que já não é mais alcançada.
Tudo isso acabou sendo o resultado da Crise a maior concentração da riqueza, como se isso fosse possível. A classe média americana foi esmagada, as suas hipotecas, que compunham significativa parte de sua renda, foram executadas, por anos o crédito “fácil” sumiu. Isso reflete diretamente no controle mais rígido do Estado. Isso impõe novos debates.
Política: A Questão do Estado, Seu Controle e seu Papel.
Dessa enorme crise, voltou-se a questão principal, sobre o caráter do ‘Novo” Estado que se impõe após a imensa Crise, que denomino Crise 2.0. Pelas minhas observações, esse novo Estado, vem sendo gestado desde meado dos anos de 1980 e ganhou impulso com a queda da antiga URSS.
Voltamos ao ponto: Qual o principal instrumento do Kapital para impor uma nova ordem? o Estado, que é a relação ampla do Kapital com a sociedade, seu padrão legal e aceito de regras impostas pela força e pelo convencimento superestrutural, ideológico, costumes, leis, educação e também de poder de recolhimento de impostos, intervenção econômica, que terá fim último para a fração burguesa dominante, desde os anos de 1970, o Capital Financeiro.
Ainda nos anos de 1980, as primeiras incursões de um novo modelo, como resposta à Crise de 1974, do Petróleo, já tomara corpo, o Neoliberalismo. Por mais de três décadas o mundo viveu ainda na disputa entre o Estado de Bem-Estar Social, fruto da Crise de 1929, com os elementos de Neoliberalismo.
Como também a disputa com o Estado Soviético, que nem era socialista, muito menos capitalista puro. Aliás, parte da ideia de Estado Gotham City, está liga à Perestroika e Glasnot, o que gerou uma China autoritária ou um regime de Putin, o eterno.
A queda do Muro de Berlin e a queda do muro de Wall Street, liberou todas as forças possíveis para esse novo Estado, que denomino como sendo Estado Gotham City. Ele se diferencia fundamentalmente de um Estado de Exceção clássico, como o fenômeno do nazi-fascismo porque ele não é uma simples exceção do regime vigente, ao contrário, ele se imporá como ordem comum e permanente.
O que verificamos, desde pelo menos 2012 com nossos estudos sobre a Crise 2.0, que está no nosso livro Crise Dois Ponto Zero – A Taxa de Lucro Reloaded., é que esse novo Estado ele vem corroendo as bases da sociedade burguesa, especialmente as coisas que mais a distinguia: A Democracia e da Política. O que nasce são regimes autoritários, com simulacros de Democracia e quase ausência de Política.
Um dado importante nessa análise é que as “Primaveras Digitais” vieram a ser peça fundamental para essa nova ordem sem Democracia e Política. Elas chancelaram todas as visões do Kapital que na necessidade de recompor sua Taxa de Lucro, rompeu com o que sobrou do Estado de Bem-Estar Social, cortando Direitos Sociais, Aposentadorias, Saúde e Educação, em nome de uma Austeridade para quem?
Para fazer a transfusão de recursos dos tesouros públicos para os bancos privados, de forma direta ou através de privatizações, entrega das funções do Estado para entes privados, de forma ampla, atingindo judiciário, segurança, mais ainda na burocracia, especialmente as famigeradas Agências, que minaram as funções do Estado e entregam e agem em nome do Kapital, sem meias palavras.
Portanto, a ordem legal, é a de restrições, o Direito é o do inimigo, aplicado diretamente contra quem se opuser aos novos senhores do Estado, quer seja Obama ou Trump, pode ser Putin ou um burocrata chinês, passando até na ralé do Golpe local, o golpista-menor, Temer. O mundo assistiu ao Brexit, a Direita vs Extrema-Direita, na França, ou a pressão pela saída da Itália da UE. Alguma surpresa com o quarto mandato da Sra Merkel, ou de que a extrema-direita nazista é a terceira força na Alemanha, aquela mesma de Hitler, a história se repetindo como farsa.
O surgimento de movimentos abertamente nazistas, sem nenhuma máscara, nos EUA é o reflexo do maior recrudescimento dessa realidade. O Estado serve a uma minoria restrita, a classe média esmagada pela crise, serve de base social a esse tipo de movimento. O que lembra muito a classe média verde-amarela, na Paulista, com a mesma ideologia neofascista, contra o Estado, quase um suicídio, pois menos estado significa menos democracia e menos direito.
São movimentos combinados de uma ampla ruptura, não um Estado de Exceção, apontam para uma nova ordem, cruel, restritiva e de profunda violência, com uma possibilidade permanente de guerras regionais, civis e de embates violentos nas grandes cidades, pela miséria e fome.
A Política do Medo, Segurança nos países ricos, Corrupção nos países pobres, será o elemento principal de convencimento para que se abra mão das mínimas garantias legais e democráticas.
Aqueles super-ricos, 1% da população, se armaram de todos os instrumentos legais, de dominação, de convencimento ideológico, com uso massivo da Internet, o que tolamente achávamos que ampliaria a participação, os algoritmos se tornaram a arma letal para saber quem somos, o que fazemos, o que pensamos, assim, o controle é mais forte, violento e amplificado. Eles sabem o que fizemos no verão passado.
A realidade é sombria, mas o debate continua travado, as nossas milhões de demandas impedem de ouvir e falar, tudo controlado, ninguém quer ousar nada. Aceitamos nossa escravidão e criticamos quem se expõe.
A maior vítima dessa escalada é a Democracia, mesmo a mais incipiente já não é tolerada. Criou-se um simulacro de Democracia que não passa de uma farsa de representação e de eleições puramente formais.
Lado a lado, a esse processo, de ocaso da Democracia, temos a demonização da Política, não basta criminalizar os atos políticos, é preciso destruir os seus principais atores, passando assim, a ser exercido por canastrões de filme B (Trump, Temer, Dória, Bolsonaro etc). O que levou a “civilizada” sociedade francesa a dar 10 milhões de votos a extrema-direita, neofascista. Ou a Grã-Bretanha romper com a UE via BREXIT, numa campanha dominada pela extrema-direita.
A via principal escolhida para quebrar Democracia e a Política foi a judicial, para dar um ar “legal” a tragédia. Os personagens são demonizados, vistos como ladrões, bandidos, se tornam presas fáceis para campanha sincronizada de mídia e judiciário. Os exemplos abundam em todas as partes do mundo, aqui no Brasil, o governo de centro-esquerda, desgastado, foi derrotado finalmente por uma farsa patética.
Mas não satisfeitos, as principais lideranças são caçadas em processos de dá inveja aos “processos de Moscou”. Para não ter dúvida, quanto à farsa, vimos graves acusações via PowerPoint com convicção, sem que se precisasse de qualquer prova. As delações como único método para se investigar, com imposição enormes penas e/ou prisões preventivas sem fim, apenas para negociar as famigeradas e arbitrárias delações premiadas.
Mais além, a singular e reveladora pergunta do juiz-justiceiro a Lula que queria saber por que o ex-Presidente recebia deputados no Planalto, como se isso se caracterizasse como ação criminosa, ou servisse de base de prova. O Presidente exercer sua atividade essencial, a Política, é algo proibido ou ilegal. Como se os acordos e as negociações políticas fossem crimes, claro, desde que esse Presidente, seja de Esquerda. Todos os dias se lê que o Golpista recebe em nababescos jantares a base parlamentar e nomeia por apoio, sem ser admoestado.
Esse tempo sombrio, lembrou-me do que o filósofo Agamben disse em Atenas, novembro de 2013, “a democracia e a política estão em extinção”, porém, ”não sei o que é esse novo regime que surge”.
Por fim, a eleição de Bolsonaro seria vista como piada, pelo menos até um ano atrás, porém a piada, virou prosa, assim como a vitória de Trump. Todos nós erramos muito em nossas análises, este blog se dedicou longamente em estudar os fenômenos das primaveras árabes, dos indignados espanhóis, das movimentações turcas e da ruptura fascista na Ucrânia, até o advento das jornadas de junho de 2013 no Brasil.
Desde sempre, nos posicionamos frontalmente contra todos esses movimentos, por entendermos, ainda que intuitivamente que seus desfechos seriam e, foram, contra os trabalhadores e contra o povo.
Poucos de nós se atreve a nomear o inominável, apenas constatamos o CAOS.
https://www.youtube.com/watch?v=ZEIKT3ay2go