“Meus olhos molhados
Insanos, dezembros
Mas quando me lembro
São anos dourados” (Chico Buarque)
É duro e chato se sentir velho aos 42 anos, mas parece que estou assim, quando me pego falando que “na minha época” era assim, ou assado, acendeu a luz vermelha, será que naquela época tal coisa realmente era assim? Estas frases são ditas, na maioria das vezes para nos sentirmos melhores do que os que hoje têm 20 e poucos anos, um ar de superioridade, que nem sempre corresponde à realidade.
Sim, parece que é certo, que tive a sorte de viver dos 14(1983) aos 20 anos(1989) um momento especial do Brasil e do mundo, mas isto não quer dizer que quem teve esta idade entre os anos, por exemplo, de 1966 a 1972, também não tenha sido especial, maravilhoso, criativo e combativo. Ou, mais recentemente, de 1993 a 1999, ou de 2003 a 2009. e por aí vai. Porém, invariavelmente, cada um, falando seus anos dourados, sempre dirá que foram melhores e mais especiais.
Este período de 1983 a 1989, vivi intensamente o fim da ditadura, alimentando um sonho de que a revolução socialista era apenas questão de meses ou poucos anos, tudo conspirava para que fosse mesmo, um pungente movimento político tomava conta do país, as organizações sindicais atingiram seu máximo com os três primeiros congressos da CUT, a esquerda ideológica tinha peso, conseguia polarizar os debates cutistas e sindicais. Até a UNE, aparelhão do PC do B, chegamos a ganhar.
Os partidos se constituíam de forma autônoma, o mais representativo deles, o PT, com uma intensa e rica luta interna, se revigorava, produzia e formava grandes quadros. Neste exato período a luta de classes, antes ligada aos estudantes e sindicatos, ganhou uma nova arena, a dos partidos e teses, até nosso pequeno grupo (CGB), quase que só de intelectuais e estudantes cresceu e debatia como “gente grande”, mesmo sendo minúsculo.
Grandes momentos como a campanha das Diretas-já, depois o congresso constituinte, as primeiras greves gerais e, finalmente, a histórica campanha de 1989, foi o que de mais significativo aconteceu aqui no Brasil, um período de 6 anos, para mim, dos mais intensos, poderia alongar para 1978 a 1989, mas aí não teria como dizer que é “minha época”. No mundo, o impacto de Reagan/Tatcher, depois o surgimento de Gorbachev, a Glasnot e Perestroika, culminando com a queda do “muro de Berlim” caindo sobre nossas cabeças.
O que de mais importante posso guardar de todo aquele momento, foi estudávamos muito, líamos muito, debatíamos muito. Além disto, minha participação direta em vários eventos de lutas: estudantis, sindicais e partidárias. Os nosso mestres, que enfrentaram a Ditadura, certos ou errados, nos impunham uma rígida disciplina militante, de dedicação e aprendizado teórico, talvez esta seja a “única” vantagem que possamos efetivamente dizer que temos.
Todas estas novas gerações pós-89 são muito melhores, não vivem presas à ex-URSS, aos pressupostos teóricos de Stalinistas e Trotskistas. Os jovens, hoje, podem conhecer Marx diretamente da fonte, sem interpretações viciados pelos modelos do leste. A arena de luta mudou, aproximou o mundo, adventos como Telecomunicações e Internet ajudam a sabermos, com mais rapidez, tudo que acontece. Hoje produzimos conteúdo mais amplo, um texto aqui pode ser lido em qualquer lugardo mundo, sem filtros. A mídia tradicional ruiu também com seu muro ideológico em 2008.
Portanto, não podemos envelhecer tão rapidamente, nas lamúrias e implicância com os jovens de hoje, como se na “nossa época”, tudo fossem flores, muito pelo contrário. Cada época, cada geração, têm suas histórias e desafios, alegrias e tristezas, euforia e decepção, como tudo na vida.
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É… hoje sinto muita saudades dos meus “vários Anos Dourados”
Irretocável o texto, meu caro Arnóbio!
Lembro de quando entrei na UFMA, em 86! A euforia com a novaa Constituição (assinei várias emendas populares), a sensação de que poderíamos transformar o mundo, as utopias coletivistas que nos encantavam!
Bons tempos.
Aqui, um texto do meu amigo Felix Alberto Lima, sobre aquele período, que acho que tem muito a ver com o que você escreveu:
http://oredemoinho.blogspot.com/2012/01/amor-sem-revolucao-parte-5.html
Abraços!
Saudade das bandas da época que invadiam as rádios. Barão Vermelho, Ultrage a Rigor, Dr. Silvana e Cia, Fausto Fawcett, Uns e Outros, Kid Abelha, Hanoi Hanoi, Ira, Aborto Elétrico, Plebe Rude, Legião Urbana, o Erva Doce com Amante Profissional etc…
Amo essa música! Valeu!
Lindo texto, Arnóbio, com belas lembranças e não saudosismos. Abaixo os “meus tempos eram melhores”! Vivam as novas gerações, com seus quereres, fazeres e aconteceres!
Arnóbio, entre os 14 e 20 anos eu vivi do período mais negro dos anos de chumbo passando para a abertura lenta e gradual do General João Batista Figueiredo. Minha formação política e ideológica se deu nestes anos onde as eleições diretas para nossos governantes era uma utopia ou um sonho distante. Mas consegui driblar isto lendo versões em espanhol dos livros proibidos pelo index oficial ou por panfletos e apostilas passados de mão em mão por companheiros do Movimento Estudantil. Me formei em 1979 em jornalismo na PUCRS e na formatura um pequeno gesto de protesto da nossa turma. Escolhemos como paraninfo um professor que foi expurgado um ano antes por ter publicado no jornal – laboratório da Faculdade (que coordenava) uma entrevista de um dos seus alunos com uma das pioneiras da luta pela proteção dos animais e a boa velhinha era conhecida por usar termos bastante pesados para designar quem maltratava os pobres bichinhos.
Formado, aprendi o jornalismo na prática em dos principais veículos da chamada imprensa nanica do Brasil – o Coojornal. Lá noticiamos como se dava a Operação Condor, de como era cooperação dos órgãos de repressão do Cone Sul. Publicávamos o que nenhum veículo da grande imprensa ousava publicar. Lá vimos volta do irmão do Henfil e tanta gente que pegou o rabo de foguete como Leonel de Moura Brizola, tão caro aos gaúchos. Acompanhamos o comício das Diretas Já e a rejeição da emenda Dante de Oliveira. Também fomos dos primeiros órgãos da imprensa brasileira a entrevistar o líder barbudo do ABC. O Coojornal passou e a História continou, mas o rico aprendizado ficou.
Arnóbio, entre os 14 e 20 anos eu vivi do período mais negro dos anos de chumbo passando para a abertura lenta e gradual do General João Batista Figueiredo. Minha formação política e ideológica se deu nestes anos onde as eleições diretas para nossos governantes era uma utopia ou um sonho distante. Mas consegui driblar isto lendo versões em espanhol dos livros proibidos pelo index oficial ou por panfletos e apostilas passados de mão em mão por companheiros do Movimento Estudantil. Me formei em 1979 em jornalismo na PUCRS e na formatura um pequeno gesto de protesto da nossa turma. Escolhemos como paraninfo um professor que foi expurgado um ano antes por ter publicado no jornal – laboratório da Faculdade (que coordenava) uma entrevista de um dos seus alunos com uma das pioneiras da luta pela proteção dos animais e a boa velhinha era conhecida por usar termos bastante pesados para designar quem maltratava os pobres bichinhos.
Formado, aprendi o jornalismo na prática em dos principais veículos da chamada imprensa nanica do Brasil – o Coojornal. Lá noticiamos como se dava a Operação Condor, de como era cooperação dos órgãos de repressão do Cone Sul. Publicávamos o que nenhum veículo da grande imprensa ousava publicar. Lá vimos volta do irmão do Henfil e tanta gente que pegou o rabo de foguete como Leonel de Moura Brizola, tão caro aos gaúchos. Acompanhamos o comício das Diretas Já e a rejeição da emenda Dante de Oliveira. Também fomos dos primeiros órgãos da imprensa brasileira a entrevistar o líder barbudo do ABC. O Coojornal passou e a História continou, mas o rico aprendizado ficou.
Texto maravilhoso. Uma mesma pessoa pode ter vários anos dourados na vida, eu acho… Vivi algumas fases retumbantes. Em cada uma delas o Brasil rumava para um futuro melhor. Pra mim, os baques mais graves foram o golpe de 64 (era um Brasil esplendoroso aquele que se desenhava ali no início dos 60…), depois o AI-5, a derrota das Diretas (nossa, como aquela campanha foi linda, que depressão me invadiu…), a derrota da Reforma Agrária em 88 (um dos melhores momentos do PT foi a fala do Lula ao assinar a Constituição de 88, destacando esta profunda perda — aliás, a direita espalha até hoje que o PT não assinou a CF88, absurdo odioso!!!) e a derrota do Lula em 89. Claro que saudosismo não adianta, mas fui perdendo pedaços nessas derrotas.
Olá, Arnobio!
Lindo texto! Meus anos dourados estão mais adiante – não muito – mas acho que fiz parte das últimas gerações com algum engajamento político, mas já sem muito porquê lutar, mais para curtir o que gerações anteriores conquistaram p/ mim. Acho que o momento é sempre agora e se é evolução, penso em rir e aproveitar com alguma serenidade que antes não tinha!
abraços
Elaine Torres
“Meu tempo” foi mais ou menos como o seu. Militante do movimento estudantil na UFPI e no Centro Acadêmico de Direito, de 82 a 86. Tempo bom demais, onde forjei o que sou hoje, o que penso e o que levo pra minha atividade profissional.
Sinto pelos meus filhos, que não vivem na universidade a mesma efervescência que vivíamos nos anos de chumbo, que hoje vemos como dourados.
Hoje os anos tem outro matiz, mas, nem por isso, menos brilhantes …
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