Poucas coisas na vida são mais emocionantes do que participar de manifestações públicas, não importa de quais tipos: Culturais, Esportivas ou Políticas. Claro que as manifestações políticas são as que mais me encantam, que dão mais prazer em participar e sentir o clima dela. São momentos especiais de grande calor humano, é naquele instante que se deixa de ser apenas um Indivíduo e passa-se a ser parte de um Coletivo.
Nestes últimos três anos, em que estive na Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, foram de grande adrenalina. Fui um dos coordenadores do Núcleo de Ações Emergenciais e de Direitos Ameaçados, era o núcleo do “corre”, aquele em que tinha que se estar preparado para tudo, todos os dias, pois era a linha de frente da CDH, atuando num momento em que a sociedade pulsa a luta de classes (mesmo que neguem) dia a dia, com seus enfrentamentos, dores e lutas (com vitórias e derrotas).
Em todo esse tempo procurei ir em todos os ambientes, presencialmente, para ouvir e acolher as pessoas, saber se suas lutas, seus medos, dores e vontades. Ir lá é conhecer onde mais se negam os Direitos Humanos e como as pessoas lutam diariamente por dignidade e direito à vida.
Conheci tantos lugares de São Paulo, suas cidades, vielas, pontes e favelas; comunidades e favelas; delegacias e ruas que pulsam.
Mesmo quando estive Vice-Presidente da CDH da OAB-SP (o presidente da OAB-SP é o presidente estatuário da CDH), fiz questão de não sair das ruas, me fiz presente em todos os cantos em que haviam ameaças de violência e/ou de violações ao Direitos Humanos, pois é a forma real de nos aproximar daqueles que pagam sempre o preço da sociedade de exclusões e violências.
Agora tenho o prazer de atuar na Comissão de Direitos Humanos do Sindicato dos Advogados de São Paulo (SASP), voltei às ruas para novos enfrentamentos, com mais liberdade de ação, com mais interação com os movimentos sociais, apoiando, ajudando e nos associando às lutas dos movimentos sociais, firmes na defesa dos Direitos Humanos e das pautas políticas e sociais, sabendo da importância que a Advocacia tem numa manifestação, num embate, numa desocupação, se tem compromisso com as causas populares e a defesa da sociedade contra a violência estatal.
Dia 17.02.2022, a CDH do SASP, apoiou e acompanhou a bela manifestação dos movimentos populares pelo DESPEJO ZERO, pela manutenção da suspensão de desocupações de moradias urbanas e de terras no campo, durante a Pandemia. Medida conseguida junto ao STF no bojo da ADPF nº 828, essa resolução tem seu término em 31.03.2022, mesmo o país ainda sob Pandemia, um “novo Negacionismo” se anuncia, com o fim da obrigatoriedade do uso de máscaras.
A Manifestação foi enorme e cheia de simbolismo.
O povo das periferias de São Paulo e de várias cidades se encontrando na Avenida Paulista, símbolo do poder da cidade mais importante do Brasil, eles e elas, pretos e pretas, passando pela FIESP, MASP, pelas sedes dos bancos e dos bacanas, mostrando a realidade, seus rostos, suas formas de lutas. Dando um recado de que são cidadãos e cidadãs, e que merecem respeito e ocupar os mesmos espaços, não aceitam a invisibilidade imposta por uma cidade rica e tão injusta.
Houve tensão constante no ar, a quantidade exagerada de PMs indicava a preocupação excessiva com a defesa da propriedade privada, o medo de que aquela gente simples possa quebrar o “patrimônio privado”, mas para disfarçar, dizem que a PM defende a ordem e o patrimônio público.
É preciso olhar nos olhos das pessoas, conversar com elas, saber de suas vidas, seus sonhos, suas mazelas e esperanças.
Um manifestante mais exaltado preocupa, quer confrontar os PMs, fortemente armados, os seus amigos o seguram, ele quer briga, nem que seja só ele. Busco saber a razão de tanta revolta, me explicam, uma verdade cortante, de que ele perdeu um de seus filhos, que tombou num “enfretamento” com a PM, nas imediações da ocupação que eles participam. Fiquei sem palavras.
A longa caminhada seguiu firme, com os ânimos mais calmos, observo a alegria deles, como se divertem naquelas ruas e avenidas largas, completamente diferente das vielas em que vivem. Deitam-se no asfalto, tiram fotos, cantam, batem palmas, se sentem importantes, cidadãos e cidadãs, plenos direito e lutando, numa cidade que os despreza, sem nenhuma razão lógica.
Quase ao final da marcha, chegamos atrás da imponente Catedral da Sé, entramos pela lateral, ao meu lado, uma garota muito jovem chama suas amigas e ficam olhando admiradas, do lado de fora, a magnífica catedral, a riqueza, aquelas altas colunas, os olhos das mocinhas brilham encantadas diante de tanta beleza, riem e seguem em frente, sem saber de que tudo aquilo é delas também, talvez fosse a primeira vez que estiveram naquele lugar sagrado e profano.
Depois do alto, de mais de 6 horas no calor, de tensão e incertezas, fui tomado pela emoção de ter podido um dia ter tido a honra de andar com aquela gente, foi recompensador, a cidadania verdadeira os Direitos Humanos estavam ali.