Insone, com muita dor no coração, pois junho chegou trágico, o outono do outono, e levou duas figuras marcantes na minha vida. No primeiro dia do mês, partiu Rosa Fonseca (Rosa Fonseca, Presente! Hoje e sempre!) e no segundo, Marinilda Carvalho (Marinilda Carvalho, Marizinha, Presente!!). Assim não tem quem aguente uma conjuntura insana e perder grandes quadros políticos e exemplos de vidas.
Rosa Fonseca era uma militante histórica da esquerda do Ceará, geração anterior a minha, quando ingressei no movimento estudantil, início de 1984, ela já tinha longa jornada luta, tinha sido presa política na Ditadura civil-militar, no início dos anos de 1970, Rosa militava e era quadro do PC do B, na época.
Naquele princípio dos anos de 1980, a ditadura estava mais para lá do que para cá, Rosa Fonseca e Maria Luiza Fontenele, eram dirigentes da ruptura do PC do B no Ceará, o PRC, a experiência no combate à ditadura, a organização da resistência, tornaram-nas figuras públicas conhecidas em todo estado, Maria foi eleita deputada estadual em 1982, Rosa era a grande lutadora do movimento dos professores do Ceará.
Conheci Rosa Fonseca mais de perto logo que comecei a participar do movimento estudantil que vivia um ascenso em Fortaleza, com a formação de grêmios (como o nosso da Escola Técnica Federal) e na reconstrução da UMES. Vi naquela mulher um exemplo de militância e dedicação, Rosa parecia que metia medo na polícia, seus discursos potentes, em todas as greves e movimentos sociais, ela era onipresente, estava em todos os lugares.
Estivemos em várias lutas, por grupos políticos diferentes, mas trabalhando juntos, no Grêmio da ETFCE, na UMES, na CUT, nossas organizações, CGB e PRO, não eram vinculadas ao PT, uma particularidade do Ceará. Nossas alianças, mais à esquerda, ainda que com divergências, dava uma tônica diferente na esquerda cearense.
A base do CGB era o movimento estudantil, setores da classe média, o PRO tinha a base mais proletária, militância social, de moradia, e quadros de grande expressão como Maria Luiza que foi a primeira prefeita do PT numa capital, em 1985, logo depois, o grupo de Rosa e Maria, saíram do PT, geriram Fortaleza num enfrentamento contra a burguesia local que elegeu Tasso Jereissati governador e Ciro Gomes seu líder, que nos derrotou em 1988.
Vim para São Paulo, uma opção militante e de vida, na metade de 1989, saí no auge da minha militância estudantil, tinha sido primeiro presidente do Grêmio da ETFCE em aliança com o Grupo de Rosa, depois fomos para UMES, fui como vice-presidente, numa aliança nossa com o PT. Ainda ajudei a eleger na sucessão do Grêmio e na UMES, já em ruptura com o grupo dela.
Isso jamais impediu de ter Rosa Fonseca como uma das minhas referências políticas, especialmente, a sua dedicação à causa, seu destemor e fibra na defesa da classe trabalhadora e de suas ideias programáticas (raramente na mesma linha do que eu defendia).
Logo depois que chego a São Paulo, nosso grupo político se rompeu, na tática eleitoral de 1989, e a crise após a queda do Muro de Berlim. Parte de nós, ajudou a fundar o PSTU, como partido à esquerda do PT, ficamos de 1992 a 1998, numa luta interna, sendo ampla minoria diante da Convergência Socialista, grupo trotskista, que nos esmagou no debate, impôs sua força e método de organização.
Nos anos seguinte nos dispersamos, alguns entraram no PT, outros, depois ajudaram na fundação do PSOL. Fiquei fora dessas iniciativas, mas segui na esquerda, votando no PT, me aproximando de ideias e grupos nas incipientes Redes Sociais, do começo dos anos 2000.
No final de 2009, já “militando” no Twitter, fui conhecendo companheiros, que em 2010 se dedicaram a batalha selvagem contra José Serra, para eleger Dilma Russef. Foi onde conheci, Marinilda Carvalho, que ouvira falar como organizadora e editora do Observatório da Imprensa, ela, aposentada, deu corpo ao importante espaço de debate da grande imprensa.
Imediatamente nos demos bem, foi amor logo de cara, Marinilda era uma excepcional editora, sua longa experiência em redações de jornais (JB) e revistas nacionais (Veja), sempre na “cozinha”, na edição lhe dava uma visão ampla de cada passo da produção de um texto e de como ele deveria aparecer, na ainda inicial mídia alternativa e seus pequenos portais.
Marinilda e Marco Biruel, depois o jovem Victor Amatucci (do blog Imprenca), Ricardo Klaxon com seu blog, ali estava formando o Teia Livre, um portal que era um agregador de textos de blogueiros, pequenos blogs. E quando me juntei, Marinilda passou a ser minha mestra, me ensinava, dava porrada, sempre com tanto amor, e exigia de mim, textos e pautas.
Chegamos a reunir 38 blogs, ela magistralmente organizava um a um as contribuições e elencava os artigos, os editoriais, as matérias principais, as chamadas, os top 10. Era incrível como nós, sem nenhum dinheiro, sem financiamento de nada, tínhamos um portal tão bacana, mas aquilo tinha um nome pesado por trás: Marinilda Carvalho.
Marizinha não dormia, literalmente, todos os dias ficávamos escrevendo, eu trabalhava em engenharia numa grande empresa, no meio do expediente e depois, produzia meus artigos na correria, ela os organizava, dava broncas, pedia mais paciência, pois mandava muitos textos no mesmo dia, era mais trabalho para ela.
Todos os dias, às 5 da manhã, lá estavam os textos, todos editados, a capa do Teia, tudo certinho, umas 7:30, Marizinha e eu, estávamos no twitter, divulgando o Teia, participando dos embates da conjuntura, polemizando, interagindo e foi assim pelos quase dois anos do Teia Livre.
Quando a experiência do Teia acabou, Marizinha e eu, tínhamos criando muita intimidade, mantivemos um grupo de amigos, com Lufeba, Ricardo, Biruel, Vitor, Na Faixa, Vange, Senshop, Esper Leon, Telma Cristiane, Magna Moreira, tantas e tantos.
Marizinha ficou maravilhada quando comecei a escrever a longa série Crise 2.0, sobre a Crise de 2008 e suas consequências, ela corrigia os textos, fazia traduções de jornais em inglês e francês, quase todos os dias nesse blog saíam textos novos, quando chegou em 300 artigos, ela queria transformar em livro, por sua insistência, fiz uma compilação de mais de 200 páginas e ela fez todas as correções em cima de um projeto que estabelecemos, em menos de um mês, o livro estava pronto, o Esper Leon, deu o formato final, a capa, tudo: Crise Dois Ponto Zero: A Taxa de Lucro Reloaded.
O prefácio da Marizinha é de uma generosidade para comigo que choro ao ler, como o trecho abaixo:
Acompanhei com sofreguidão os capítulos emocionantes deste folhetim. Incomodei o autor com perguntas, cobranças, insistências em mais de 100 comentários, fora as conversas no Twitter, no GTalk e no GMail – daí, acho, ter sido convidada (honrada!) para “madrinha” do ebook. Verdade que também nos une, apesar da diferença de gerações, o passado comunista, as alegrias nas vitórias operárias, as lágrimas nos saltos neoliberais, tudo temperado de reverência às teorias marxistas na análise dos processos históricos, marca maior deste trabalho.
A perda dessas duas mulheres, amigas, companheiras, de certa forma me faz ver que valeu a pena viver, ainda que doa demais.