“Se isso é para ser feito, então bem feito Será se feito o quanto antes” (Macbeth – W. Sakespeare)
Macbeth é uma obra grandiosa e aterradora, impossível ficar impassível ao ler, ao ver no teatro e nas várias versões filmadas. A última versão que vi, do consagrado diretor, Joel Coen, com a estupenda Frances McDormand e o espetacular, Denzel Washington (já for ator shakespeariano em Muito Barulho por Nada), feita para Apple TV+, o serviço de streaming da Apple.
É sombria, a alma humana desnudada. A luxúria vem do prazer de matar/morrer, ou de tramar mortes, tudo isso feito por uma ambição desmedida iniciada pela visão das terríveis bruxas da charneca, que predizem o futuro ou o despertar de uma cadeia sinistra de acontecimentos.
A ambição, aquilo que produz em Macbeth e Banquo, companheiros de armas, tem na Lady Macbeth a determinação de cumprir aquela visão terrível, sem aceitar vacilações do companheiro, o conhecimento íntimo e intenso sobre o caráter de Macbeth é descrito com assertividade:
e serás ainda Aquilo que te foi prometido; mas temo tua natureza, Que é tão cheia do leite da bondade humana56 Para perceber o caminho mais curto. Tu serás grande, Ambição não te falta, mas não possuis A maldade que a deveria auxiliar. A grandeza que aspiras Gostarias de obtê-la com lisura; não trapacearias, Mas aceitarias vencer um jogo sujo.
Lady Macbeth é o vetor principal da mudança de Macbeth, a sua fortaleza e decisão de cumprir a promessa, conhecendo o espírito do marido, passa a ação, a oportunidade lhe chega e ela não vacila, insufla para que Macbeth, se torne o executor de seu destino traçado pelas bruxas.
MACBETH: Não prossigamos nesse conluio. Ele acabou de honrar-me e sou merecedor Do áureo respeito de todos, O qual tem de ser ostentado enquanto brilha E não ser abandonado tão cedo. LADY MACBETH: Estava bêbada A esperança que antes te revestia? Ela adormeceu? E ao acordar agora já te parece tão verde e pálido O que antes fazia tão livremente? De agora em diante, É assim que também considero o teu amor. Temes Ser o mesmo em teus atos e coragem, Como eras em desejos? Queres ter Aquilo que estimas como o ornamento da vida Ou viver como um covarde na tua própria estima, Deixando o ‘eu posso’ sobrepujar-se ao ‘eu ouso’, Como o pobre gato do adágio?
O gato deseja o peixe, mas não quer molhar as patas. A resoluta Lady Macbeth enche de coragem o vacilante Macbeth, depois disso ele se sente para sempre na escuridão. Com o famoso “não durmo mais”:
MACBETH: Mas por que não pude pronunciar ‘Amém’? Necessitava tanto de uma benção e o ‘Amém’ Ficou parado na garganta. LADY MACBETH: Tais coisas não podem ser pensadas Dessa maneira. Isso nos levará à loucura. MACBETH: Pensei ouvir uma voz a gritar: ‘Não durma mais! Macbeth matou o sono!’, o sono inocente, Sono que deslinda a tessitura das preocupações, Morte de cada dia vivido, banho das chagas da labuta, Bálsamo da alma dolente, prato principal da natureza, Alimento maior na festa da vida. LADY MACBETH: O que você quer dizer com isso? MACBETH: Ainda gritava: ‘Não durma mais!’, por toda a casa, ‘Glamis matou o sono! E, mesmo sendo Cawdor, Não dormirá mais: Macbeth não dormirá mais.’
A maior das tragédias, o trono de sangue é uma reflexão não apenas sobre a ambição e a luta pelo poder, mas a consciência do feito, a dor de uma expiação que não acontecerá jamais.
A obra de Joel Coen é um quase teatro, o preto em branco, o formato 4:3, as encenação profunda, os trechos recolhidos do livro, dão uma dimensão da tragédia para um público não habitual de Shakespeare, numa plataforma de streaming e que é a atração maior há um mês, uma aposta alta, com atrizes (Lady Macbeth e a Bruxa (em três)) e atores, dando profundidade aos personagens e à tragédia.
Além da ousadia de usar um ator negro para um personagem “escocês”, atores e atrizes experientes, em plena maturidade, sem apelo para “juventude” ou outros truques para atrair grande público, claro que Denzel e Frances, são atrações por si só, e são grandiosos, muito além de Hollywood.
Nascido em Bela Cruz (Ceará - Brasil), moro em São Paulo (São Paulo - Brasil) e Brasília (DF - Brasil) Advogado e Técnico em Telecomunicações. Autor do Livro - Crise 2.0: A Taxa de Lucro Reloaded.