1214: O Abutre


A forte imagem de um sociopata construído por Gyllenhaal

A forte imagem de um sociopata construído por Gyllenhaal, em O Abutre.

Assiste ao filme “O Abutre” (Nightcrawler, título original) no último domingo, no Netflix, confesso que ainda estou atônito, incomodado e assustado com tudo que vi. Os detalhes sórdidos e o peso doloroso deste grande filme. Personagens extremamente bem construídos pelo diretor e escritor/roteirista da estória, Dan Gilroy, liderado pelo excelente Jake Gyllenhaal e com participação mais que especial de Rene Russo.

As entranhas do jornalismo televisivo decadente são ali expostas, sem máscaras e  com um viés ainda mais cruel, a busca pela audiência só conseguida pelas imagens de violência urbana e medo provocado por ela, que é explorado à exaustão. A dramatização da violência exige imagens fortes e um roteiro canalha, isso tudo mostrado durante o café da manhã,  às 7 da manhã em Los Angeles (aqui em São Paulo se espera o fim do dia), o jornalismo-cão,  a decadência sem elegância.

Louis Bloom (Jake Gyllenhaal), um lúmpen, que sobrevive de pequenos golpes, roubos e furtos, encontra seu “rumo” com uma “câmera na mão e uma ideia (doentia) na cabeça”. Filmar tragédias e repassar para emissoras de TV a preço vil parece mais confortável que os velhos assaltos. Louis conhece bem o lado B das cidades grandes, é seu habitat natural, a violência, a tragédia humana, alimenta aquela figura asquerosa, pronta para devorar os restos dos mortos ou feridos.

O casamento é perfeito, imagens captadas com raro talento por Louis são cada vez mais fortes e facilmente vendidas aos canais de TV (ávidos por elas), o outro lado representado pela editora de TV, Nina (Rene Russo), que também vive fase decadente da profissão, que tem que “mostrar serviço” ao dono do canal, leia-se: Audiência.

Uma trágica sincronia, entre personagens, que constroem um mundo de terror e horror, partindo das mazelas sociais e violência urbana. Para sobreviver, Louis e Nina, vão mais fundo, os índices de audiência os guiará. Nada de ética ou escrúpulos, a TV leva o banquete sórdido diretamente ao café da manhã de seu público faminto por mais desgraças, tudo se retroalimentando.

Gyllenhaal incorporou completamente o personagem, sua imagem lembra a figura de um abutre ou de um coiote, os detalhes do corte de cabelo, angulação do rosto, a magreza extrema, o modo de andar e vestir. Cada detalhe, visual e moral, foram estudados cuidadosamente, um trabalho meticuloso dando mais credibilidade à interpretação, realmente genial. A imagem dele dar angústia e causa ânsia, nojo e desprezo.

O mundo-cão reproduzido e coreografado pelo jornalismo-cão tratado de forma a chocar e refletir o tipo de sociedade espetáculo, mesmo grotesco, que se constrói no mundo. As relações promíscuas entre personagens do submundo policial com âncoras de jornalecos, cujo interesse comum é audiência e espalhar medo e desesperança.

Grande filme.

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