Dando continuidade a esta pequena série sobre as Copas que assisti (iniciada com o artigo sobre a copa de 1978, na Argentina – #VaiBrasil – Todas as Copas – 1978 – O Campeão “Moral”). Falaremos agora da mítica seleção brasileira de 1982, a melhor seleção que eu vi jogar, um time de craque do 1 ao 11, com o técnico, mestre Telê Santana, que talvez mais tenha compreendido a vocação do futebol brasileiro ou do próprio futebol, que é encantar, levar poesia e fantasia ao mundo, tornar a vida das pessoas mais suportáveis.
Ouso dizer que a derrota do Brasil na Copa da Espanha, em 1982, mudou o destino do futebol no mundo, todo aquele arroubo e aquela generosidade para jogar bola foi derrotada e com esta tragédia, o sonho da mais pura arte, o balé de chuteiras se perdeu para sempre. O futebol “amador” deu lugar aos “profissionais”, o encanto deu lugar à força, nas escolinhas, nos campos de bairros, o garoto criativo deu vaga para o Brucutu. O próprio Telê Santana montou a seleção de 1986, também derrotada, já sob um novo paradigma.
A seleção brasileira de 1982 foi montada com grande antecedência, nos três anos anteriores já dava espetáculo em todos os lugares, mas também já tinha sido avisada dos riscos e percalços próprios do futebol, como a derrota na final do mundialito de 1981, no Uruguai. Depois de um fantástico jogo contra a poderosa Alemanha Ocidental (4 x 1), fomos surpreendidos pela valente e gloriosa seleção uruguaia. Até hoje não tenho certeza se Telê e seus comandados entenderam aquele recado, parece que não, principalmente depois da maravilhosa excursão à Europa naquele mesmo ano, 1981, em que o Brasil venceu com maestria a França em Paris( 3 x 1), a Inglaterra em Wembley( 1 x0 ) e a grande Alemanha Ocidental em Stuttgart ( 2 x 1 de virada com Valdir pegando pênalti).
O Brasil chegou à Espanha como o maior favorito, não havia discussão quanto a isto, a seleção era cantada em verso e prosa, admirada e respeitada em todos os lugares, o meio de campo era o mais talentoso desde 1970, alguns consideravam até melhor, o que discordo, pois não existirá nenhuma seleção que se compare a uma com Pelé em campo. Mas tudo era mágico: Valdir Peres um excelente goleiro, Leandro na direita e Júnior na esquerda, dignos de Carlos Alberto e Nilton Santos, ótimos no ataque, na defesa e na criação. A dupla de zaga, Oscar e Luizinho, era de jogadores com rara habilidade e de excelente posicionamento, jogavam o “fino da Bola”.
O meio de campo, o quadrado mágico: Cerezzo e Falcão, volantes apenas no nome, craques de primeira linha, brilharam intensamente no Brasil (Atlético e Internacional) e na Itália (Sampdoria e Roma), elegantes, classudos, não tinha botinada, ponta pé, era tudo na bola e de pé em pé. Raramente se verá dois volantes com tantos recursos juntos, além de ótimos finalizadores. Dois meias geniais, de um lado Sócrates, pela direita com a 8, seus passes e lançamentos, o toque de letra, especialmente de calcanhar, ajudavam e davam velocidade e graça ao futebol. Do outro lado, Zico, o maior craque brasileiro depois de Pelé, o melhor herdeiro da camisa 10, um jogador de incríveis recursos técnicos, habilidoso, grande ponta de lança, excelente batedor de faltas e finalizador, o maior artilheiro do Maracanã.
Todos neste meio de campo estavam na faixa dos 28 anos de idade, em plena maturidade física, atlética e intelectual. Era um sonho, uma utopia como trocavam passes, mudavam de posição, inventavam e não deixavam jamais de embasbacar os adversários. Literalmente jogavam por música, a poesia fluía nos seus passes e nos seus gols, nas jogadas geniais. Para completar um ataque com dois craques aos seus estilos, o centroavante artilheiro Serginho Chulapa ( Artilheiro de São Paulo e Santos), com seu porte físico avantajado, habilidade, malícia e força. Na esquerda, Éder Aleixo, mais um falso ponta, buscava o jogo, lançava e, principalmente, arrematava como poucos de longa distância. Todos escolhidos a dedo por Telê Santana, o fio de esperança, um homem íntegro, sério e apaixonado pelo futebol espetáculo, feito como arte por craques (artistas).
A primeira fase apenas a ex-URSS nos deu algum trabalho, 2 x 1 de virada, com lindos gols de Sócrates e Éder, e um frangaço de Valdir Peres. Depois veio a Escócia, um passeio, 4 x 1, assim como os “jogo-treino” contra a Nova Zelândia ( 4 x 0). A seleção entrou na sua formação clássica e deu um show no primeiro jogo na fase de grupos, contra Argentina, um 3 x 1 com autoridade, sem soberba, daqueles jogos que enchem de moral, pois ali vencemos a última seleção campeã do mundo, que ainda contava com o reforço de Maradona. O Brasil partiu para cima e jogou muita bola. Só faltava a Itália, cambaleante da primeira fase, tinha vencido a Argentina por 2 x 1, o Brasil se classificaria apenas com um empate.
Aí acontece a maior derrota no futebol que assisti em toda minha vida, é quase impossível continuar sem que primeiro deixe as lágrimas caírem muito. Aqui vou me socorrer deu um texto que escrevi em 2011, sobre os 29 anos da tragédia do Sarriá, em Barcelona.
A Tragédia do Sarriá: Brasil Arte 2 X 3 Itália Pragmática
“A copa de 1982 foi a primeira que assisti com pleno domínio e noção do futebol, faria 13 anos no fim do mês de julho, recém mudara de Bela Cruz, minha pequena cidade, para Fortaleza, tudo era novo para mim, a cidade grande, os novos amigos, e nossa primeira TV colorida”.
(…)
Naquele mês de julho de 1982, como sempre fazia, fui passar férias na casa do meu avô materno, grande figura humana, amigo, inteligente, carinhoso ao extremo e muito brincalhão. Contador nato de histórias e estórias, seus causos eram famosos, todos os netos ficavam admirados com aquele homem, pai de 33 (14 vivos) filhos, cheio de bom humor, naquela imensa mesa ele à cabeceira.
Naquela tarde do dia 05/07 estávamos todos sentados no chão da sala principal, comandados pelo Vovô na sua cadeira de balanço, o coro de Brasil e a certeza de que seria apenas mais um jogo, as 4 partidas anteriores não deixavam sombra da supremacia brasileira, pelo outro lado a Itália se classificou apenas pelos gols pró nos empates com Camarões, Peru e Polônia. Mesmo a vitória italiana sobre a Argentina não punha qualquer medo ao Brasil.
(…)
A Itália se recuperava do escândalo das apostas, Paolo Rossi o maior craque italiano ficaram preso e sem puder jogar, um providencial perdão permitiu que voltasse a tempo, mas a claudicante 1ª fase do mundial apontava para um fracasso daquela geração. Tudo conspirava para nossa vitória. A seleção da Itália até aquele jogo era visto apenas como burocrática, mas depois se revelou uma esquadra sensacional, aquele jogo desabrochou o time: Zoff, Gentile, Scirea, Tardelli, Bruno Conti e o grande Paolo Rossi.
O jogo que nunca acabou, pelo menos pra mim, de vez em quando sonho que empatamos na cabeçada do Sócrates ou na do Oscar, que Serginho fez o gol em que não deixa o Zico completar a jogada, ou ainda que Junior saíra da área no cruzamento do terceiro gol, deixando Paolo Rossi impedido. Bem, nada disto mudará o que aconteceu ali, é uma tragédia que marcou o futebol do mundo.
O mundo do futebol definitivamente tomou outro rumo com aquela derrota. A CBF foi entregue ao genro João Havelange, aqueles craques sucumbiram na sua maior oportunidade, em 1986 a seleção era apenas a história repetida como farsa. Tivemos Lazzaroni, Dunga em 1994, apenas em 2002 voltamos a sorrir um futebol descente, mais eficiente do que vistoso. Desde 1982 procuramos uma seleção, uma geração que ame e jogue futebol com arte.
Ao fim do jogo meu avô permaneceu calado por longos minutos, todos nós chorávamos copiosamente, a esposa dele vendo-o parado deu-lhe uma dose de uísque, ele que raramente bebia, tomou ficou mais vermelho do que era, levantou-se calado, foi dormir em plena na tarde, só o vi no outro dia com olhos inchados. Esta imagem jamais esquecerei”.
Conte-nos como foi sua Copa de 1982, ajude-nos a ter mais visões sobre aquele mundial, agradeço antecipadamente.
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1982. Copa do final da faculdade. Trabalho de diplomação. Jogo ? Só de soslaio. Fomos campeões morais, nosso bonito futebol parou na Franca. Mas eu me formei. Itália? Tem certeza? Me lembro de umas propagandas que passavam na TV após cada jogo, era tanta certeza da vitória que já estavam prontas. E para mim emblemática foi a da França, que era a da derrota….talvez tenha confundido
Iria me formar em setembro deste ano. 3 de setembro.
Na época da Copa, estava de férias, se não me engano.
Curti todos os jogos com minha turma de amigos, assistindo no meu apartamento,
Uma turma de uns cinco, ou seis e após cada jogo, descíamos prá frente do prédio, munidos de instrumentos de percussão prá desempenhar um samba na rua, em frente ao prédio.
O pessoal do prédio saia às janelas, à frente das entadas dos blocos prá nos ver fazer a festa e curtir a alegria pelas vitórias.
No dia dia do jogo fatal, não foi diferente a não ser pelo final da história em que descemos, sem o aparato, claro, nos postamos na esquina do prédio e as pessoas saíram às janelas, à frente dos blocos, só que prá, parece, ter certeza de que, o que eles tinham visto pela TV, tinha realmente acontecido…