“Puluis et umbra sumus” ( “somos pó e sombra” – Horácio)
De vez em quando, assim do nada, por mero acaso, descubro ou redescubro pequenos tesouros de leituras antigas. Hoje buscava uma frase, esta acima, que lera no livro grandioso sobre Mitologia Grega de Junito de Sousa Brandão, a única certeza era de a sentença estava naquele livro, não sabia em qual página, ou a que mitologema estava ela associada. Por sorte a encontrei, mas a minha maior surpresa, era de que estava ligada ao mito de Afrodite, tantas vezes retratada em minhas páginas, mas era mais especificamente associado ao mito de Adônis.
Foi certeiro, voltei a ler os trechos do mestre Junito, e com sua genialidade e arte, passo a transcrever o mitologema de Adônis. Há duas variantes sobre a origem de Adônis, a primeira que nasceu na Síria, filho de Rei Teias em relação incestuosa com a filha Mirra. Esta, por ter imensa beleza, se achava mais linda que Afrodite, a deusa do Amor, por vingança fez com que o pai da jovem, sem o saber, dormisse com ela por 12 noites seguidas. Apenas na última o rei percebeu o embuste, amaldiçoou a filha e queria matá-la, Mirra, se pôs na proteção dos deuses e foi transformada numa árvore.
Porém, dez meses depois, nasce um lindo bebê. Diante de tanta beleza, Afrodite, pegou-a para criar, pediu ajuda de Perséfone para que cuidasse dele, a deusa do reino inferior, acabou tomando para si o garoto. Zeus foi chamado para arbitrar com que a criança deveria ficar. Decidiu que quatro meses do ano ele ficaria com Afrodite, noutros quatro meses permaneceria com Perséfone, os meses restante ele seria livre para ir onde quisesse. Afrodite apaixonada por ele, usava de artifício para que ficasse com ela por oito meses. Ainda muito jovem, Adônis, foi vitimado pela cólera de Ártemis, que lançou contra ele um javali e este o matou. Afrodite pediu a Zeus que o transformasse numa anêmona, flor da primavera, que era branca, mas devido às lágrimas (ou sangue) da deusa ela se tornava vermelha, mas morria com quatro meses de vida.
Na outra variação do mito, nos conta Junito que, Adônis, nasceu em Chipre, também filho de uma relação incestuosa do rei Ciniras e sua filha Mirra. A mãe da jovem gabava-se de ter uma filha mais linda que a própria Afrodite, que nascera em Chipre. A Deusa, com raiva fez com que o pai se tornasse amante da filha, esta tentou fugir, ou se matar, mas uma aia a convenceu a ceder os desejos do pai. Depois de grávida ela se refugia na floresta, envergonhada, desejando morrer, Afrodite, se condói da jovem e a transforma na árvore, tendo ela parido o belo Adônis.
Ainda segundo Junito, nos conta que “Nesta variante há duas causas para a morte do lindíssimo Adônis: ou a cólera do deus Ares, enciumado com a predileção de Afrodite pelo jovem oriental ou a vingança de Apoio contra a deusa, que lhe teria cegado o filho Erimanto, por tê-la visto nua, enquanto se banhava”. O que não mudará a essência do significado da morte de Adônis “deus oriental da vegetação, do ciclo da semente, que morre e ressuscita, daí sua katábasis para junto de Perséfone e a conseqüente anábasis em busca de Afrodite, era solenemente comemorada no Ocidente e no Oriente”. O que, segundo o mestre, “Na Grécia da época helenística deitava-se Adônis morto num leito de prata, coberto de púrpura. As oferendas sagradas eram frutas, rosas, anêmonas, perfumes e folhagens, apresentados em cestas de prata. Gritavam, soluçavam e descabelavam-se as mulheres. No dia seguinte, atiravam-no ao mar com todas as oferendas. Ecoavam, dessa feita, cantos alegres, uma vez que Adônis, com as chuvas da próxima estação, deveria ressuscitar”.
Junito fala ainda que “para perpetuar a memória de seu grande amor oriental, que Afrodite instituiu na Síria uma festa fúnebre, que as mulheres celebravam anualmente, na entrada da primavera. Para simbolizar “o tão pouco” que viveu Adônis, plantavam-se mudas de roseiras em vasos e caixotes e regavam-nas com água morna, para que crescessem mais depressa. Tal artifício fazia que as roseiras rapidamente se desenvolvessem e dessem flores, as quais, no entanto, rapidamente feneciam. Eram os célebres Jardins de Adônis, cuja desventura era solenemente celebrada com grandes procissões e lamentações rituais pelas mulheres da Síria”.
Por fim, Junito se lembra de “Ricardo Reis, o gigantesco Fernando Pessoa, perseguido pela brevidade da vida e pela lembrança do puluis et umbra sumus (somos pó e sombra) de Horácio, recordou os Jardins de Adônis:
““As rosas amo dos jardins de Adônis,
Essas volucres amo, Lídia, rosas,
Que em o dia em que nascem,
Em esse dia morrem.
A luz para elas é eterna, porque
Nascem nascido já o sol, e acabam
Antes que Apolo deixe
O seu curso visível.
Assim façamos nossa vida um dia,
Inscientes, Lídia, voluntariamente
Que há noite antes e após
O pouco que duramos”.
De uma pequena lembrança, desemboquei numa tema tão complexo e belo, a brevidade da vida, a morte prematura, como somos apenas pó e sombra.
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