“o “fascismo” é a atitude emocional básica do homem oprimido da civilização autoritária da máquina, com sua maneira mística e mecanicista de encarar a vida. É o caráter mecanicista e místico do homem moderno que cria os partidos fascistas, e não vice-versa”. (Wilhelm Reich)
O caráter da catarse geral do “Outono Brasileiro” precisa ser investigado em várias frentes, procurei levar o debate para questões objetivas, da estrutura da Economia, com seus reflexos na Política, em cinco textos:
- Outono Militante ou o “tiozinho mensaleiro”;
- A “Revolução Cultural” do Outono
- O Fora Dilma(??) – A Loucura tem um Método;
- O Bastismo de Sangue de Dilma;
- PT volta à Planície
Busquei entender a lógica por trás da rebelião, acredito que avancei um pouco no tema, aliás, os textos vão entrando numa cadeia comum de elaboração que vem desde a época da série Crise 2.0.
Porém, a questão não se resolve somente com uma análise objetiva ou estrutural, ela deve, necessariamente, descer para um outro nível, mais subjetivo, que é o entendimento psicológico que envolve uma explosão social de massas. Nestes dias retomei a leitura do Médico e Político, nascido no território do império Austro-Húngaroo, Wilhelm Reich, que produziu, para mim, um dos melhores textos analíticos sobre o fenômeno do Fascismo, de como surge e suas principais características, em particular a catarse de massas, de movimento contra tudo e todos, que esconde um profundo reacionarismo político.
Recortei o prefácio à terceira edição do seu livro Psicologia de Massas do Fascismo, pois lá ele conseguiu sintetizar de forma magistral a questão do fascismo e sua relação com o homem “médio”. O termo central que ele denomina o tal Homem, o “Zé Ninguém” , nos parece muito apropriado ao nosso “Gigante Toddynho”, a análise de seu caráter é exata, não tem o que tirar. Resolvi reproduzir a parte essencial do texto, o link acima tem o livro completo, importantíssimo para uma compreensão mais ampla do que atualmente enfrentamos.
Basta lembrar que a culta e racional sociedade alemã se deixou levar pelo fascismo, as razões de fundo são brilhantemente analisadas por Reich, o que demonstra que não há nada de novo ou inovador na revolta do “Gigante” dos “bem informados”, “plugados”, as questões são bem mais irracionais e perversas, mas é preciso ler o todo e entender as partes do problema. Os parágrafos iniciais são mais densos, pois sinteticamente , Reich, pontua sua tese, depois se torma mais direto e nos põe em plena Alemanha pré-Hitler.
Leiamos o que nos diz Reich.
Prefácio à 3ª Edição em Língua Inglesa,Corrigida e Aumentada de Psicologia de Massas do Fascismo de Wilhelm Reich
Uma longa e árdua prática terapêutica com o caráter humano levou-me à conclusão de que, na avaliação das reações humanas é necessário considerar três níveis diferentes da estrutura biopsíquica, Estes níveis da estrutura do caráter são, conforme tive ocasião de expor na minha obra Análise do Caráter, depósitos, com funcionamento próprio, do desenvolvimento social. No nível superficial da sua personalidade, o homem médio é comedido, atencioso, compassivo, responsável, consciencioso. Não haveria nenhuma tragédia social do animal humano se este nível superficial da personalidade estivesse em contato direto com o cerne natural profundo. Mas, infelizmente, não é esse o caso: o nível superficial da cooperação social não se encontra em contato com o cerne biológico profundo do indivíduo; ela se apoia num segundo nível de caráter intermediário, constituído por impulsos cruéis, sádicos, lascivos, sanguinários e invejosos. É o “inconsciente” ou “reprimido” de Freud, isto é, o conjunto daquilo que se designa, na linguagem da economia sexual, por “impulsos secundários”.
A biofísica orgônica tornou possível a compreensão do inconsciente freudiano, aquilo que é antissocial no homem, como resultado secundário da repressão de exigências biológicas primárias. E quando se penetrar, através deste segundo nível destrutivo, até atingir os substratos biológicos do animal humano, descobrir-se-á, invariavelmente, a terceira camada, a mais profunda, que designamos por cerne biológico. Nesse cerne, sob condições sociais favoráveis o homem é um animal racional essencialmente honesto, trabalhador, cooperativo que ama e, tendo motivos, odeia. É absolutamente impossível conseguir-se uma flexibilidade da estrutura do caráter do homem atual, através da penetração desta camada mais profunda e tão promissora, sem primeiro eliminar-se a superfície social espúria e não genuína. Mas, ao cair a máscara das boas-maneiras, o que primeiro surge não é a sociabilidade natural, mas sim o nível de caráter perverso-sádico.
É esta infeliz estruturação que é responsável pelo fato de que qualquer impulso natural, social’ ou libidinoso, proveniente do cerne biológico, seja forçado a atravessar o nível das pulsões secundárias perversas, que o distorcem, sempre que pretenda passar à ação. Esta distorção transforma a natureza originalmente social dos impulsos naturais em perversidade e, deste modo, leva à inibição de todas as manifestações autênticas de vida.
Tentemos transportar esta estrutura humana para a esfera social e política.
É fácil descobrir que os diferentes agrupamentos políticos e ideológicos da sociedade humana correspondem aos diferentes níveis da estrutura do caráter humano. Não incorremos, certamente, no erro da filosofia idealista de supor que esta estrutura humana se manterá imutável para sempre. Depois que as necessidades biológicas originais do homem foram transformadas pelas circunstâncias e pelas modificações sociais, e passaram a fazer parte da estrutura do caráter humano, esta última reproduz a estrutura social da sociedade, sob a forma de ideologias.
O cerne biológico do homem não encontra representação social desde o colapso da primitiva forma de organização social segundo a democracia do trabalho. Os aspectos “naturais” e “sublimes” do homem, aquilo que o liga ao cosmos, só encontram expressão autêntica nas grandes obras de arte, especialmente na música e na pintura. Mas não têm contribuído de maneira decisiva para a configuração da sociedade humana, se por sociedade se entender comunidade de todos os homens, e não a cultura de uma pequena camada superior e rica.
Nos ideais éticos e sociais do liberalismo, vemos representadas as características do nível superficial do caráter: autodomínio e tolerância. O liberalismo enfatiza a sua ética, com o objetivo de reprimir o “monstro no homem”, isto é, o nível das “pulsões secundárias”, o “inconsciente” freudiano. A sociabilidade natural da camada mais profunda, do cerne, permanece desconhecida para o liberal. Este deplora e combate a perversão do caráter humano por meio de normas éticas, mas as catástrofes sociais do século XX provam que essa tática de nada adianta.
Tudo o que é autenticamente revolucionário, toda a autêntica arte e ciência, provêm do cerne biológico natural do homem. Nem o verdadeiro revolucionário, nem o artista nem o cientista foram até agora capazes de conquistar e liderar as massas, ou, se o fizeram, de mantê-las por muito tempo no domínio dos interesses vitais.
Com o fascismo, as coisas se passam de modo diferente, em oposição ao liberalismo e à verdadeira revolução. O fascismo não representa, na sua essência, nem o nível superficial nem o mais profundo do caráter mas sim o nível intermediário das pulsões secundárias.
Na época em que este livro foi escrito, o fascismo era geralmente considerado como um “partido político” que à semelhança de outros “grupos sociais”, defendia uma “ideia política” organizada. De acordo com esta visão, “o partido fascista impunha o fascismo por meio da força ou de ‘manobras políticas'”.
Opondo-se a isso, minhas experiências, médicas com homens e mulheres de diferentes classes, raças, nações, credos, etc., ensinaram-me que o “fascismo” não é mais do que a expressão politicamente organizada da estrutura do caráter do homem médio, uma estrutura que não é o apanágio de determinadas raças ou nações, ou de determinados partidos, mas que é geral e internacional. Neste sentido caracterial, o “fascismo” é a atitude emocional básica do homem oprimido da civilização autoritária da máquina, com sua maneira mística e mecanicista de encarar a vida.
É o caráter mecanicista e místico do homem moderno que cria os partidos fascistas, e não vice-versa.
O fascismo ainda hoje é considerado, devido a uma reflexão política errônea, como uma característica nacional específica dos alemães ou dos japoneses. É deste primeiro erro que decorrem todos os erros de interpretação posteriores.
Em detrimento dos verdadeiros esforços pela liberdade, o fascismo foi e ainda é considerado como a ditadura de uma pequena clique reacionária. A persistência neste erro deve ser atribuída ao medo que temos de reconhecer a situação real: o fascismo é um fenômeno internacional que permeia todos os corpos da sociedade humana de todas as nações. Esta conclusão coaduna-se com os acontecimentos internacionais dos últimos quinze anos.
As minhas experiências em análise do caráter convenceram-me de que não existe um único indivíduo que não seja portador, na sua estrutura, de elementos do pensamento e do sentimento fascistas. O fascismo como um movimento político distingue-se de outros partidos reacionários pelo fato de ser sustentado e defendido por massas humanas.
Estou plenamente consciente da enorme responsabilidade contida nestas afirmações. Desejaria, para bem deste mundo perturbado, que as massas trabalhadoras estivessem igualmente conscientes da sua responsabilidade pelo fascismo.
É necessário fazer uma distinção rigorosa entre o militarismo comum e o fascismo. A Alemanha do imperador Guilherme foi militarista, mas não fascista.
Como o fascismo é sempre e em toda a parte um movimento; apoiado nas massas, revela todas as características e contradições da estrutura do caráter das massas humanas: não é, como geralmente.se crê, um movimento exclusivamente reacionário, mas sim um amálgama de sentimentos de revolta e ideias sociais reacionárias.
Se entendemos por revolucionária a revolta racional contra as situações insuportáveis existentes na sociedade humana, o desejo racional de “ir ao fundo, à raiz de todas as coisas” (“radical”, “raiz”), para melhorá-las, então o fascismo nunca é revolucionário. Pode, isso sim, aparecer sob o disfarce de emoções revolucionárias. Mas não se considerará revolucionário o médico que combate a doença com insultos, mas sim aquele que investiga as causas da doença com calma, coragem e consciência, e a combate. A revolta fascista tem sempre origem na transformação de uma emoção revolucionária em ilusão, pelo medo da verdade.
O fascismo, na sua forma mais pura, é o somatório de todas as reações irracionais do caráter do homem médio. O sociólogo tacanho, a quem falta coragem para reconhecer o papel fundamental do irracional na história da humanidade, considera a teoria fascista da raça como mero interesse imperialista ou, apenas, como simples “preconceito”. O mesmo acontece com o político irresponsável e palavroso: a extensão da violência e a ampla propagação desses “preconceitos raciais” são prova da sua origem na parte irracional do caráter humano. A teoria racial não é uma criação do fascismo. Pelo contrário, o fascismo é um produto do ódio racial e a sua expressão politicamente organizada. Por conseguinte, existe um fascismo alemão, italiano, espanhol, anglo-saxônico, judeu e árabe. A ideologia da raça é uma grande expressão biopática pura da estrutura do caráter do homem orgasticamente impotente.
O caráter sádico-perverso da ideologia da raça revela-se também na atitude perante a religião. O fascismo seria um retorno ao paganismo e um arqui-inimigo da religião. Muito pelo contrário, o fascismo é a expressão máxima do misticismo religioso. Como tal, reveste-se de uma forma social particular. O fascismo apoia a religiosidade que provém da perversão sexual e transforma o caráter masoquista da velha religião patriarcal do sofrimento numa religião sádica. Em resumo, transpõe a religião, do “campo extraterreno” da filosofia do sofrimento, para o “domínio terreno” de assassínio sádico.
A mentalidade fascista é a mentalidade do “Zé Ninguém”, que é subjugado, sedento de autoridade e, ao mesmo tempo, revoltado. Não é por acaso que todos os ditadores fascistas são oriundos do ambiente reacionário do “Zé Ninguém”. O magnata industrial e o militarista feudal não fazem mais do que aproveitar-se deste fato social para os seus próprios fins, depois de ele se ter desenvolvido no domínio da repressão generalizada dos impulsos vitais. Sob a forma de fascismo, a civilização autoritária e mecanicista colhe no. “Zé Ninguém” reprimido nada mais do que aquilo que ele semeou nas massas de seres humanos subjugados, por meio do misticismo, militarismo e automatismo durante séculos. O “Zé Ninguém” observou bem demais o comportamento do grande homem, e o reproduz de modo distorcido e grotesco. O fascista é o segundo sargento do exército gigantesco da nossa civilização industrial gravemente doente. Não é impunemente que o circo da alta política se apresenta perante o. “Zé Ninguém”; pois o pequeno sargento excedeu em tudo o general imperialista: na música marcial, no passo de ganso, no comandar e no obedecer, no medo das ideias, na diplomacia, na estratégia e na tática, nos uniformes e nas paradas, nos enfeites e nas condecorações. Um imperador Guilherme foi em tudo isto simples “amador”, se comparado com um Hitler, filho de um pobre funcionário público. Quando um general “proletário” enche o peito de medalhas, trata-se do “Zé Ninguém” que não quer “ficar atrás” do “verdadeiro” general.
É preciso ter estudado minuciosamente e durante anos o caráter do “Zé Ninguém”, ter um conhecimento íntimo da sua vida atrás dos bastidores, para compreender em que forças o fascismo se apoia.
Na revolta da massa de animais humanos maltratados contra a civilidade oca do falso liberalismo (não me refiro ao verdadeiro liberalismo e à verdadeira tolerância) aparece o nível do caráter, que consiste nas pulsões secundárias.
O fanático fascista não pode ser neutralizado, se for procurado unicamente de acordo com as circunstâncias políticas prevalecentes, apenas no alemão e no italiano, e não também no americano e no chinês; se não for capturado dentro da própria pessoa,se não conhecermos as instituições sociais que o geram diariamente.
O fascismo só pode ser vencido se for enfrentado de modo objetivo e prático, comum conhecimento bem fundamentado dos processos da vida. Ninguém o consegue imitar nas manobras políticas e diplomáticas e na ostentação, Mas o fascismo não tem resposta para os problemas práticos da vida porque vê tudo apenas como reflexo da ideologia ou sob a forma dos uniformes oficiais.
Quando se ouve um indivíduo fascista, de qualquer tendência, insistir em apregoar a “honra da nação” (em vez da honra do homem) ou a “salvação da sagrada família e da raça” (em vez da sociedade de trabalhadores); quando o fascista procura se evidenciar, recorrendo a toda a espécie de chavões, pergunte-se a ele, em público, com calma e serenidade, apenas isto:
“O que você faz, na prática, para alimentar esta nação, sem arruinar outras nações? O que você faz, como médico, contra as doenças crônicas; como educador, pelo bem-estar das crianças; como economista, contra a pobreza; como assistente social, contra o cansaço das mães de prole numerosa; como arquiteto, pela promoção da higiene habitacional? E agora, em vez da conversa fiada de costume, dê respostas concretas e práticas, ou, então, cale-se!”
Daqui se conclui que o fascismo internacional nunca será derrotado por manobras políticas. Mas sucumbirá perante a organização natural do trabalho, do amor e do conhecimento em escala internacional.
Na nossa sociedade, o trabalho, o amor e o conhecimento não são ainda a força determinante da existência humana. E mais: estas grandes forças do princípio positivo da vida não estão ainda conscientes do seu poder, do seu valor insubstituível, da sua extraordinária importância para o ser social. É por isso que hoje, um ano depois da derrota militar do fascismo partidário, a sociedade humana continua à beira do precipício. A queda da nossa civilização é inevitável se os trabalhadores, os cientistas de todos os ramos vivos (e não mortos) do conhecimento e os que dão e recebem o amor natural, não se conscientizarem, a tempo, da sua gigantesca responsabilidade.
O impulso vital pode existir sem o fascismo, mas o fascismo não pode existir sem o impulso vital. É como um vampiro sugando um corpo vivo, impulso assassino de rédea solta, quando o amor deseja consumar-se na primavera.
A liberdade humana e social, a autogestão da nossa vida e da vida dos nossos descendentes processar-se-á em paz ou na violência? Esta é uma pergunta angustiante, para a qual ninguém sabe a resposta.
Mas quem compreende as funções vitais no animal, na criança recém-nascida, quem conhece o significado do trabalho dedicado, seja ele um mecânico, pesquisador ou artista, deixa de pensar por meio de conceitos que os manipuladores de partido espalharam por este mundo. O impulso vital não pode “tomar o poder pela violência”, pois nem saberia o que fazer com o poder. Significa esta conclusão que o impulso vital estará sempre sujeito ao gangsterismo político, será sempre sua vítima, seu mártir? Significa que o político continuará a sugar o sangue da vida para sempre? Tal conclusão seria errada.
Minha função, como médico, é curar doenças; como investigador, é descobrir as relações da natureza até aqui desconhecidas. Se me aparecesse um político qualquer pretendendo forçar-me a abandonar os meus doentes e o meu microscópio, eu não me deixaria perturbar: eu o poria na rua, se ele não desaparecesse voluntariamente. Depende do grau de insolência do intruso e não de mim ou do meu trabalho, eu ter que usar a força para proteger dos intrusos o meu trabalho sobre a vida. Imaginemos, agora, que todos aqueles que estão envolvidos num trabalho vital vivo pudessem reconhecer a tempo o politiqueiro. Agiriam do mesmo modo. Este exemplo simplificado contém talvez um pouco da resposta à pergunta sobre como o impulso vital terá de se defender contra aquilo que o perturba ou o destrói.
A Psicologia de Massas do Fascismo foi pensada entre 1930 e 1933, anos de crise na Alemanha. Foi escrita em 1933 e publicada em setembro de 1933, na Dinamarca, onde foi reeditada em abril de 1934.
Desde então, passaram-se dez anos. Pela revelação da natureza irracional da ideologia fascista muitas vezes esta obra recebeu aplausos demasiado entusiastas e sem embasamento num verdadeiro conhecimento, vindos de todos os setores políticos, aplausos esses que não levaram a nenhuma ação apropriada. Cópias do livro — às vezes sob pseudônimos — atravessaram, em grande número, as fronteiras alemãs. A obra foi acolhida com júbilo pelo movimento revolucionário ilegal, na Alemanha. Durante anos, serviu como fonte de contato com o movimento antifascista alemão.
Os fascistas proibiram-na em 1935, juntamente com todas as outras obras de psicologia política (1). Mas foi publicada, parcialmente, na França, na América, na Tchecoslováquia, na Escandinávia, etc., e discutida em longos artigos. Apenas os partidos socialistas, que viam tudo sob o ângulo da economia, e os funcionários assalariados do partido, que controlavam os órgãos do poder político, não lhe encontraram qualquer utilidade, até hoje. Por exemplo, os dirigentes dos partidos comunistas da Dinamarca e Noruega criticaram-na violentamente, considerando-a “contrarrevolucionária”. Por outro lado, é significativo que a juventude de orientação revolucionária pertencente a grupos fascistas tenha compreendido a explicação da natureza irracional da teoria racial, dada pela economia sexual.
Em 1942, chegou da Inglaterra a proposta de se traduzir para o inglês a Psicologia de Massas do Fascismo. Isso me levou a avaliar a utilidade da obra dez anos depois de ter sido escrita. O resultado desse exame reflete, com exatidão, as gigantescas transformações que revolucionaram o pensamento nos últimos dez anos. Além disso, constitui a pedra de toque da resistência da sociologia da economia sexual e da sua relação com as revoluções sociais do nosso século. Já não pegava neste livro há muitos anos. Quando, depois, comecei a corrigi-lo e a ampliá-lo, fiquei surpreso com os erros de reflexão que eu havia cometido, quinze anos antes, com as profundas revoluções do pensamento que haviam ocorrido e com as exigências que a superação do fascismo haviam imposto à ciência.
Primeiro, permiti-me celebrar um grande triunfo. A análise da ideologia do fascismo, baseada nos princípios da economia sexual, não só resistiu ao tempo, mas também se confirmou brilhantemente, nos seus aspectos essenciais, durante os últimos dez anos. Sobreviveu às concepções puramente econômicas dá marxismo corrente, com que os partidos marxistas alemães tentaram opor-se ao fascismo. É um elogio para a Psicologia de Massas do Fascismo o pedido de reedição, dez anos depois de ter sido escrita. Disso não se pode gabar nenhum escrito marxista de 1930 cujo autor tenha condenado a economia sexual.
Minha revisão da segunda edição reflete a revolução ocorrida no meu pensamento.
Por volta de 1930, eu desconhecia as relações naturais que se estabelecem entre os trabalhadores, homens e mulheres, na democracia do trabalho. Os insights rudimentares da economia sexual sobre a formação da estrutura humana pertenciam, àquela altura, ao âmbito do pensamento dos partidos marxistas. Eu trabalhava, então, em organizações culturais liberais, socialistas e comunistas, e estava habituado a utilizar os conceitos convencionais da sociologia marxista nas minhas exposições sobre a economia sexual. A enorme contradição entre a sociologia da economia sexual e o economicismo corrente já então se revelava, em discussões embaraçosas com vários funcionários dos partidos. Mas, numa época em que ainda acreditava na natureza basicamente científica dos partidos marxistas, não conseguia compreender por que motivo os membros de partidos combatiam, com tanta violência, as consequências sociais do meu trabalho médico, exatamente ao mesmo tempo em que empregados, operários, pequenos comerciantes, estudantes, etc., acorriam em massa às organizações orientadas pelos princípios da economia sexual, para aí adquirirem conhecimentos sobre a vida viva. Nunca esquecerei o “professor vermelho” de Moscou que, em 1928, foi enviado a um dos meus cursos universitários, em Viena, para defender “a linha do partido” contra a minha. Disse, entre outras coisas, que o “complexo de Édipo era uma asneira”, que tal coisa não existia. Catorze anos depois, os seus camaradas russos eram esmagados sob os tanques dos homens-máquina alemães, escravizados pelo führer.
Era de se esperar que os partidos que afirmam lutar pela liberdade humana acolhessem com agrado as conclusões do meu trabalho político-psicológico. Mas aconteceu exatamente o contrário, como provam os arquivos do nosso instituto: quanto mais amplas eram as consequências sociais do trabalho de psicologia de massas, tanto mais severas se tornaram as contramedidas dos dirigentes partidários. Já em 1929-1930, a socialdemocracia austríaca fechou as portas das suas organizações culturais aos conferencistas da nossa organização. As organizações socialistas e comunistas, não obstante os protestos dos seus militantes proibiram a distribuição das publicações da “Editora para Política Sexual”, no ano de 1932, em Berlim. Ameaçaram me matar logo que o marxismo alcançasse o poder na Alemanha. Em 1932, as organizações comunistas da Alemanha vedaram os seus locais de reunião ao médico especialista em economia sexual, contra a vontade, dos seus membros. A minha expulsão de ambas as organizações baseou-se no fato de eu ter introduzido a sexologia na sociologia, e ter demonstrado como ela afeta a formação da estrutura humana. Nos anos que decorreram entre 1934 e 1937, foram sempre funcionários do partido comunista que chamaram a atenção de círculos europeus de orientação fascista para o “perigo” da economia sexual. Há provas documentadas destas afirmações. Os escritos de economia sexual eram apreendidos na fronteira soviética do mesmo modo que os milhares de refugiados que procuraram salvar-se do fascismo alemão; não há argumentos válidos que justifiquem isso.
Estes eventos, que na época pareciam absurdos, tornaram-se absolutamente claros enquanto revia a Psicologia de Massas do Fascismo. O conhecimento biológico da economia sexual havia sido comprimido dentro da terminologia marxista comum como um elefante numa toca de raposa. Já em 1938, quando revia o meu livro sobre a juventude (2) observei que, decorridos oito anos, todos os termos da economia sexual tinham conservado o seu significado, enquanto as palavras de ordem dos partidos, que eu incluíra no livro, se tinham esvaziado de sentido. O mesmo aconteceu com a terceira edição de Psicologia de Massas do Fascismo.
Está claro, hoje em dia, que o “fascismo” não é obra de um Hitler ou de um Mussolini, mas sim a expressão da estrutura irracional do homem da massa. Está mais claro hoje do que há dez anos que a teoria da raça é misticismo biológico. Estamos hoje mais próximos da compreensão do anseio orgástico das massas do que estávamos há dez anos, e já se generalizou a impressão de que o misticismo fascista é o anseio orgástico restringido pela distorção mística e pela inibição da sexualidade natural. As afirmações da economia sexual sobre o fascismo são hoje ainda mais válidas do que há dez anos. Pelo contrário, os conceitos partidários do marxismo usados neste livro tiveram de ser riscados e substituídos por novos conceitos.
Significa isto que a teoria econômica do marxismo é basicamente falsa? Pretendo responder a esta pergunta com um exemplo. Serão “falsos” o microscópio da época de Pasteur ou a bomba de água que Leonardo da Vinci construiu? O marxismo é uma teoria econômica científica construída com base nas condições sociais existentes nos princípios e meados do século XIX. Mas o processo social, longe de se deter aí, prosseguiu no século XX, numa orientação fundamentalmente diversa. Neste novo processo social, encontramos as características essenciais do século XIX, do mesmo modo que encontramos, no microscópio moderno, a estrutura básica do microscópio de Pasteur e,no atual sistema de canalizações, o princípio básico de Leonardo da Vinci. Mas, hoje, nem o microscópio de Pasteur nem a bomba de Da Vinci têm qualquer utilidade prática. Foram ultrapassados por processos e funções totalmente novos, que correspondem a novas concepções e à moderna tecnologia. Os partidos marxistas da Europa fracassaram e conheceram o declínio (não digo isso com prazer), por terem tentado enquadrar um fenômeno essencialmente novo, como é o fascismo do século XX, em conceitos apropriados ao século XIX. Foram derrotados como organização social porque não souberam manter vivas e desenvolver as possibilidades vitais que cada teoria científica encerra. Não lamento o fato de ter exercido a minha atividade médica durante vários anos, em organizações marxistas. Meu conhecimento da sociedade não provém dos livros, mas foi adquirido essencialmente a partir do meu envolvimento prático na luta das massas humanas por uma existência digna e livre. Os melhores insights no campo da economia sexual decorrem exatamente dos meus próprios erros ao pensar sobre essas massas humanas, os mesmos erros que as tornaram predispostas à peste fascista. Sendo médico, tive muito mais possibilidade de conhecer o trabalhador internacional e seus problemas do que qualquer político partidário. O político não vê mais do que a “classe operária”, em quem pretende “infundir consciência de classe”. Eu, pelo contrário, via o homem como uma criatura que vinha se sujeitando à dominação das piores condições sociais, condições que ele próprio criara, que já faziam parte integrante do seu caráter, e das quais procurava, em vão, se libertar. O abismo que separa a visão puramente econômica da visão biossociológica intransponível. À teoria do “homem de classes” opunha-se a natureza irracional da sociedade do animal “homem”.
Hoje, é do conhecimento geral que as ideias econômicas marxistas penetraram no pensamento do homem moderno, influenciando-o em maior ou menor grau, frequentemente sem que os economistas e sociólogos em questão tenham consciência da origem das suas ideias. Conceitos como “classe”, “lucro”, “exploração”, “luta de classes”, “mercadoria” e “mais-valia” tornaram-se senso comum. Por tudo isso, não existe hoje um único partido que se possa considerar herdeiro e representante vivo do patrimônio científico do marxismo, quando se trata de fatos reais do desenvolvimento sociológico e não de meros chavões que já não correspondem ao seu conteúdo original.
Entre 1937 e 1939, desenvolveu-se sob o enfoque da economia sexual o conceito novo da “democracia do trabalho”. A terceira edição da Psicologia de Massas do Fascismo explica, nas suas características fundamentais, este novo conceito, que contém as melhores descobertas sociológicas do marxismo, válidas até hoje. Ao mesmo tempo, leva em conta as alterações sociais por que passou o conceito de “trabalhador” no decurso dos últimos cem anos. Sei, por experiência própria, que serão precisamente os “únicos representantes da classe operária” e os atuais e futuros “dirigentes do proletariado internacional” que combaterão esta ampliação do conceito social de trabalhador, acusando-o de “fascista”, “trotskista”, “contrarrevolucionário”, “inimigo do partido”, etc. Organizações de trabalhadores que expulsam negros e praticam o hitlerismo não merecem ser considerados como fundadoras de uma sociedade nova e livre. É quando o “hitlerismo” não é exclusivo do partido nazi ou da Alemanha; ele penetra nas organizações de trabalhadores e nos círculos, liberais e democráticos. O fascismo não é um partido político, mas certa concepção de vida e uma atitude perante o homem, o amor e o trabalho. Isso em nada altera o fato de que a política praticada pelos partidos marxistas antes da guerra se esgotou, não tendo qualquer futuro possível. Assim como o conceito de energia sexual se perdeu dentro da organização psicanalítica, vindo a reaparecer, com uma força nova, na descoberta do orgone, também o conceito do trabalhador internacional perdeu o sentido nas práticas dos partidos marxistas, reaparecendo no âmbito da sociologia da economia sexual. Ora, as atividades do economista sexual só são possíveis se estiverem enquadradas no conjunto do trabalho social necessário, e não é possível no âmbito da vida vazia de trabalho, reacionária e mistificadora.
A sociologia baseada na economia sexual nasceu das tentativas para harmonizar a psicologia profunda de Freud com a teoria econômica de Marx. A existência humana é determinada tanto pelos processos instintivos como pelos processos socioeconômicos. Mas as tentativas ecléticas de reunir, arbitrariamente, “instinto” e “economia” devem ser rejeitadas. A sociologia baseada na economia sexual resolve a contradição que levou a psicanálise a esquecer do fator social e o marxismo a esquecer da origem animal do homem. Como já disse em outra ocasião, a psicanálise é a mãe da economia sexual e a sociologia é o pai. Mas um filho é mais do que a soma dos seus pais. É uma criatura viva, nova e independente; é a semente do futuro.
De acordo com a nova acepção econômico-sexual do conceito de “trabalho”, procedemos a algumas alterações na terminologia deste livro. Os conceitos de “comunista”, “socialista”, “consciência de classe”, etc., foram substituídos por termos especificamente sociológicos e psicológicos, tais como “revolucionário” e “científico”. O que eles implicam é “revolução radical”, “atividade racional”, “chegar à raiz das coisas”.
Tais alterações correspondem ao fato de que hoje já não são predominantemente os partidos socialistas e comunistas, mas sim, e em contraste com eles, muitos, agrupamentos não políticos e classes sociais de todas as tendências políticas que revelam uma orientação cada vez mais revolucionária, isto é, que anseiam por uma ordem social inteiramente nova e racional. Passou a fazer parte de nossa consciência social universal — e mesmo os velhos políticos burgueses o dizem — que, como resultado de sua luta contra a peste fascista, o mundo inteiro se envolveu num processo de uma convulsão enorme, internacional, revolucionária. As palavras “proletário” e “proletariado” foram cunhadas há mais de cem anos para designar uma classe social destituída de direitos e mergulhada na miséria. É certo que ainda hoje existem tais categorias, mas os bisnetos dos proletários do século XIX se tornaram trabalhadores industriais especializados, altamente qualificados, indispensáveis e responsáveis, que têm consciência de sua capacidade. O termo “consciência de classe” é substituído por “consciência profissional” ou “responsabilidade social”.
O marxismo do século XIX limitava a “consciência de classe” ao trabalhador manual. Mas os outros trabalhadores, de profissões indispensáveis, eram contrapostos ao “proletariado” e designados como “intelectuais” ou “pequeno-burgueses”. Esta justaposição esquemática, hoje inaplicável, desempenhou um papel muito importante no triunfo do fascismo na Alemanha. O conceito de “consciência de classe” não só é muito limitado, como também não corresponde sequer à estrutura da classe dos trabalhadores manuais. “Trabalho industrial” e “proletariado” foram, por isso, substituídos pelas expressões “trabalho vital” e “trabalhadores”. Estes dois conceitos abrangem todos aqueles que realizam um trabalho vital para a existência da sociedade. Além dos trabalhadores industriais, esses conceitos incluem também médicos, professores, técnicos, escritores, administradores sociais, agricultores, cientistas, etc. Esta nova concepção vem preencher uma lacuna que contribuiu largamente para a atomização da sociedade humana trabalhadora e, consequentemente, levou ao fascismo tanto preto quanto vermelho. A psicologia marxista, desconhecendo a psicologia de massas, opôs o “burguês” ao “proletário”. Isso é psicologicamente errado. A estrutura do caráter não se limita aos capitalistas; atinge igualmente os trabalhadores de todas as profissões. Há capitalistas liberais e trabalhadores reacionários. O caráter não conhece distinções de classe. Por isso, os conceitos puramente econômicos de “burguesia” e “proletariado” foram substituídos pelos conceitos de “reacionário” e “revolucionário” ou “libertário” que se referem ao caráter do homem e não à sua classe social, Esta alteração foi forçada pela peste fascista.
O materialismo dialético, cujos princípios foram desenvolvidos por Engels no Anti-Dürhring, transforma-se em funcionalismo energético. Este progresso foi possibilitado pela descoberta da energia biológica, o orgone (1936-1938). A sociologia e a psicologia adquiriram, assim, uma sólida base biológica, o que não pôde deixar de exercer influência sobre o pensamento. E, com a evolução do pensamento, os velhos conceitos modificaram-se, aparecendo novos conceitos para substituí-los. Assim, o termo marxista, “consciência” foi substituído por “estrutura dinâmica”, “necessidade” por “processos instintivos orgonóticos”, “tradição” por “rigidez biológica e caracteriológica”, etc.
O conceito de “iniciativa privada”, na acepção do marxismo corrente, foi mal interpretado pela irracionabilidade humana, como se o desenvolvimento liberal da sociedade significasse a abolição de toda propriedade privada. Isto foi, evidentemente, aproveitado pela reação política. Ora, desenvolvimento social e liberdade individual nada tem a ver com a chamada abolição da propriedade privada. O conceito marxista de propriedade-privada não se aplicava às camisas, calças, máquinas de escrever, papel higiênico, livros, camas, seguros, residências, propriedades rurais, etc. Esse conceito referia-se exclusivamente à propriedade privada dos meios sociais de produção, isto é, aqueles .que determinam o curso geral da sociedade; em outras palavras, estradas de ferro, centrais hidráulicas e elétricas, minas de carvão, etc. A “socialização dos meios de produção” tornou-se um bicho-papão, exatamente porque foi confundida com a “expropriação privada” de frangos, vestuários, livros, moradias, etc., de acordo com a ideologia dos expropriados. No decurso do século passado, a nacionalização dos meios sociais de produção começou a penetrar a exploração privada em todos os países capitalistas, em uns mais do que em outros.
Como a estrutura do trabalhador e a sua capacidade para a liberdade estivessem muito inibidas para permitir que ele se adaptasse ao rápido desenvolvimento das organizações sociais, o “Estado” encarregou-se de realizar os atos que competiam à “comunidade” dos trabalhadores. Na Rússia Soviética, tida como bastião do marxismo, nada há que se pareça com a “socialização dos meios de produção”. Acontece que os partidos marxistas simplesmente confundiram “socialização” com “nacionalização”. Mostrou-se, nesta guerra, que o governo dos Estados Unidos também tem o direito e os meios de nacionalizar empresas de funcionamento deficiente. A socialização dos meios de produção, a sua transferência de propriedade privada de alguns indivíduos para propriedade social, soa muito menos aterrorizadora se tivermos presente que hoje, em consequência da guerra, existem, nos países capitalistas, relativamente poucos proprietários independentes, enquanto que há muitos trustes responsáveis perante o Estado; e que, além disso, na Rússia Soviética, as indústrias sociais certamente não são geridas pelos seus trabalhadores, mas por grupos de funcionários do Estado. A socialização dos meios sociais de produção só será viável ou possível quando as massas trabalhadoras estiverem estruturalmente maduras, isto é, conscientes de sua responsabilidade para os gerir. Atualmente, as massas, na sua esmagadora maioria, não estão nem dispostas e nem maduras para fazê-lo. E mais: uma socialização de grandes indústrias, no sentido de que passem a ser geridas apenas pelos seus trabalhadores manuais, excluindo do processo os técnicos, engenheiros, diretores, administradores, distribuidores, etc., é sociológica e economicamente absurda. Essa concepção é hoje rejeitada pelos próprios operários. Se assim não fosse, os partidos marxistas há muito teriam conquistado o poder.
Esta é a principal explicação sociológica do fato de a iniciativa privada do século XIX estar se voltando, cada vez mais, para uma economia planificada, em moldes de capitalismo de Estado. Deve-se afirmar claramente que também na Rússia Soviética não existe socialismo de Estado, mas sim um rígido capitalismo de Estado, no sentido rigorosamente marxista da palavra. Segundo Marx, a condição social do “capitalismo” não se origina, como acreditam os marxistas comuns, a partir da existência de capitalistas individuais, mas sim da existência de “modos de produção capitalistas” específicos. Em resumo, origina-se da economia de mercado, e não da “economia de uso”, do trabalho assalariado das massas e da produção de mais-valia, independentemente de esta mais-valia reverter em favor do Estado acima da sociedade, ou em favor de capitalistas individuais, pela apropriação da produção social. Neste sentido estritamente marxista, o sistema capitalista continua a existir na Rússia; e subsistirá enquanto as massas humanas forem dominadas pelo irracionalismo e pelo autoritarismo, como são atualmente.
A psicologia da estrutura, baseada na economia sexual, acrescenta à visão econômica da sociedade uma nova interpretação do caráter e da biologia humana. A eliminação dos capitalistas individuais e a substituição do capitalismo privado pelo capitalismo de Estado na Rússia em nada veio alterar a estrutura do caráter típico, desamparada e subserviente das massas humanas.
Além disso, a ideologia política dos partidos marxistas europeus baseou-se em condições econômicas que correspondiam a um período de cerca de duzentos anos, isto é, do século XVII ao século XIX, no qual a máquina se desenvolveu. Em contrapartida, o fascismo do século XX colocou a questão fundamental do caráter do homem, do misticismo humano e do desejo de autoridade, que cobre um período de quatro a seis milênios. Também nisso o marxismo corrente tentou enfiar um elefante numa toca de raposa. A estrutura humana, da qual trata a sociologia da economia sexual, não se desenvolveu nos últimos duzentos anos; ao contrário, reflete uma civilização patriarcal autoritária de muitos milênios. Na realidade, a economia sexual vai ao ponto de afirmar que os abomináveis excessos da era capitalista, nos últimos trezentos anos (imperialismo predatório, defraudação do trabalhador, opressão racial, etc.), apenas foram possíveis porque a estrutura humana das incríveis massas que suportaram tudo isso se tornou totalmente dependente da autoridade, incapaz de liberdade e extremamente acessível ao misticismo. O fato de esta estrutura ter sido criada pelas condições sociais e pela doutrinação, não sendo, portanto, uma característica inata no homem, em nada altera os seus efeitos, mas aponta para uma saída chamada “reestruturação”. O ponto de vista da biofísica, baseada na economia sexual, é, portanto, muito mais radical, no sentido estrito e positivo da palavra, do que o do marxismo, corrente, se se entende por ser radical o “ir à raiz de todas as coisas”.
De tudo isto se conclui que é tão impossível superar a peste fascista com as medidas sociais adotadas nos últimos trezentos anos como enfiar um elefante (seis mil anos) numa toca de raposa (300 anos).
A descoberta da democracia do trabalho natural biológica nas relações humanas internacionais deve ser considerada como a resposta ao fascismo. Isto é verdadeiro mesmo que nenhum economista sexual, biofísico orgônico ou democrata do trabalho dos nossos dias viva o tempo suficiente para constatar sua completa realização e seu triunfo sobre a irracionalidade na vida social.
Wilhelm Reich
Maine (EUA),
agosto de 1942
NOTAS do Texto:
(1) Em Deutsches Reichsgeseízblatt (diário oficial que publica as novas leis), n.º 213, de 13 de abril de 1935: segundo o [VO = Verordnung = decreto (N. do E. americano)] de 4 de fevereiro de 1933, as obras O Que é a Consciência de Classe, de Ernest Parell, [Pseudônimo usado por Reich (Nota do E. americano)], e Materialismo Dialético e Psicanálise, de Wilhem Reich, n.os 1 e 2 da série político-psicológica dos editores de política sexual Copenhague-Praga-Zurique, bem como todas as outras obras programadas para esta série, devem ser confiscadas e retiradas de circulação pela polícia prussiana, pois constituem perigo para a ordem e a segurança públicas.” 41230/35 II 2B1 Berlim 9/4/35 Gestapo. N.° 2146, 7 de maio de 1935. Segundo o decreto do presidente do Estado promulgado em 28 de fevereiro de 1933, é proibida no Estado, até ordem em contrário, a distribuição de todas as publicações estrangeiras da série político-psicológica dos editores de política sexual (Editores de Política Sexual, Copenhague, Dinamarca, e também, Praga, Tchecoslováquia, Zurique e Suíça). III P, 3952 53. Berlim 6/5/35 R. M. d. I.
(2) O autor refere-se a Der Sexuelle Kampf der Jugend (O Combate Sexual da Juventude). (N. do E,)
Já baixei pra ler todo. Passei a tarde relendo o “Escuta Zé-Ninguém!”, que porrada…
Mari,
E pensar que tudo foi escrito antes da posse efetiva de Hitler se torna mais espetacular a visão e o estudo de Reich
Arnobio
Eu sou um leitor assíduo de suas postagens, desde o início da série Crise 2.0. Concordo em absoluto com você e tenho encontrado divergências dentro de grupos de esquerda, lê-se, blogueiros progressistas (vulgo “blogueiros sujos”), exatamente por defender esta tese acerca desse assunto.