Estávamos Luana(minha filha mais nova) e Eu numa livraria na tarde de ontem, quando uma cena nos chamou atenção, uma garota, talvez de 14 ou 15 anos, falava alto com uma atendente, perguntando por tais e tais livros. A moça um pouco incomodada com aquele assédio, ou pela menina falar alto e insistente, apenas olhamos e nada falamos. Por curiosidade fui verificar, mais de perto, percebi que a garota era cega. E falava mais alto por não saber se realmente se fazia ouvir, ou se receberia a devida atenção, além de demonstrar muito interesse pelos livros.
Aquela cena me deixou perturbado, observei e vi que a atendente tentando fugir pelos lados, enquanto a garota a seguia dando uma lista de livros que gostaria de ler, que ela procurasse ali se havia exemplares, para vender. A escuridão dos olhos em flagrante contradição com a sede de ler, imaginar ou viajar com as leituras, ela repetia que estava no primeiro ano, que já tinha lido os livros passados, mas que queria mais outros. Quanto mais ela falava mais me açoitava, pois, nós enxergamos e temos a autonomia tremenda, para procurar, entretanto não nos dedicamos à maior aventura, a leitura, a imaginação. Fiquei constrangido.
A cena foi muito rápida, subi para tomar um café, sem nada comentar, mas aquilo ficou martelando na cabeça, a atendente despreparada, não sabia lidar com a situação, um desrespeito não apenas a garota, mas a todos nós, quantos de nós, naquela livraria esnobe dos Jardins, realmente tinha a ansiedade pelos livros, a avidez de tê-los, o amor que ela demonstrava por eles. Fiquei ali tomando café, me sentindo mal por nada ter feito, pelo menos dizer algumas palavras para atendente, qualquer coisa. O desejo da menina pelos livros era comovente, pena que nada fiz. Pensei em Borges, na livraria e nos livros.
No caminho de volta, minha filha perguntou: “Pai, o que aquela menina tinha, por que falava alto?” Respondi: “Você não viu que ela era cega?” Minha filha ficou pensando, ela não tinha percebido que a menina era cega. Aí, me bateu, será que a atendente também não percebeu? Enfim, vivemos muita vezes sem perceber os outros, o que nos cerca, as regras de “educação” de não se falar alto, pode ter confundido a moça. Muito estranho, tudo muito rápido, quem sabe depois que saí do local, a menina foi melhor atendida, teve seus livros encontrados.
Somos cegos pelos nossos vícios, pela superioridade, mas somos minúsculos diante dos que realmente precisam de nossos olhos, nossa atenção.
Morri de tristeza…
Mari,
Deu uma dor no coração, fiquei aflito com nossa pobreza de espírito, isto numa livraria “conceituada”, imagine os constrangimentos em outros locais que aquela menina passa?
Arnobio
Mari e Arnóbio,eu quase chorei! Só que abusada como sou, teria me metido na situação, eu não consigo ficar calada em situações onde vejo que o outro não está sendo percebido, ainda mais nesse caso: uma adolescente (cega) ávida por livros? Que preciosidade!
Bjs
O que você presenciou ,acontece todos os dias, isso só prova como estamos despreparados para enfrentar as situações “diferentes”.
Faz dois anos que tenho alunos especiais no ensino médio, como foi difícil me adaptar as limitações deles e como aprendemos com eles.
bjs
As vezes acho que os mais sensíveis são meio ETs perdidos em um planeta estranho. Mas talvez, por outro lado, a rudeza da vida tenha embrutecido as pessoas para lidar com o ser humano real. De qualquer maneira, muito, muito triste.
Lembrei dos nossos alunos com boa vsião e eu ter que pesquisar textos significativos e curtos, porque eles não querem ler. Hoje tenho limitação visual, mas não deixo de ler todas as aulas para os alunos do fundamental. Enquanto lecionar insistirei na leitura e interpretação oral/escrita dos discentes.
Eu também não iiria resistir e me intrometer…já deixei passar algumas situações tristes ao meu lado no passado…hoje não perco a chance de defender alguém que esteja frágil em um dado momento precisando que o apoio venha de qualquer direção.
Infelizmente parece que o mundo foi para os “normais”
Eu me lembrei de um caso parecido. Aqui, no interior, um rapaz entra numa lojinha apertada e pede algum produto (não lembro qual). A vendedora não deu ideia e veio me atender. O rapaz aguardou pacientemente. Enquanto eu pagava, a vendedora foi pegar uma mercadoria para outra pessoa. O rapaz moveu-se ao longo do balcão e acabou topando com a vendedora (que tinha uma caixa nas mãos). As coisas se espalharam pelo chão e a vendedora esbravejou: “Você é cego?”. Ele respondeu: Sou. E você, é surda?
Que triste, Arnobio!
Bjs
Arnobio e meus amigos, acredito que no dia que vocês não se constrangerem com uma cena como estas teremos em fim uma sociedade inclusiva.. Há quase quinze anos convivo com pessoas com deficiência e boa parte dos meus amigos aqui em SP são cegos, amputados, cadeirantes , paralisados cerebrais, surdos etc… Não tenho constrangimento algum de estar com eles em qualquer LUGAR. Ao encontrar uma pessoa com deficiência não se constranjam em conversar, matar a curiosidade etc.. Afinal eles simplesmente pessoas como qualquer um de nós
Arnobio, também me deu uma aflição ao ler seu texto. Às vezes, a vida que vale ser vivida passa por nós, sempre preocupados com as “grandes” questões do mundo, e acabamos “comendo barriga”. Embora não atirado como a Salete, creio que procuraria ajudá-las, a moça e a atendente.