“Hic situs est Phaethon, currus auriga paterni
Quem si non tenuit, magnis tamen excidit ausis”
(Aqui repousa Faetonte, o condutor audaz do carro paterno,
ao qual se não pôde guiar, ao menos pereceu em gesta gloriosa)
Volto aos mitos gregos, depois de alguns meses sem tratar do tema aqui no blog, não que me afaste, um dia sequer, do mundo antigo, apenas as prioridades e os acontecimentos do dia a dia, não me permitiam voltar ao tema. Escolhi, não por mero acaso, o mito de Faetonte,um dos mais significativos, pretendemos descrevê-lo com a sempre ajuda do mestre Junito de Souza Brandão. Seguindo o caminho proposto por ele na sua obra Mitologia Grega, em três volumes, que é sempre uma fonte de consulta nossa.
Meu primeiro contato com o mito de Faetonte foi na Divina Comédia, uma nota explicativa rápida sobre ele, filho de Hélio, mas sem mais detalhes. Tempos depois, ao ler As Metamorfose, de Ovídio, o mito se descortinou, toda sua imensa tragédia e ensinamentos, o que tornou mais claro. Desde então pensava em escrever sobre ele, precisava de um momento para melhor recolher a história, que passo a contar agora.
Faetonte é filho do Deus Hélio, o Sol, mito que foi assimilado por Apolo, numa junção de mitologema mais complexo que vai absorver deuses “menores”, já aqui tratado no artigo Apolo – O Exegeta Nacional. Hélio, na descrição de Junito, é
“representado como um jovem de grande beleza com a cabeça cercada de raios, percorria o céu num carro de fogo ou numa taça gigantesca […] de incrível velocidade, tirada por quatro cavalos: Pírois, Eóo, Éton e Flégon, isto é, fogo, luz, chama e brilho. Cada manhã, precedido pelo carro da Aurora, avançava impetuosamente, derramando a luz sobre o mundo dos vivos. Chegava, à tarde, ao Oceano, ao “poente”, onde banhava seus fatigados corcéis. Repousava num palácio de ouro e, pela manhã, após ter-se purificado no bojo do mar, recomeçava pelo “oriente” seu trajeto diário”. O que para Jung significa este trajeto e luta para voltar que “Todas as manhãs um herói-deus nasce do mar; conduz o carro do sol. No ocidente, a grande mãe o aguarda e o herói-deus é por ela devorado, ao cair da noite. No ventre de um dragão, ele atravessa as profundezas do mar da meia-noite. Após terrível combate com a serpente da noite, ele renasce, novamente, na aurora”.
Da união de Hélio com a mortal Clímene nascem as ninfas Helíades (Mérope, Hélie, Febe, Etéria, Dioxipe ou Lapécia) e Faetonte, do grego Phaeinós, Brilhante derivado de luz, brilhar ou faiscar. Faetonte foi criado pela mãe, longe do convívio do pai, sem jamais saber sua origem, o herói se torna um jovem forte e determinado, então sua mãe revela sua origem divina. Os amigos, porém, desdenham da história, o que lhe deixa muito triste e amargurado. Então, decide ir visitar o pai, no seu magnífico palácio, num caminho cheio de perigos e aventuras, um claro rito iniciático.
O palácio de hélio era realmente fulgurante: brilhava o ouro, cintilava o marfim, reluziam as portas de prata. segundo Edith Hamilton
“Por dentro e por fora tudo dardejava luz, resplandecia e tremeluzia. Era sempre meio-dia; a meia luz sombria nunca turvava a claridade; a escuridão e a noite eram desconhecidas. Muito poucos mortais poderiam resistir durante algum tempo àquele brilho imutável de luz, mas também apenas poucos teriam conseguido descobrir o caminho que levava até lá”. A espetacular descrição é particularmente intensa e envolve exatamente o conceito de luz, num sentido mais amplo e psíquico.
Diante do pai, o deus Hélio, Faetonte responde a pergunta sobre o que ali fazia, dizendo que desejava ter certeza quem era seu pai, se era verdade ou fantasia de sua mãe. O pai lhe abraça e confirma sua paternidade, como prova podia pedir o que bem desejava, jurando pelo Estige, o rio do Hades, quem cumpria a promessa. O jovem, não titubeia, pede que ele possa dirigir por um dia a carruagem do seu pai. Percebendo o grande erro do juramento, mas sem poder retirar o prometido, tenta demover o rapaz do terrível equívoco, contado-lhe dos perigos que é guiar a carruagem, na bela passagem descrita por Junito”:
“Perigoso é teu desejo. Pedes algo imenso, muito superior às tuas forças, uma carga pesada em demasia para teus tenros anos. Tu és mortal e imortal é aquilo a que aspiras. Desejas o que ainda não foi concedido aos deuses! O próprio senhor do Olimpo, que lança os raios com sua destra, jamais rolou pelos céus a taça do Sol!” De saída, filho, a estrada aérea é tão árdua e íngreme, que os próprios cavalos, frescos, da noite, com grande dificuldade a escalam. A meio do percurso, a altitude é tanta, que o mar e as terras, quando de lá os contemplo, me assustam e o coração se me aperta no peito. E a descida é tão precipitada, e é preciso tão grande firmeza, que lá embaixo, nas ondas, a tremer, Tétis me espera. E pensas que lá em cima encontrarás bosques, cidades de imortais e ricos templos? Viaja-se através de perigos e de monstros. Terás que passar pelo cornígero Touro, pelo arco tessálio do Sagitário, pelas garras do fero Leão, pelas tesouras do Escorpião e pelos curvos braços de Câncer. Nem penses ser fácil governar meus indômitos corcéis, que lançam chamas pela boca e pelas ventas.”
Irredutível e ambicionando o grande feito, Faetonte, ignora o perigo e vai em frente no seu funesto intento, mesmo ouvindo os conselhos desesperados do pai: “Hélio arrancou do coração alguns conselhos: não uses chicote, meu filho. Controla os animais na rédea, com toda a firmeza de que fores capaz: por si mesmos são ágeis e frenéticos. Ungiu o rosto do filho com um ungüento sagrado, para que as chamas não o crestassem, e colocou-lhe na fronte a coroa radiosa. Era o momento da última advertência: não corras rasteiro à terra, nem levantes vôo até o céu. Caso contrário, incendiarás o planeta ou abrasarás o céu. Voa no meio e correrás seguro!”
O jovem herói subir na taça/carruagem toma às rédeas e se lança ao surgir a aurora de dedos róseos, os indomáveis cavalos percebem um peso leve e desenfreadamente partem em mais alta velocidade, ferindo a relva e o ar. Sobre a taça um impotente Faetonte percebe seu grave erro, mas já era tarde, descontrolados, os cavalos, vão à esquerda e à direita, sobem altíssimo, cortando as estrelas sem dó. Zeus, avisado do que acontecia e temendo pelo equilíbrio do universo, lança um potente raio destruindo o cortejo, os pedaços vão caindo pela terra, a carruagem com o corpo em chamas de faetonte caiu no Erídano, um rio, que logo seca. Os que sobrou dele é enterrado pela náiades da Hespéria, com uma dedicatória:
“Hic situs est Phaethon, currus auriga paterni
Quem si non tenuit, magnis tamen excidit ausis”
(Aqui repousa Faetonte, o condutor audaz do carro paterno,
ao qual se não pôde guiar, ao menos pereceu em gesta gloriosa)
Suas irmãs, as Helíades, de tanto chorar no local da morte/enterro do irmão foram metamorfoseadas em choupos. consoante Junito, um jovem rei da Ligúria, amigo de Faetonte foi chorar no local e
“encheu de lamentações e gemidos as margens verdejantes, as correntes e as florestas que circundavam o Erídano. Aos poucos, no entanto, se lhe adelgaçou a voz, seus cabelos converteram-se em alvas penas e o corpo todo se emplumou. Ei-lo agora uma ave. Chamou-se a si mesmo cisne. Temeroso dos raios de Zeus, seu vôo não alcança as alturas do céu. Prefere a branda fresquidão dos vastos lagos, a água que afoga e extingue os coriscos divinos”.
A trágica morte, assim como todo o significado do mitologema de Faetonte, será objeto de um novo post, que em breve publicaremos.
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