237: Crise 2.0: Alternativas ao Neoliberalismo?

 

 

As clássicas receitas do FMI

 

A nossa série sobre a Crise 2.0 serve também para derrubar alguns mitos importantes, em particular a forma de combater a própria crise. Lemos o receituário que a Troika (BCE, FMI e Comissão Europeia) impõe aos países falidos como Portugal, Espanha, Itália e Grécia, e percebemos que são os mesmos aplicados a qualquer país do mundo, desde meados dos anos 80. É uma cópia à mão para combate a qualquer crise, em qualquer país, em qualquer momento.

Lembro-me dos modelos de “exportação” de revolução dos antigos Partidos Comunistas Stalinistas: eles simulavam algo parecido com a antiga Rússia, adaptavam algumas características e aí… davam com os burros n’água. É exatamente isto que ocorre com o receituário neoliberal; serve do Brasil ao Japão, da Coreia do Sul à Itália, tudo como se fosse uma coisa só. Pior ainda, os países mais necessitados aceitam a via, como se só ela existisse. Em síntese, as medidas são:

1) Privatizações amplas e irrestritas;

2) Diminuição do Estado;

3) Aperto fiscal;

4) Remodelagem dos sistemas de aposentadorias;

5) Desindustrialização;

6) Flexibilização dos contratos de trabalho;

Até algumas burguesias locais se insurgem contra este modelo, pois efetivamente não existe uma única garantia de que funcione, mas, mesmo assim, ele é imposto. Quando aplicado, o primeiro fator que se destrói é a soberania do país; o segundo, a democracia – mesmo a burguesa fica em xeque. Porém, observando bem de perto esta crise, afirmo, há outros caminhos, mas estes não são dados a qualquer país.

 

As Alternativas aos Planos Neoliberais

 

1. Brasil

 

Alguns exemplos de que é possível resistir e até assumir outro programa foram dados pelo Brasil em 2008. Ao contrário do que pregava, Lula abriu a caixa de ferramenta estatal e gastou com gosto para que o Brasil não entrasse em crise. Foi ousado e enfrentou com êxito aquele momento. A política de aperto fiscal foi abrandada, todos os instrumentos do Estado foram usados – bancos estatais, políticas de redução de arrecadação – sem medo. Ofensiva na construção de obras públicas e manutenção dos programas sociais.

Recentemente em Davos, o Brasil, ou seu modo de combate à crise, foi visto como alternativa aos planos e receituários tão batidos dos neoliberais. Óbvio que ainda não há consenso de que os instrumentos que o Brasil usou em 2008 sejam a saída, mas também é evidente que é um caminho sólido e alternativo. Obras públicas, apostar no mercado interno, em crescer a renda e no emprego.

Silenciosamente, os EUA partiram pelo mesmo caminho. Escrevi recentemente que eles são a vanguarda  (Crise 2.0: EUA na vanguarda) na saída da crise porque entendo que o Brasil não entrou nela – foi afetado, mas não teve a queda abrupta de tantos outros, tão comum aqui na época de FHC, que quebrou três vezes, em três crises de menor tamanho.

 

 

2. EUA

 

Mas voltemos aos EUA. O que eles fizeram desde 2008, quando estourou definitivamente a crise, com a quebra dos bancos?

1) Estatizaram quase todo o sistema bancário;

2) Estatizaram grandes empresas que estavam falidas (GM, por exemplo);

3) Desvalorizaram a moeda;

4) Relação PIB x dívida saltou de 87% para 99%;

5) Déficit público saltou de 4,5% para 8,5%;

6) Obras públicas e incentivo à construção civil;

7) Contratação de servidores públicos;

Alguém aqui consegue ver neste conjunto de medidas qualquer uma que lembre o que o FMI impõe aos países em crise? Até grandes economias como Itália e Espanha são submetidas aos ”ajustes” da Troika. Outro ajuste é possível, grande parte dele passa por novas funções do Estado. Nos EUA, o condutor destas políticas tem sido o FED, aqui no Brasil é o BNDES.

Mais ainda, Obama enviou hoje novo pacote ao congresso com dois objetivos: ”blindar a economia americana de uma nova recessão no curto prazo e abrir caminho para a gradual redução do déficit público. No coração do projeto estão o aumento dos gastos do governo, com a realização de mais obras públicas, e aumentos de impostos para grandes fortunas e corporações”. (Estadão, 13/2/2012)

Diz ainda a reportagem do Estadão:

“A proposta da Casa Branca prevê que o déficit orçamentário dos Estados Unidos deverá ficar em US$ 1,3 trilhão para o ano fiscal de 2012, que se encerra em outubro – este será o quarto ano consecutivo que o saldo negativo das contas do país ultrapassam a marca de US$ 1 trilhão. As medidas, porém, prometem garantir que o déficit seja reduzido a US$ 901 bilhões a partir de 2013.

Caso essa retração venha a se confirmar, o déficit será reduzido de 8,5% para 5,5% do Produto Interno Bruto (PIB) de um ano para o outro.

No longo prazo, segundo o chefe de gabinete de Barack Obama, Jacob Lew, o objetivo é cortar US$ 4 trilhões do déficit americano ao longo dos próximos dez anos. A nova proposta inclui ainda um compromisso de que, para cada US$ 1 a mais cobrado em impostos, a administração Obama reduzirá o déficit americano no equivalente a US$ 2,50. “No longo prazo, conseguiremos controlar o déficit”, afirma Lew.

A Casa Branca disse que o déficit de financiamento cairá para 2,8% do PIB até 2018, abaixo da taxa de 3% sobre o PIB que as agências de classificação e investidores veem como meta para estabilizar o crescimento da dívida nacional”.

 

 

Europa : A doutrina da Troika

 


Agora fica claro que outro plano é possível, q
ue o esforço de fazer a economia voltar a funcionar é mais importante do que sacrificar ainda mais os trabalhadores e a população. O Japão já trabalha com enormes déficits e alta dívida, mas persiste em outro caminho.

Diante da explosão na Grécia, um estrategista do CommerzBank (segundo maior banco alemão) disse:

“Considerando a explosiva situação na Grécia, pode não ser uma surpresa se os contrários às reformas assumirem o controle do país em abril. Nesse caso, tudo começaria novamente, já que cada parcela do pacote de resgate tem de ser liberada individualmente.” (Lutz Kapowitz).

George Soros, que já havia entrado em polêmica com Merkel em Davos, hoje voltou à carga em entrevista publicada na revista alemã “Der Spiegel”:

“O multimilionário americano Georges Soros considera que Angela Merkel tem conduzido a Europa na direção errada. O investidor admite admirar a chanceler, mas diz que a forma como está a tentar resolver a crise do euro não vai dar bons resultados. (…)

A conjuntura nos países em crise deve ser incentivada através de injeções financeiras, e não obrigando os Governos a impor medidas de poupança. Desta forma repete-se o erro cometido nos Estados Unidos em 1929 que levou o país à Grande Depressão.

O multimilionário rejeita a intervenção do FMI para resolver a crise na Europa, até porque a crise se deve aos erros cometidos pelos políticos europeus.

Segundo George Soros foi um erro conceder empréstimos à Grécia só a troco de elevados juros. É por isso que o país não tem salvação, diz ainda na conversa com Der Spiegel”. (Der Spiegel via TSF, 13/2/2012)

Os mais “lúcidos” agentes do grande capital farejam que a coisa na Europa vai mal. Soros não se exporia de forma tão direta. Na sexta o Departamento de Estado dos EUA se disse preocupado com os desdobramentos da crise grega, que se espalhe aos demais países.

Mesmo os planos alternativos ao receituário do FMI contêm parte dele; não poderia ser diferente – afinal, a doutrina não foi completamente derrotada, mais ainda, não há alternativas concretas de poder e de utopia ao capitalismo, então o que se gestam são novas conformações políticas e novas arenas de disputa entre Capital x Trabalho, sem que este último seja tão aviltado.

 

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Author: admin

Nascido em Bela Cruz (Ceará - Brasil), moro em São Paulo (São Paulo - Brasil) e Brasília (DF - Brasil) Advogado e Técnico em Telecomunicações. Autor do Livro - Crise 2.0: A Taxa de Lucro Reloaded.

0 thoughts on “237: Crise 2.0: Alternativas ao Neoliberalismo?

  1. As populações europeias têm que se levantar contra isso. E o Parlamento Europeu tem que banir o FMI e botar o BCE em seu lugar de mero contador. Em resumo, um sonoro VTNC.

  2. Valeria a pena também examinar a alternativa argentina de Kirchner que, para horror dos neoliberais, declarou moratória da dívida, enfrentando dois anos de recessão antes de retomar o crescimento da economia.

  3. Seus textos da Crise 2.0 me remetem a um livro de 1995, que li em algum lugar do passado e que vira e mexe releio.

    Tenho esse trecho em minhas anotações:

    “Quando os pobres se transformam em indigentes e os ricos em magnata, sucumbem a liberdade e a democracia, e a própria condição do cidadão (verdadeiro fundamento sobre o qual se apóia a democracia) se deteriora irreparavelmente. A liberdade não pode sobreviver onde o cidadão indigente está disposto a vendê-la por um prato de lentilhas, e um outro disponha da riqueza suficiente para comprá-la a seu bel-prazer.” (A Sociedade Civil depois do Dilúvio Neoliberal – Atílio Borón em Pós-neoliberalismo – As Políticas Sociais e o Estado Democrático – Ed. Paz e Terra)

    Alternativa? A que não desconsidere a justiça social, o meio ambiente, o futuro.

    []s

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