por ali meus queixumes esparzidos
por cavernas e penhas não ecoem
para o mundo os terríveis meus segredos;
(D. Quixote – Miguel de Cervantes)
Por muito anos acreditei que poderia fazer grandes coisas na vida, uma (sem) noção de que tinha uma missão, uma certeza de que alguns sinais de algo incomum carregava em mim, talvez ter contato com as letras e a leitura muito cedo, trouxe em mim, uma iluminação fantástica, uma centelha de que realizaria grandes coisas.
Ainda que tenha nascido e morasse num lugar cujos limites eram tão pequenos e o horizonte quase não existia, não obstante, os livros me trouzeran notícias do mundo lá fora, combinado com as ricas estórias de trancoso do velho seu João Tomé, um Aedo, sob a luz do lampião e o cheiro de rapé, me fizeram viajar para mundos que nem tinha ideia. As cenas do mundo se abriram com aquele globo da casa da tia Tetê, a biblioteca dela e a da minha casa, com Jorge Amado, Érico Veríssimo, Machado de Assis, as traduções/adaptação de clássicos por Cony.
A primeira grande virada foi a ida para capital, sair de um lugar de 5 mil, para 600 mil, a dura vida e batalhas dos meus pais, tornaram-me responsável aos 11, 12 anos, uma espécie de consciência de que poderia fazer mais coisas do que a realidade se apresentava. Professor Roberto Falcão, perseguido pela Ditadura, que nem entendia direito, jogou luzes sobre o mundo exterior e o incentivo para ler, mais sistematicamente.
Meio que por acaso a Escola Técnica Federal do Ceará surgiu na minha e mudou definitivamente minha vida, a maior mudança foi despertar a capacidade de liderar, o fim da Ditadura, aquela liberdade, os jovens de periferia (como eu), se misturando com outros (as) vinda de classe média, naquela época radicalizada contra a repressão, nos fundimos e criamos uma linda história de lutas, confrontos políticos e ideológicos, o desejo de conhecer, minhas características de bom leitor, de escrever e bom observador, foram fundamentais para que me sobressaísse, com aquela cara, carne e osso.
A vida partidária no Coletivo Gregório Bezerra trouxe mais necessidade de leituras, conhecimento, vontade de saber mais, os clássicos de esquerda, nós, “ratos de livros”, como nos tachavam, era mais estímulo para mim.
A vinda para São Paulo coincide com a queda de Muro, a derrota de Lula, o mundo caiu, o partido se rompe, tive que percorrer outros caminhos para sobreviver, carreira profissional, casamento, filhas, a literatura foi meu fio condutor, que não me deixou sucumbir, que foi fundamental nos momentos em que não havia solução para uma rotina de software, ela, a literatura, foi o meu fio de Ariadne, rendeu prestígio e respeito.
De todas as viagens da minha tola vida, a melhor é a da consciência, dos meus limites, não serei sombra do que sonhei, no entanto, fiz coisas e participei de enredos que jamais pensava, a síntese é que vivi, vivo e sobrevivo, com minhas microtragédias e a sensação de que vale a pena ainda seguir, com as contradições, dores e cores.
A narrativa, a minha, no momento em que se fragmenta a lógica, destrói-se os valores humanos, solidários, coletivos, a individualidade supera tudo, atomiza, separa e nos divide. Nada se sustenta, uma espécie de ocaso da humanidade, ou do que concebemos como tal, o que sobraria de nós?
Talvez nossas trajetória, nunca lineares, mas com alguma coerência, com algum valor que nos dignifique no nosso micro mundo, não tem dimensão total, nem é apenas uma justificação pessoal.
É a vida!