O Dramático Fim
Tudo na morte de Letícia é, ou foi impreciso, inclusive a data em que partiu, o verdadeiro calvário, pelo que ela passou, começou na sexta dia 16.11.2018, com uma (in) decisão entre a direção do Samaritano e a equipe médica do incerto transplante de medula a que seria submetida.
A única coisa certa é que ela passou a sofrer pesado na sexta pela manhã, com baixa saturação, devido a retenção de líquidos decorrente do remédio que ela estava usando no formato de uma máquina ligada via soro, no cateter que tinha sido colocado na terça. Esse remédio seria para evitar sessões de quimioterapias para ZERAR a medula doente, possibilitando o transplante, mais ou menos 28 dias depois, que seria o tempo de infusão.
A coisa deu ruim na sexta, por longas horas houve esse embate entre as equipes, só resolvido na madrugada de sábado, a noite mais longa minha vida, acreditem. Um pouco antes de ser transferida para UTI, Letícia estava diarreia continua, ao chegar na UTI foi um pesadelo, ela pedindo água, o que era negado, pois até meio dia seria implantado um segundo cateter, para permitir a hemodiálise, com a finalidade “secar” a quantidade líquido retido, que atingiu o pulmão e a impedia de respirar normalmente.
Quando cheguei ao quarto de UTI, Letícia estava tensa e transtornada, discutira com a enfermeira e a médica, pois pedia água desesperadamente, e elas negavam, nem que fosse apenas para molhar os lábios. O processo de diarreia se acentuou e o atendimento foi desumano, não a atendiam para assepsia, o que passei a fazer até sábado perto das 11 da manhã, quando foi transferida ao centro cirúrgico, Entre 2:30 da manhã e 11:15 foram horas de tortura, indignada e péssimo atendimento. A humilhação que ela e passamos ainda dói até hoje, a médica e a enfermeira não mais nos atendiam, minha função era acalmá-la.
Um pouco antes dela ir ao centro cirúrgico avisei ao anestesista e a médica da UTI de a Letícia tinha tido ânsia de vômito, infelizmente, ninguém deu atenção, ao ir ao centro cirúrgico ela disse suas últimas palavras: Pai promete que vai me dar água ao voltar de lá?
A promessa que não cumpri, pois durante o procedimento de indução da anestesia, ela vomitou forte, bronco aspirou, pois estava de máscara, ficou mais de 40 minutos com saturação em 30%, o que provavelmente a matou ali. O procedimento que seria de 1 hora, demorou duas horas e meia, ao trazerem de volta ao quarto, 14:00, nitidamente ela estava “morta”, ela não estava ali, ganharam tempo de um dia para montar uma narrativa sobre o “acidente” que a matou.
No domingo, dia 18.11.2018, às 13:41, depois de uma parada cardiorrespiratório, ela veio a óbito, Boa parte da minha vida, foi-se com ela. Pior, nunca tivemos uma resposta satisfatória sobre os prováveis erros médicos, o que efetivamente aconteceu, fiz várias reunões com o Samaritano, e foi apenas sofrimento, revitimização minha, de Mara e Luana, nunca quiseram nos dizer diretamente onde houve o erro, o tal “acidente”, nem tiveram dignidade em nos amparar, saber se precisamos de alguma coisa, nos acolher, nada, foram 5 anos de desrespeito talvez movido pelo medo de um processo judicial, algo do tipo, como se isso a trouxesse de volta, ou mesmo amenizasse o sofrimento de todos nós, nesse 5 anos.
É essa a história.
Os Desconfortos das tentativas de conforto
Nesse 5 anos algumas coisas são repetidas à exaustão, ouço quase todos os dias, ou quando voltam ao tema, próximos de mim: 1. O tempo cura; 2. Deus sabe o que faz; 3. A vida vai lhe dar outras alegrias.
Bem, o tempo não cura. Ao contrário, piora, à medida que passa vamos tendo a terrível sensação de que ela está sumindo, as fotos vão envelhecendo, a voz dela vamos esquecendo, é desesperador, pelo menos para mim, não ter certeza de que uma história nossa, pode ser apenas minha imaginação, não aconteceu assim, ou tem outra narrativa. Não há cura, reflitam, apenas uma ilusão vã, um conforto que não diz nada, na boa, evite dizer isso para alguém em situação similar, ofende e machuca.
Deus, para quem acredita, não é o meu caso, respeito a fé alheia, as crenças e crendices. Com todo cuidado, não apenas pela minha convicção, mas pense bem, não há um “saber”, ao retirar do convívio uma pessoa tão linda, amada, guarde para si essa certeza, não vai sensibilizar, muito menos serve de conforto, não há chance de convencimento, nem naqueles primeiros dias, quanto mais agora, nossas vidas serão sempre feitas, enquanto estivemos aqui, com não entendimento e “aceitação” dessa crueldade, poderia ter sido comigo, seria mais justo e certo.
A vida pode trazer alegrias, por óbvio, mas não subestimam nossas dores, não por teimosia, por arrogância, ou por vaidade, é apenas como sentimos, vivemos, procurando olhar para frente, esquecer alguns minutos, o que é bem difícil, no meio disso tudo, existimos, sabe-se lá como, por tantas coisas passamos em 5 anos. Não desistimos de nós mesmos, do amor que no une à ela, mas a felicidade não será completa, falta-nos um pedaço, um membro cortado dos nossos corpos.
Letícia, a alegria, nos foi tirada, ou não, isso agora não faz diferença, todas as nossas mazelas estão se ajustando ao tempo, porque ainda estamos aqui, fazendo o que for possível para viver com dignidade, ética, amor, companheirismo, cumprir o que ela nos ensinou ao deixar no diário quando lhe perguntaram qual a missão dela, ela respondeu: Fazer as pessoas felizes. Ela amava viver, muito, mesmo, e se foi tão cedo.
Ela nos fez, nos faz. felizes, obrigado filha.
Que saudade terrível!