Há um senso comum sobre o Japão que é quase mitológico, escrevi 30 crônicas sobre como vi de perto talvez um país diferente, um olhar crítico e que pode ajudar a entender um pouco da cultura e do funcionamento do país, seus encantos, fortalezas, qualidades, um povo obstinado, que se reconstruiu depois de duas bombas nucleares, mas também, o Japão, tem um lado sombrio, autoritário, mafioso, algumas vezes bizarro, não afeito à democracia, frio e calculista.
O acidente nuclear de Fukushima, 11 de março de 2011, lembro demais desse dia, tinha acabado de chegar no trabalho, vi pelo twitter, as mensagens comparando a “eficiência” japonesa, 8 mortos, diante de uma combinação de Terremoto e Tsunami, enquanto em Teresópolis, um mês antes, as chuvas e a incompetência brasileira tinha ceifado 1230 mortos.
Era esse o cenário.
Pela minha experiência de ter morado no Japão, trabalhado em empresas japonesas, fiz 11 tweets dando minha visão, no mesmo dia, em que apontei que tivéssemos calma em avaliar a tragédia, pois o governo japonês estava censurando os fatos, tinha cortado as comunicações internas e externas, proibido ligações de longa distância “para não atrapalhar as forças de emergências”, impôs toque de recolher nas principais cidades, para evitar pânico e distúrbios, ou fuga em massa nos aeroportos, os EUA comunicaram a evacuação dos seus cidadãos.
Ainda arrisquei a dizer ao final desse primeiro mês, quando as coisas se reestabelecessem ao “normal”, encontrariam entre 15 a 20 mil mortos, desaparecidos, que tentariam esconder o desastre nuclear por um bom tempo, pois é a energia fundamental do Japão e, por fim, que os culpados, empresas privadas e a agência reguladora sairiam impunes.
A minissérie no Netflix sobre o desastre nuclear de Fukushima, 12 anos depois, continua sem solução, há áreas isoladas, com mais 120 mil pessoas morando longe de suas casas, os escombros de Fukushima ainda assombram o Japão, o desastre, a licença forjada de funcionamento, a incompetência do projeto, incapaz de pensar que poderia ter um evento simultâneo, terremoto com tsunami, a redundância de energia auxiliar feita por cabos, que se romperam.
A minissérie traz uma história muito parecida com a de Chernobyl, HBO, que resenhei aqui (Chernobyl), o heroísmo daqueles homens e mulheres, quando o monstro criado saiu do controle, abnegados (as) pessoas que deram suas vidas para salvar seus países, traz um traço comum na formação, a sociedade autoritárias e suas hierarquias rígidas, produziram, contraditoriamente essa obediência cega e uma coragem incomum.
É uma reconstrução espetacular seguindo os relatos dramáticos do engenheiro-chefe, Masao Yoshida, que faleceu 2 anos e meio depois, vítima de câncer, claro, as ações, as tentativas e erros, uma solução provisória que salvou o Japão do desastre total, caso houvesse a explosão completa dos reatores, mas até hoje, a contaminação continua, as várias tentativas de por fim à usina, não obtiveram sucesso. Os dejetos da água contaminada sendo despejadas no mar, milhares que hectares de terra inabitáveis por pelo menos 200 anos.
O desastre contabiliza quase 20 mil mortos, mesmo o eficiente Japão, foi incapaz de domar a natureza ou evitar desastres tão graves.