Assisti ontem ao documentário “O Caso Figo” (NETFLIX). Mesmo conhecendo a história, à medida que avançava, foi dando um embrulho no estômago, uma sensação de nojo, de repúdio, de vergonha e uma certeza, aquela ida do Barcelona ao Real Madrid, mudou o futebol, uma nova ideologia tomou conta, o que era paixão, virou negócio e sobreveio o tal “profissionalismo”, ou seja, ultraliberalismo chegou mais cedo ao futebol.
Figo surgiu como grande promessa no tradicional clube português, o Sporting de Lisboa, ainda muito jovem ele já apresentava muita técnica, era um meia armador que chegava na área com facilidade e marcava muitos gols, um super craque em Portugal, que logo chamou atenção de grandes clubes, de ligas maiores que a liga portuguesa.
Uma confusão de seu empresário, no início de 1995, ele assinou 2 contratos com Parma e Juventus, da então maior liga de futebol, a italiana. Juventus, um dos clubes mais ricos do mundo e o Parma, que era força que crescia na Itália. Desse imbróglio, Figo, foi proibido de jogar na Itália por dois anos, como punição ao jogador e empresário.
Meses depois, Figo, em 1995, foi apresentado em Barcelona, no clube que tinha sido campeão europeu em 1993 e vice em 1994, tetracampeão espanhol, mas numa fase de transição, com a saída de craques marcantes como Romário, Stoichkov, ainda era dirigido pela lenda, Cruijff.
Figo foi o líder de uma nova era de domínio do Barcelona na Espanha, juntou-se a ele, primeiro Ronaldo, depois Giovanni e Rivaldo, além deles Pep Guardiola, o espírito catalão do time. Figo era o jogador mais amado pelos torcedores e pela enorme identidade do Barcelona com a Catalunha, que ele acabou por virar símbolo.
O Real Madri pela mesma época, depois de 36 anos, voltou a vencer a Liga dos campeões, e repetiu, dois anos depois. A rivalidade entre Barcelona e Real, Catalunha e Espanha, estava no auge. Mesmo com dois títulos europeus, oito no total, na fazia do Real Madri do clube que atraía paixões, era justamente o Barcelona, parte pelo estilo, pelos brasileiros, por Cruijff e, claro, por Figo, encantavam o mundo.
O mega-empresário da construção civil, Florentino Perez, resolve se candidatar à presidência do Real Madri e queria transformar o clube no maior de todos os tempos, não apenas pelos títulos, mas pelas estrelas, os galácticos, um clube-espetáculo, não importando o quanto custasse, não haveria limites econômicos para tal plano.
Na campanha, Perez, prometeu a contratação do maior craque do Barcelona, aquele português que tinha virado símbolo do clube e da Catalunha, algo absolutamente impossível, aparentemente. Dinheiro, muito dinheiro, foi a sedução maior e é dita sem meias palavras, milhões de Euros, dois empresários ambiciosos e dispostos a tudo, José Veiga e o ex-jogador português, Paulo Futre.
É fato que o histórico do Barcelona de contratar grandes jogadores, mas incapaz de mantê-los, sempre por problemas e descontentamento entre jogador, empresários e os dirigentes, a lista é enorme, Maradona, Schuster, Laudrup, Romário, Stoichkov, Haji, Ronaldo. A questão de contratos e valorização era secundada, muitas vezes os dirigentes achavam que esses jogadores criavam raízes e a sedução de jogar em Barcelona, os valores do clube, da cidade e da Catalunha, se sobrepunham aos ricos salários.
O Caso Figo mudou drasticamente essa realidade.
Figo, aparentemente, criara as raízes naquele ambiente Barcelona, nada o faria sair, muito menos ir ao Real Madri, era impensável, para os mais jovens, é imagina que Messi jogaria no Real, o que não aconteceu, mas Figo foi, “traiu” os seus (?), aceitou vestir a camisa do maior adversário, num momento dos mais tensos da história entre eles, os movimentos de separação da Catalunha, o poder e peso de Madrid, é como se dobrasse mais uma vez a região.
A ida de Figo ao Real não significou a simples transferência de um jogador para outro clube rival, que já causaria um trauma enorme, foi mais fundo, mexeu com valores da sociedade, das disputas políticas e ideológicas.
A lógica usada por Florentino Perez foi radical, usar o seu poder econômico para dirigir um ícone futebolista mundial com uma visão de que é uma máquina de fazer dinheiro. Obviamente essa máquina não apenas para o clube, mas para seus próprios negócios, uma coisa alavancava a outra, as cifras de milhões se transformaram em bilhões, não dando espaço mais para paixões, amor e identidade.
Figo fala, rir, argumenta, constrangido, durante todo o documentário, não consegue expressar felicidade, longe disso, ele conta sua verdade tortuosa, os seus milhões parecem não ter comprado a felicidade, tem 50 anos, mas parece assombrado com o que fez 22 anos atrás, não digeriu bem, foi líder, venceu títulos pelo clube e de melhor do mundo, foi profissional e craque, mas não se percebe que é VENCEDOR.
Ao contrário, não demonstra força, sabe que ficou algo mau resolvido no passado e que os milhões não conseguiram resolver.
https://www.youtube.com/watch?v=7NLwrJWabds