1991: A Tragédia de Macbeth

Macbeth de Joel Coen, com Denzel e Frances.

“Se isso é para ser feito, então bem feito
Será se feito o quanto antes” (Macbeth – W. Sakespeare)

Macbeth é uma obra grandiosa e aterradora, impossível ficar impassível ao ler, ao ver no teatro e nas várias versões filmadas. A última versão que vi, do consagrado diretor, Joel Coen, com a estupenda Frances McDormand e o espetacular, Denzel Washington (já for ator shakespeariano em Muito Barulho por Nada), feita para Apple TV+, o serviço de streaming da Apple.

É sombria, a alma humana desnudada. A luxúria vem do prazer de matar/morrer, ou de tramar mortes, tudo isso feito por uma ambição desmedida iniciada pela visão das terríveis bruxas da charneca, que predizem o futuro ou o despertar de uma cadeia sinistra de acontecimentos.

A ambição, aquilo que produz em Macbeth e Banquo, companheiros de armas, tem na Lady Macbeth a determinação de cumprir aquela visão terrível, sem aceitar vacilações do companheiro, o conhecimento íntimo e intenso sobre o caráter de Macbeth é descrito com assertividade:

e serás ainda
Aquilo que te foi prometido; mas temo tua natureza,
Que é tão cheia do leite da bondade humana56
Para perceber o caminho mais curto. Tu serás grande,
Ambição não te falta, mas não possuis
A maldade que a deveria auxiliar. A grandeza que aspiras
Gostarias de obtê-la com lisura; não trapacearias,
Mas aceitarias vencer um jogo sujo.

Lady Macbeth é o vetor principal da mudança de Macbeth, a sua fortaleza e decisão de cumprir a promessa, conhecendo o espírito do marido, passa a ação, a oportunidade lhe chega e ela não vacila, insufla para que Macbeth, se torne o executor de seu destino traçado pelas bruxas.

MACBETH: Não prossigamos nesse conluio.
Ele acabou de honrar-me e sou merecedor
Do áureo respeito de todos,
O qual tem de ser ostentado enquanto brilha
E não ser abandonado tão cedo.
LADY MACBETH: Estava bêbada
A esperança que antes te revestia? Ela adormeceu?
E ao acordar agora já te parece tão verde e pálido
O que antes fazia tão livremente? De agora em diante,
É assim que também considero o teu amor. Temes
Ser o mesmo em teus atos e coragem,
Como eras em desejos? Queres ter
Aquilo que estimas como o ornamento da vida
Ou viver como um covarde na tua própria estima,
Deixando o ‘eu posso’ sobrepujar-se ao ‘eu ouso’,
Como o pobre gato do adágio?

O gato deseja o peixe, mas não quer molhar as patas. A resoluta Lady Macbeth enche de coragem o vacilante Macbeth, depois disso ele se sente para sempre na escuridão. Com o famoso “não durmo mais”:

MACBETH: Mas por que não pude pronunciar ‘Amém’?
Necessitava tanto de uma benção e o ‘Amém’
Ficou parado na garganta.
LADY MACBETH: Tais coisas não podem ser pensadas
Dessa maneira. Isso nos levará à loucura.
MACBETH: Pensei ouvir uma voz a gritar: ‘Não durma mais!
Macbeth matou o sono!’, o sono inocente,
Sono que deslinda a tessitura das preocupações,
Morte de cada dia vivido, banho das chagas da labuta,
Bálsamo da alma dolente, prato principal da natureza,
Alimento maior na festa da vida.
LADY MACBETH: O que você quer dizer com isso?
MACBETH: Ainda gritava: ‘Não durma mais!’, por toda a casa,
‘Glamis matou o sono! E, mesmo sendo Cawdor,
Não dormirá mais: Macbeth não dormirá mais.’

A maior das tragédias, o trono de sangue é uma reflexão não apenas sobre a ambição e a luta pelo poder, mas a consciência do feito, a dor de uma expiação que não acontecerá jamais.

A obra de Joel Coen é um quase teatro, o preto em branco, o formato 4:3, as encenação profunda, os trechos recolhidos do livro, dão uma dimensão da tragédia para um público não habitual de Shakespeare, numa plataforma de streaming e que é a atração maior há um mês, uma aposta alta, com atrizes (Lady Macbeth e a Bruxa (em três)) e atores, dando profundidade aos personagens e à tragédia.

Além da ousadia de usar um ator negro para um personagem “escocês”, atores e atrizes experientes, em plena maturidade, sem apelo para “juventude” ou outros truques para atrair grande público, claro que Denzel e Frances, são atrações por si só, e são grandiosos, muito além de Hollywood.

Grande versão, imperdível.

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Author: admin

Nascido em Bela Cruz (Ceará - Brasil), moro em São Paulo (São Paulo - Brasil) e Brasília (DF - Brasil) Advogado e Técnico em Telecomunicações. Autor do Livro - Crise 2.0: A Taxa de Lucro Reloaded.

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