“o que se tem é tudo que se precisa” (Pensamento Zen)
O mito de Orfeu (muitas vezes recorrente nesse blog) é uma mensagem clara, um alerta fundamental para todos: Não olhe para trás, ou também pode ser, não viva a vida olhando pelo retrovisor. O herói perde sua amada, Eurídice , que ele tinha descido ao Hades para resgatá-la. A bíblia o repete com Lott, que perde sua esposa, quando ela olha para trás.
Talvez essa seja a grande questão que a humanidade super conectada, com seu oráculo, o Google, irá enfrentar em breve, como seguir em frente, pois os computadores, os smartphones, a internet, não darão respostas aos anseios e aflições causadas pelo pânico. A resposta virá dos arquétipos, das vivências primitivas, da busca interior, do resgate do que humano.
O corte entre os dramas e aflições pessoais e as questões gerais, numa luta de vida e morte, sem que se possa dominar o destino, os nossos e dos demais, nem mesmo olhar com algum otimismo de que haverá luzes à frente, paralisa.
Assim, se segue numa dura luta interna, para vencer a paralisia, a estátua de sal, e que impulsione e lute com mais força, parece que nada se ajusta, agora, que não se enxerga o Norte.
Superar o trauma é olhar para frente, curtir mais a vida, pois ela é breve, com ou sem pandemia, 90% dos dias, perde-se o tempo com bobagens, questões que são absolutamente secundárias e esquece-se o principal: amar,ser felizes, que só se apercebe disto quando estamos nos extremos de nossa existência, ou passamos por situações limites, nossas ou de nossos entes mais amados – pais, filhos e amigos.
Pensem nisto, toda vez que entremos em bola dividida, só se realmente esta valer um gol, aquele que nos redime e nos fará mais felizes.
Agora, as reflexões que fazemos, os nossos pesares, as dores que vivenciamos, o duro reconstruir e como nos readaptaremos a cada situação, para manter fé na vida, nas pessoas e de que o dia de amanhã será melhor, não é simples, estas marcas estarão na nossa pele, nos envelhece, nos fará mais contidos, mais reticentes.
Muitos valores tolos, se foram, o que é bom, mas o frescor de sonhos de uma primavera, já não é o mesmo. Uma nova jornada se iniciará, é preciso acreditar.
O tempo nos cura, ainda não sabemos se completamente, mas a sentença será sempre a mesma, com seu sentido psicológico e filosófico: Não olhe para trás.
https://www.youtube.com/watch?v=sbncpcsAi1I&t=25s
Querido Arnóbio, não sei se te falei, mas esse mito – Orfeu e Eurídice – falvez seja o que mais me impulsiona a escrever meu livro de contos, embora seja por outra perspectiva, além da que você aborda em seu texto. A perspectiva que abordo é anterior à descida de Orfeu ao Hades: temos que resgatar e buscar aquilo que amamos, nem que seja preciso descer ao Inferno. Como disse Dante: “E quindi uscimmo a riveder le stelle”. Mas o que você escreve é dialético, pois resgata o pantha rei de Heráclito, na perspectiva de que não podemos voltar atrás porque já não encontraremos o que buscamos. Somente quando subir a olhar o céu, quando ascendermos, reveremos as estrelas. Adorei as composições de Egberto Gismonti trazidas de regalo. Indico a composição Melodia para piano solo, de Gluck, da ópera Orfeu e Eurídice, executada pelo pianista brasileiro Nelson Freire. Parabéns! Lindo texto.