“Ouso ao mundo lançar-me: aos bens e aos males;
Arcar com temporais; sentir sem medo
O estrondo de um naufrágio”
(Fausto – Goethe)
O mundo passou a experimentar uma grande mutação Política, Jurídica e Ideológica nos pós queda do Muro de Berlim, entretanto, a afirmação ampla dessa mudança, só se deu, após a queda do muro de Wall street, com a Crise 2.0, em 2005-2008. Sem uma alternativa à esquerda, o Kapital se recompôs e se reveste de uma força implacável contra os trabalhadores e as classes médias urbanas;
Essa grande virada, com as mãos livres, tem como preceito fundamental, a criminalização da Política e os ataques à Democracia, viraram o eixo da ideologia dominante, expressa na mídia, nos indignados seletivos, nos “novos” políticos, que se dizem “não-políticos”. A força do judiciário é a marca principal dessa virada, o Kapital, para se recompor, exige a concentração de força e poder, não na política, mas no burocracia permanente, o judiciário.
O Novo Estado, o Estado Gotham City, que surge, emerge, dos escombros da Crise 2.0, é de mais controle e violência, dominado pelo medo. Nos países europeus e nos EUA foi pela imposição da doutrina da “Segurança”, pacientemente cultivada por décadas, essa tese assumiu o centro das preocupações da máquina burocrática. Do nosso lado, a questão é reduzida à Corrupção, o medo é trabalhado em torno dela, assim como a exigência de força acima das leis, para combatê-la.
Assim, a narrativa, se virou contra o PT, o destampar desse processo veio com as tais jornadas de junho de 2013. Uma engenhosa máquina de destruição montada na época, só agora venceu de ponta a ponta. Claro que não destruiu o PT, nem a esquerda, mas o fez recuar e voltar aos anos de 1980, o retrocesso será amplo nas lutas e nas conquistas sociais.
O debate que se impõe é como as forças políticas, sociais e culturais, podem se reorganizar.
Qual o papel dos partidos, sindicatos e da sociedade civil, como OAB, ABI, nesse momento que elementos fundamentais de Estado de Exceção dão a tônica no mundo?
Uma parte, desse novo Estado, se parece com fascismo, na aparência, mas o fenômeno pode ser visto, de mais perto, como apenas uma tática de força e reafirmação de poder discricionário do grande Kapital.
Claro que essa recomposição dos setores democráticos e populares, estão sujeitos aos questionamentos sobre a hegemonia política do PT, nessas últimas décadas. O debate deve ser franco, sem desqualificações prévias, mas sem desprezar o quanto de acúmulo e de identidade que o PT, em especial, tem na sociedade, em particular nas camadas mais organizadas e populares do país.
O que não se pode esquecer é o quanto se avançou, mas também o que se cobra, pois, parte da esquerda majoritária (PT e PC do B) entrou na máquina do velho estado e assumiu o ônus, pesado, de dirigi-lo, tendo que fazer os acordos mais esdrúxulos para levar adiante esse objetivo. Inclusive, hoje, sabemos da fragilidade dessa governabilidade conseguida a fórceps, com práticas pouco “republicanas”.
Além de desgastar e desacreditar boa parte de suas lideranças se tornou alvo preferencial da sanha persecutória desse processo de judicialização da política.
Também cumpre lembrar que parte da esquerda, que rompeu com o PT, enveredou pelo caminho do ultraliberalismo e/ou pelo moralismo típico das classes médias, reforçando o repúdio, junto aos trabalhadores, da Política e da Democracia, fazendo-os esquecer que, sem elas, não chegaremos a lugar algum, pois as condições de luta e resistência são sempre piores sob Ditaduras abertas ou disfarçadas.
A marcha do Estado de Exceção, do Ultraliberalismo, contou com a assimilação da sua ideologia, de forma sutil, pelos movimentos de “Indignados” “Occupies”, no Brasil pelo tal “Gigante”. A maior expressão dessa ideologia é a luta pela diluição dos partidos, sindicatos e organizações civis, como se estes fossem o empecilho ao “novo”, mas de que novo estamos a assistir?
Um Estado ultraliberal, sem “políticos” sem ordem e sem freios sociais? Claro que não se enxerga, ainda, completamente, porém, os governos, como de Trump e Bolsonaro, fazem com que a realidade mais dura venha saltar aos olhos.
Nesse tempo estranho, o Kapital, controlado pela fração do Kapital financeiro, com a orgia praticada pela nuvem de trilhões se move pelo mundo destruindo economias, povos, nações e histórias, não nos surpreende que abertamente pregue, para seus acólitos, que a democracia e a política já não são importantes, que no fundo atrapalha o “crescimento econômico” e sua capacidade individual de ser rico, é por seu mérito. A meritocracia como ideologia sequestrou corações e mentes, em especial, das classes médias urbanas.
A mais longa e vitoriosa direção política de esquerda no Brasil está fechando seu ciclo histórico, apesar de quebrada por um duro golpe (a prisão de Lula) e pela derrota eleitoral, e muito mais forte, por uma bem urdida e articulada trama politica-jurídica, que destrói não apenas ela, a direção, mas a Democracia como espaço de disputa e ameaça a Política como elemento fundamental de vivência social organizada.
Essa direção que saí de cena, foi forjada na luta contra a Ditadura, dos escombros dos grupos dizimados pela repressão, surgiu um ousado grupo de novos lutadores, fundamentalmente no seio sindical, que construiu oposições sindicais, tomou os principais sindicatos das mãos dos pelegos, fundou a CUT, o PT. Aliado aos artistas, estudantes, intelectuais, os trabalhadores derrotaram os milicos, nos começo dos anos de 1980.
Essa direção, capitaneada pelo PT, teve participação decisiva no processo de redemocratização do Brasil. Durante a constituinte, mesmo em ínfima minoria, trouxe os trabalhadores para o centro dos debates e incluiu pontos fundamentais na Constituição. Estes quadros, temperados na luta, chegou à Presidência com um dos seus melhores nomes, Lula, o primeiro presidente vindo do povão sofrido e trabalhador, sem a educação formal. A trajetória de mais vinte cinco anos foi coroada com a vitória eleitoral de 2002.
O auge desse grupo dirigente, também marca o início de seu declínio, a feroz disputa política traz vitórias históricas, mas também acomodações, facilidades do aparelho de Estado (sindicais, partidárias e governamentais). A luta de classes cobra um alto preço, toda esta geração de dirigentes do PT e de seus aliados, começando por Lula, jamais será perdoada por ter ousado governar o Brasil.
A reconstrução da Direção Política passa fundamentalmente pelo PT, o que tem de força histórica e simbolismo, não pode simplesmente ser subestimado. A Hegemonia que exerce não é fruto do acaso, mas de um longo trabalho, de um reconhecimento social, político, portanto não é dizer, abram mão de tudo e deixe para outros, para que esses, sem esforços, supere o PT, como se fosse mero exercício teórico.
A discussão está só começando, muita gente já com pressa de chegar ao fim. Muita calma nessa hora.