Depois de umas três horas, após o jogo entre Brasil e Alemanha, fui tomar um banho quente, tinha visto um filme, “Gravidade”, jogado conversa fora, nada que entrasse no assunto de futebol. Ali, embaixo da água, voltei ao 5 de julho de 1982, em que a melhor seleção brasileira que vi jogar, perdeu uma incrível partida para a “fraca” Itália, futura campeã. Durante 30 anos, aquele pesadelo me perseguiu e me atormentava sempre, apenas me curei quando, num novo 5 de julho, pude comemorar o título da Libertadores do meu Corinthians(o jogo foi dia 4/7, mas acabou quase no dia 5/7).
Este pensamento ficou martelando minha cabeça, durante o banho, depois ao ver mais um episódio de “Games of Thrones”, a relação é tão íntima, as piores dores no futebol, tratando-se de seleção, agora estava aqui reunidas. O Sarriá e o Mineirão fecharam um ciclo, não posso falar do Maracanazo porque não vivi e é outra realidade. As lições de 1982, do futebol arte, da retomada do padrão do tricampeonato, foram jogadas fora, o Brasil venceu duas Copas, 1994 e 2002, um vice, 1998, mas a relação de futebol e arte não é a mesma.
O jogo de ontem, o massacre que Alemanha nos impôs é totalmente atípico, pode ser que nunca mais se repita, não podemos atribuir aos deuses ou aos homens uma péssima jornada, um apagão coletivo, goleadas acachapantes, entre grandes times ou entre seleções são exceções das exceções, jamais a regra, portanto isto não define a Seleção, muito menos o Brasil. Os apressados e donos das verdades eternas, agora se jactam com a famosa frase “bem que avisamos” ou a idiotia de tentar arrumar um Cristo, alguns indo além, culpando, por exemplo, Dilma, como se ela tivesse jogado ou escalado a seleção.
Vamos separar desespero e frustrações, da realidade, sem “passar o pano” para ninguém, mas também sem crucificar qualquer pessoa. Houve um erro grave de escalação da seleção, a única vez que a Alemanha tinha enfrentado time que joga aberto, a Portugal, fez 4 x 0, poderia ser até feito mais com os espaços encontrados, nos demais jogos a Alemanha enfrentou adversários bem fechados, que não se arriscavam fortemente. Muitas vezes teve grandes dificuldades, como no empate com Gana, vitória apertadas contra EUA, Argélia e França. Quem se fechou e jogou no esquema de suportar o toque de bola da Alemanha, não permitiu ser goleado, mas também é verdade que ninguém desafiou de igual para igual para tentar surpreender, como tentou Felipão.
A perda de Neymar e Thiago Silva, obrigou uma série de alterações, não apenas de jogadores, mas de posicionamento. David Luiz, o melhor zagueiro, atuava pelo lado esquerdo da defesa, ao lado de Marcelo, frágil na marcação, a entrada de Dante, fez com que ele mudasse de lado, piorando sensivelmente a cobertura e o tempo de bola da defesa como um todo. Luiz Gustavo e Fernandinho, trocaram de lado para tentar marcar ou sair, o que se provou um desastre, cinco dos sete gols da Alemanha foram de jogadas vindas da esquerda da defesa e com linha de passes dentro da área.
A entrada de Bernard, substituindo Neymar, para manter o mesmo esquema de jogo, trocando apenas jogadores, em tese, mostrou a coerência de Felipão ao seu método de trabalho, dando certo ou errado, ele seguiu a sua filosofia, mesmo que em apenas 20 minutos, antes de começar o verdadeiro massacre, já se mostrasse que Bernard, Fred e Hulk não conseguiam trocar mais do que dois passes, os três foram nulidades à frente, mas o pior, não voltavam para acompanhar os três volantes/armadores da Alemanha: Kedira, Schweinsteiger e Kroos.
Somado a tudo isto, raramente acontece, como ontem, houve uma incrível sequência de falhas individuais e coletivas, que em 7 minutos, dos 22 aos 29 minutos, o Brasil tomou 4 gols, isto não existe, num jogo de alto nível, o que me lembro recente, o Real Madrid fez três gols seguidos em curto espaço de tempo contra o poderoso Bayern de Munique, na semifinal da Champions League. A facilidade encontrada, até assustou os alemães, que nem eles acreditavam no que estavam vivendo, foram enfileirando um a um os gols, sem nenhuma resistência, sem que ninguém os impedisse.
Naqueles dolorosos 7 minutos, o Brasil jogou 11 contra 7, os três da frente e Oscar, ficaram paralisados, não participavam de nada, apenas olharam, talvez, o maior peso dos erros de Felipão, para mim, foi ao tomar o 3 x 0, não ter feito nenhuma alteração, uma substituição emergencial, para estancar o sangramento, ao contrário, sentou-se no banco, aceitando o massacre. É certo, bem provável que pouco tivesse alterado em termos de classificação, mas pelo menos não tomaria uma goleada tão grande, mas é isto é apenas uma suposição, não uma verdade, pois reconheço a capacidade e toda a história de Felipão, não é por ontem que se torna um vilão, cometeu erros graves, mas não é bandido como querem pintá-lo.
As consequências de uma derrota tão dolorida podem trazer grandes ensinamentos, se a arrogância dos técnicos, de jogadores (paparicados por empresários embusteiros) e principalmente dos dirigentes e jornalistas, permitirem uma reflexão completa, não para ZERAR o futebol brasileiro, mas para recomeçar um longo processo de melhoria. A Copa trouxe ótimos estádios, ampla participação popular, tem que se aproveitar a chance e remodelar o futebol, voltar à formação de atletas, mantê-los por mais tempo no país, dá uma identidade maior a Seleção, para próxima Copa, as eliminatórias ajudarão neste processo de consolidar uma equipe, vai obrigar se reunir mais vezes e terá mais contato com o país. Uma grande mudança seria quebrar o poder ditatorial da CBF e os clubes fundarem uma Liga, sem tutela da Rede Globo e da CBF, profissionalizar de vez o futebol, entender como um negócio e ao mesmo tempo como identidade nacional.
Outra questão importante, depois desta derrota, é não jogar tudo para baixo, o país fez um enorme esforço para realizar um das maiores e melhores copas de todos os tempos, com belos estádios, com enorme integração de visitantes e brasileiros, que os receberam com festas e carinho. Tudo funcionou bem acima das expectativas, aeroportos, deslocamento aos estádios, segurança, é um grande legado que não deve ignorar. Os ótimos jogos, os muitos gols, as emocionantes decisões, inclusive esta goleada incrível, fez desta, a #CopadasCopas. O Brasil está de parabéns, a seleção chegou entre os quatro, o que é importante, mas a partida atípica de ontem, vexame, não pode apagar todo o restante.
#VaiBrasil.