Devo admitir que tenho verdadeira fixação por alguns livros, que recorro incessantemente a eles em tantos momentos da vida, principalmente nas incertezas mais cruéis, poderia nomear uns dez títulos que, no limite, me salvaram de mim mesmo. Os mais importantes levava comigo por todos os lugares, com receio de que precisasse consultar e não ter em mãos, então comprei vários exemplares de Hamlet, Teogonia ou da Ilíada, como era fácil transportar levava na mala, nas centenas de viagens pelo Brasil.
A Divina Comedia era mais complicado, a edição mais caprichada comprei apenas dois, uma fica em casa e outra no trabalho, o encanto de ler e ver as gravuras de Gustave Doré é uma experiência indescritível, por mais que tente, não tem como definir, ou se sente ou se sente. Nos meus 44 anos de vida, com certeza a Divina Comédia, de Dante, em particular O Inferno, é a obra que mais causa estranhamento, não adiante ler e reler, ela continua a se mostrar um mistério, como ouvi outro dia, e o mistério é a capacidade de surpreender, mesmo que você já conheça, sempre me surpreendo.
Neste aspecto as gravuras da edição que tenho aumentam mais este ar misterioso, potencializa a beleza radical do poema, da força e grandeza de cada verso. Gustave Doré conseguiu captar totalmente a mensagem, a perfeição dos desenhos, o cenário e ampliando a leitura da monumental obra. Doré tinha apenas 25 anos quando começou a fazer as gravuras da Divina Comédia, um trabalho que levou mais de onze anos, uma obra inspirada que engrandeceu a outra. Há uma interação tão grande entre elas, que quando leio outras traduções sem as gravuras, sinto-me órfão.
Também são espetaculares, os trabalhos de Doré para o Paraíso Perdido de John Milton e do Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes, mas a grandiosidade do trabalho da Divina, para mim, são insuperáveis, ou talvez porque me toquem com mais força e singularidade. Quem não leu os longos versos da Divina Comédia, deveria se deliciar com as gravuras, metade dos seus pecados, por não ler a obra, já estariam perdoados.
Com os tablets podemos levar as obras divinais para todos os lugares, mas não sinto o mesmo apelo de folhear e olhar as gravuras, é outra sensação especial.