“Eu vi coisas que vocês homens nunca acreditariam. Naves de guerra em chamas na constelação de Orion. Vi raios-C resplandecentes no escuro perto do Portal de Tannhaüser. Todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva. Hora de morrer”. (Replicante Roy Batty, personagem de Blade Runner, 1984, dir. Ridley Scott, EUA)
Andando sob chuva, que vai e volta, pelas longa quadras de Brasília, num sábado modorrento, no ouvido toca A Whiter Shade of Pale, de Procol Harum, com Joe Cocker, uma das tantas versões dessa composição imortal, daquelas que você vai sempre ouvir e achar que é nova, acabou de ser lançada, pelo frescor que os clássicos produzem em nossos sentidos.
Imediatamente volto a lembrar de um texto que escrevi lá em 2015, Finitudes, em que lamento quando uma música chega ao seu final, ou quando acabamos de ler um livro, ver uma peça, assistir a um grande filme, hoje acrescentaria uma série, aquela sensação de luto, de perda, de não saber o caminho de casa, porque tudo é finito.
Cabe a nós elaborar nosso luto, encontrar novos filmes, livros, algo que nos torne vivos para um novo “sofrer”, sem que percamos o anterior, de onde viemos ou que somos, é certo que ali, em 2015, ainda não tinha a verdadeira sensação e sentido do que é a devastação humana da perda de uma filha, do significado real dos versos do genial Chico Buarque em “Pedaço de mim”:
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu
As lágrimas correm, misturadas com a chuva, a dor no peito aumenta, a necessidade de gritar, a memória repete que o quarto dela continua lá, arrumado esperando-a e sabendo que não voltará, nem mesmo a voz, vamos esquecendo-a, se apagando.
E a verdadeira finitude é a certeza de que somos nós mesmos, pois não terceirizamos a dor e nem pedimos paz para seres esotéricos, que não se condoeram por nós, eles não existem, nem nós existimos. Passamos a ser sombras do que um dia fomos.
As músicas tocam, nos acalmam, vem um rasgo de sol e enxugamos o rosto de águas salgadas pelas lágrimas, seguiremos buscando o poema sem fim, sabedores de que o fim, o final, somos nós mesmos.
Ou não!