Assistir ao grandioso filme, Argentina, 1985 (Amazon Prime Vídeo) foi extremamente doloroso para mim, entre muito choro e dor, muita dor, que foi passando pelo corpo, como se fosse um torturado ou um mal sobrevivente de uma época inglória para o Brasil, Argentina e América Latina, promovida pelos interesses dos EUA e da burguesias locais, nas suas ditaduras civis-militares, aqui, no Brasil, TODA ela impune, glorificada por imbecis em frente aos quartéis.
Senti um certo desespero por reviver tudo o que sabemos, ainda que distante, mais de 40 anos dos fatos, mais é forte demais assistir ao filme sobre o que foram aqueles 7 anos malditos na Argentina, entre 1976-1983, os sequestros, torturas bárbaras e mortes, mais de 30 mil mortos e desaparecidos, naquilo que se constituiu num dos maiores crimes contra a humanidade.
Julio (Loco) Strassera (Ricardo Darín, um dos maiores atores do mundo) que fora no mínimo relapso durante a ditadura, recebe a incumbência de apresentar denúncia e provas contras as juntas militares que governaram de forma selvagem a Argentina, numa “guerra” genocida contra seu próprio povo, com resultados desastrosos, em todos os campos, economia, social e político
Loco Strassera recebe a missão e sem que nenhum outro promotor o ajude, apenas um jovem assistente sem experiência, Luis Moreno Ocampo (Peter Lazani), aceita participar da missão impossível, por sua iniciativa recrutam jovens advogados e advogadas, servidores do judiciário e em menos de 4 meses, catalogam 4 mil páginas de denúncias, ouvem 709 depoimentos e apresentam 800 testemunhas, entre outubro de 1984 e fevereiro de 1985.
O famoso julgamento teve início em abril de 1985, sob muitas ameaças ao Promotor Strassera e sua família, ao próprio tribunal, a Corte Federal de Apelações, às testemunhas e vítimas. Uma super banca de advogados defendia os milicos, que tentavam desmoralizar a Corte, dizendo não reconhecer a validade do julgamento.
A Argentina que passava por um processo de redemocratização cheia de feridas, derrotada na aventura das Malvinas, o último ato canalha promovido pela junta de liderada por Galtieri, para tentar recuperar prestígio, invadem as Ilhas Malvinas, ilegalmente mantida pela Inglaterra (até hoje), a aventura foi uma humilhante derrota, que desmoralizou de vez os militares fascistas.
A economia muito mal das pernas (nunca se recuperou), a sociedade marcada pela violência e medo, um governo frágil, a máquina da ditadura, seus centros de tortura, seus agentes soltos, era um ambiente complexo para um julgamento tão monumental, a propaganda de que os militares lutaram contra o comunismo, ainda encontrava eco na classe média.
Era esse o tamanho do desafio da equipe do Promotor Stressera, do judiciário em geral, como também do débil Governo de Raul Alfonsín. A condenação do terror de Estado que sequestra, tortura e mata seus “inimigos”, que começa com a batida desculpa de defesa da sociedade contra o perigo comunista, vira um método e os genocidas são acometidos pela doença da perversão moral, representada pelo sadismo das torturas, estupros, violência e assassinatos, como algo normal.
O direito à memória, ao não esquecimento, é fundamental para que a história não se repita, é exatamente o que se assiste no Brasil, com os adoradores de assassinos cruéis, torturadores sociopatas, que jamais foram punidos, são tidos como heróis, sendo eles os piores entres os piores.
O filme e a história da Argentina servem de exemplos para que não esqueçamos o que eles fizeram e ficaram livres, ainda dar tempo?