Tudo o que fizermos para os nossos pais na velhice deles, será pouco. Pois, diante do que eles para nós fizeram, sempre parecerá pouco. Isso não é uma dívida moral, é ética e humana, aliás, uma dádiva, a oportunidade de nós e eles nos reencontrarmos e de que as questões pretéritas, muitas vezes, mal digeridas, possam ser postas à limpo, ou apenas o silêncio de uma reconciliação sem dor, sem mágoas e pesares.
Meus pais, Pedro e Fátima, foram e são criaturas humanas cheias de valores e de defeitos, que pelo nosso amor, não julgamos as falhas, procuramos aprender suas imensas qualidades, ainda que cada um de nós foi/é a somas deles. Aprendemos cedo a termos autonomia de vida e propósitos, criados nos duros anos 70/80.
A lição reta de que só os estudos poderiam nos transformar em algo melhor do que eles foram, mas havia a opção de que não querer estudar, o caminho era a labuta. Dentro das condições deles, nos criamos e todos e todas, no mínimo tivemos a oportunidade de cursamos uma universidade, alguns logo após o ensino médio, outros mais tarde, com certo orgulho, eles valorizaram nossas conquistas, como deles, e o que foi, efetivamente.
Meu pai partiu há cinco anos e meio, para nós uma dura perda, para nossa mãe muito mais.
O dedicado e delicado amor ao velho era algo comovente, uma bela relação de amor e paixão, de tolerância e admiração pela forma cativante que ele tinha com as pessoas. O contador de causos, o avô que foi maior do que o pai, o companheiro de longa jornada e batalhas e vitórias, mas que juntos enfrentavam as derrotas, sem perder o amor.
O peso da partida do meu velho é muito maior sobre minha mãe, a difícil aceitação, a adaptação sem ele, a forma de preservar sua figura, o dormir com o retrato dele, as cartas que lhe escrevia (eu lhe dizendo, mande whatsapp). A ausência e o avançar da idade, ela fará 80 anos em julho, tem seu preço, suas dores e carências.
Morar longe dela, há mais de 32 anos, tem sempre um sentimento negativo, por não estar presente nesses momentos difíceis que ela vive, as dores da alma, que viram dores reais ou imaginária pelo corpo e mente, a longa pandemia que impede a vida social, os encontros, as confraternizações e as visitas costumeiras de parentes e amigos.
Estar com ela nesses tempos é uma realização, bem pequena, nada comparável aos irmãos que a circundam e se dedicam para ela, mas é prazeroso fazer o mingau, o mesmo que ela fez para nós, agora fazemos para ela. As massagens para aliviar as tais dores, contar histórias, rememorar tem o efeito das cantigas que um dia ouvimos quando crianças.
O choro dela é nosso choro que ecoa do passado.
A dialética da natureza vai se completando, voltamos de onde viemos, em estágios superiores de dores e consciência, mas podemos realizar nossa missão humana, cuidar e amar os mais vulneráveis, crianças e idosos.
Obrigado, mãezinha.
Linda e emocionante, meu amigo, essa crônica da vida madura. Uma serenidade que vem com o tempo, com o acalentar dos sentimentos. Uma lição de vida a partir do gesto mais simples, o mais significativo do que é humano, demasiado humano.
Uma belíssima e emocionante crônica.