1836: O Conto de Noivado

Os meus velhos, Seu Pedro um contador de causos, da longa tradição nordestina.

Ao vir ao Ceará, quando meu pai ainda era vivo, era sempre ouvi-lo contar as histórias de sua família, de seus conhecidos, do seu lugar, com a mesma graça e o modo único de abrir vários parênteses, para contar outras histórias paralelas, que vinham para explicar outra, até que ele lindamente fechando uma a uma, entre suspiros e risos nos lábios.

Gravamos um CD com 20 histórias do Seu Pedro, coisas dele e de fatos que ele tinha presenciado, ou que ele tomara conhecimento através de parentes, do seu pai, ou do seu avô. E havia aqueles contos familiares que poderiam virar livro, que muitas vezes ouvíamos, mas esquecemos de gravar, pois é bom demais ouvir na voz do velho e suas pausas dramáticas.

Semana passada, os filhos reunidos com mamãe, o assunto era o velho Pedro Rocha (como sempre), de repente meu irmão contou uma daquelas novelas fantásticas.

A jovem Maria Benedita (minha avó paterna) teve dois pretendentes na juventude, no começo dos anos 30, meu avó foi escolhido, logo casaram, posto que não se demorava muito naquela época, os pais acertavam o casamento, os filhos cumpriam, o amor vinha depois. Por sorte, às vezes, os desejos dos pais, coincidiam com o destino feliz dos filhos, a máxima: “O amor vem depois”.

Ora, cerca de 15 anos depois, fim dos anos de 1940, o outro pretendente à “mão” da minha avó, vai à casa dos meus avós, umas 21:00. Aquele clima meu desconfortável, alguma coisa do passado não resolvida, depois do café, um pedido inusitado: Ele queria casar com a filha mais velha do vovô. Sem pestanejar, Seu Doca, chama a filha, uma mocinha de 14 anos e pergunta: Esse homem quer casar contigo, você quer? Ela responde envergonhada que sim.

Vovô no mesmo fôlego avisa aos dois, amanhã às 4:30 da manhã, eles estejam na igreja para celebrar o casamento. Assim, se deu. O Padre, amigo e compadre do velho, ficou surpreso com todos na sacristia naquela hora em que ele se preparava para celebrar a missa das 5. Vovô Doca muito objetivo diz que eles estão ali para casar a filha mais velha, o padre disse que não sabia do noivado, ele responde: Foi ontem a noite.

No mesmo dia, já casados, após o almoço, o esposo viaja, sozinho, para o Maranhão, voltando um mês depois, sem lua de mel. Talvez o receio de viajar sem a certeza de casamento, apressou-se tanto. Foram felizes por mais de 50 anos de vida, só separados pela morte, grande e boa prole, nossas primas e primos.

Um conto de noivado à jato, tão rápido e feliz.

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Author: admin

Nascido em Bela Cruz (Ceará - Brasil), moro em São Paulo (São Paulo - Brasil) e Brasília (DF - Brasil) Advogado e Técnico em Telecomunicações. Autor do Livro - Crise 2.0: A Taxa de Lucro Reloaded.

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