Por volta das 21 horas de ontem, 03.02, comecei a receber mensagens de um colega advogado dando conta da prisão de 4 manifestantes, rescaldo do ato público em defesa do “Passe Livre 60+”, organizado pelo Movimento Passe Livre, que foi realizado em frente da Prefeitura de São Paulo.
Naquela hora estava vendo os últimos processos e prazos e esperando para ver o jogo do Corinthians, nem pensava em sair de casa, muito menos ir à delegacias. As mensagens confusas, incertas, me despertaram de vez, aquele calor infernal e das tarefas de um dia tenso.
Ligo para o colega e ele informa que dois garotos, ambos não mais do que 20 anos, e eles estavam saindo de uma Delegacia de Polícia no centro, indo ao IML. Meu colega iria ao IML e havia mais duas garotas detidas, uma menor, em outra delegacia.
Troquei de roupa, pus gravata e saí rumo à Delegacia de Polícia próxima à Marginal Tietê.
No caminho acionei e acordei vário colegas da Comissão de Direitos Humanos e jornalistas, para saber mais detalhes, como sempre fazemos, mesmo naquele horário, o percurso de deslocamento de quase meia hora, serviu para me situar sobre os fatos.
Ao chegar à Delegacia, me deparei com uns 15 jovens sentados do lado de fora conversando, passei rápido, entrei, pensei melhor e voltei para conversar com eles. Meio arredios, receoso, indicaram uma garota muito jovem que era uma liderança e ela relatou que as duas garotas estavam acompanhadas de um advogado, o que me deixou mais tranquilo.
Tentei falar com o delegado, um escrivão grosseiramente tenta me impedir, me identifico como da Comissão de Direitos Humanos da OAB, ele resmunga: “mais um advogado?”. Esclareci que não era mais um advogado, meu papel era institucional. Mesmo irritado, anunciou ao delegado minha presença.
Pouco depois, saíram todos, as garotas e o advogado, conversei com o delegado, as perguntas de praxe, se todos estavam bem, sem mais violações, ele muito educado, respondeu, nos despedimos e fui conversar com as garotas.
Duas garotas, 18 e 17 anos, pareciam tranquilas, falei com o advogado, tudo resolvido, estavam liberadas, o Boletim de Ocorrências lavrado, versão dos policiais que as tinham detido e a delas. Os seus companheiros ficam felizes por elas estarem livres, abraçam emocionados.
Agradecem, pedem meu número de celular, explico para eles o que a Comissão de Direitos Humanos faz, sinteticamente fazemos a mediação entre manifestantes e autoridades, para que as manifestações possam acontecer sem violações e violências, e completei que nós não interferimos nas táticas dos movimentos, respeitamos a autonomia deles.
Logo ali em frente à delegacia me despedi deles e fui para meu carro, uma sensação de satisfação de estar ali, vê aqueles jovens, juntos, de certa forma minha vida estava em retrospecto, ainda na ditadura iniciei militância e hoje, noutra fase de vida e eles representam o Novo, uma continuidade, numa perspectiva diferente, com todo o direito deles e suas radicalidades.
A possibilidade de encontrar aquelas duas garotas e suas lutas, a coragem delas, poderia pensar a inconsequência, ou não, pois não me cabe julgar, apenas entender e trabalhar para que sejam ouvidas, respeitadas, compreendidas, para muito além das minhas próprias convicções.
São os mistérios da vida, sigamos.