“Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Sorrir pra não chorar”
(Preciso me Encontrar – Cartola)
A vida é uma sucessão de fatos e atos, quase sempre aleatórios, fora de nosso controle, simplesmente acontecem e mais do que tentar dominá-los, o ideal é ir se adaptando a eles, para continuar vivendo e/ou tendo alguma dose de sanidade, algumas vezes, até de dignidade.
Esse debate e exposição de fenômenos que nos ocorrem, quando postos numa linha de tempo percebemos que vão num crescente e viram uma tsunami, que sem uma vontade cavalar de viver, poucos resistem, ou não caem em depressão, desânimo e abatimentos, plenamente justificados.
Aviso prévio, não busco pena/dó/comiseração, nada disso, apenas qual a lógica, uma compreensão de fatos, pois não acredito em síndrome de Jó, em castigo, pecado, mesmo porque não creio em D’Us, divindades, gurus, xamãs, assim como respeito quem as tem, principalmente aqueles que não fazem proselitismo de sua fé.
Rebobinando a fita.
Dezembro de 2014, depois de quatro anos e meio de intensa luta, parecia que a leucemia tinha virado passado. Os exames perfeitos, a felicidade da Letícia e nossa eram intensas. Viajamos para Fortaleza, uma comemoração, dias lindos. Voltamos dia 24 de janeiro de 2015, um sábado, nesse dia, já em São Paulo, fomos a uma festa, voltamos na madrugada do dia 25.
Horas depois, o terror voltou, Letícia começou a gritar desesperadamente sentindo dores terríveis, naquele dia recomeçou uma sequência interminável pancadas, seria cômico, se não fosse trágico, um maremoto de má sorte, incrível, que parece não ter mais fim, se é que tem alguma paz.
1) 27.01.2015 Letícia tem leucemia diagnosticada pela segunda vez.
2) 29.01.2015 Médica diz que ela dificilmente sobreviverá
3) 30.04.2015 Meu pai tem um AVC hemorrágico
4) 06.07.2015 Depois de 4 induções, Letícia sobrevive e terá que passar dois anos tomando quimioterapia, semanal
5) 22.01.2016 Letícia passa na USP e na UFABC
6) 05.07.2016 Meu pai morre
7) 01.04.2017 Meu cunhado morre depois de 5 anos de luta contra um câncer
8) 03.04.2017 Fui demitido da Claro/Embratel, Letícia em pleno tratamento, dependendo do plano de saúde
9) 15.06.2017 Mara tem uma alteração num exame de mama
10) 24.07.2017 Mara faz microcirurgia bem sucedida, sem nenhuma sequela
11) 07.11.2018 Letícia tem nova leucemia diagnosticada
12) 12.11.2018 Letícia se interna no Hospital Samaritano cheia de vida e esperança
13) 17.11.2018 Letícia teve uma série de complicações, vai ao centro cirúrgico para passar um novo cateter, durante a entubação, ela teve uma bronco-aspiração fatal
14) 18.11.2018 Letícia falece, se é que já não tivesse morrido antes, numa sequência de situações pouco claras, jamais esclarecidas pelo hospital
15) 2019 Ano de luto e de muito cuidado com Luana deprimida
16) 02.10.2019 Sou demitido por WhatsApp
17) 21.01.2020 Luana vai morar em Fortaleza, o recomeçar. Passa para Cinema numa Universidade Federal
18) 12.03.2020 Começo do isolamento pela pandemia
É uma sequência insana, que chega a ser irônica, uma somatória inominável de eventos funestos, muito louco tudo isso, ao mesmo tempo tudo tão humano, real, trágico e poético.
Claro que desaconselho minha companhia, pois tem que ter muita coragem para alguém manter contato com alguém que muita (má) sorte. Para mim, depois de tudo, é preciso muito sal grosso, banho de imersão e algum humor para seguir.
É sorrir para não chorar.