“Cross on the paths they lay
Breath of the past, the earths yesterday”
(Ashes are Burning – Renaissance)
Hoje, 04 de maio de 2020, Aldir Blanc, Flavio Migliaccio e mais 268 pessoas não tão conhecidas foram mortas num mesmo dia, vítimas ou não, do coronavírus, tão cruel que ceifa vidas, famílias, sonhos, amores, dores e partidas, sem ao menos dizer adeus, apenas se vão e deixam um vazio enorme.
A sensação de que tudo virou uma imensa incógnita, sobre si e sobre todos os demais, o que será o dia depois de amanhã, se haverá um renascer e em que bases, como cada um sobrevivente assumirá uma nova condição de vida, de apego aos valores derrotados, como o individualismo, a indiferença, arrogância e egoísmo, ou repetirão o velho?
Deste pequeno espaço de pensamento, fico arriscando hipóteses, sonhos, utopias, enquanto ainda permaneço “vivo”, com alguma sanidade, nesse mundo que desmorona em volta e que virou uma grande tragédia, a miséria humana se desfaz ao vento como nossos anelos, como nos ensinou o bardo maior.
O que vivemos hoje demonstra como se acentuou a falência de sistema, todas essas situações refletem um modelo desastrado de Estado, de política mundial, de aceitação de um governo cão, local e de tantos déspotas em outros lugares.
Dias mais tristes, piores, estão por vir.
Apego-me às memórias, mais ou menos como em Blade Runner, ainda que falsas, implantadas, mas elas ajudam a pensar o amanhã, um novo viver.
Dentre essas reminiscências, uma viagem de quase 25 anos atrás. para Hakone, perto do Monte Fuji. a beleza do lugar, o vulcão que exala enxofre. Entretanto o que mais me marcou foi o retorno de ônibus para Tóquio. Era um final de domingo, uma viagem dentro da outra, em que ouvia um grupo chamado Secret Garden, a emoção toma conta de mim, os cheiros e a paisagem se tornam vivas, quero sobreviver.
O sentimento é de lutar pela existência, pela solidariedade vencendo a indiferença, o coletivo superando o individualismo, a fraternidade se afirmando sobre o egoísmo.
Nada nos derrotará mais, há esperança, a mínima que seja, viveremos.
Meu querido amigo, O Jardim Secreto, um livro infantil da escritora inglesa Frances Hodgson Burnett, conta a história de uma menina que, na Índia, perde a família e sua querida babá numa epidemia de cólera, o que a obriga a voltar pra Inglaterra, quando a passa a ser cuidada pelos criados, já que seu tio, que detém a guarda dela, viaja muito. Em meio a todas essas mudanças, ela descobre a existência de um jardim secreto na propriedade de seu tio, que estava fechado. Daí em diante, ela passa a frequentar esse jardim proibido. Esse livro de enredo simples inspirou a diretora polonesa Agnieska Holland a transformá-lo em roteiro e em película, O Jardim Secreto, de 1993, protagonizada pela atriz Irene Jacob. E eu concordo plenamente com você: para mantermos a sanidade, a higidez física e mental, temos de mergulhar na literatura, ainda mais na poesia e, em especial, na música. Não há outra alternativa. Tudo isso para sairmos dessa crise ainda mais humanos e para pensarmos melhor sobre o que nos espera e o que devemos construir. As lembranças também são uma magnífica forma de sobreviver em maio a essa pandemia. Belo e inspirador texto, mais uma vez.