“Você não sente, não vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança, em breve, vai acontecer”
(Velha Roupa Colorida – Belchior)
Diário de um náufrago, dia 16 de abril de 2020.
São 35 dias em casa, 5 semanas, recluso, exceto às saídas tensas de ir ao supermercado, o restante é rotina, dura, desgastante, entretanto, absolutamente necessária.
Às vezes, no mesmo dia, alterno de um sentimento de fortaleza até a fragilidade de todos os sintomas associados. Cada novo sintoma, tenho a certeza que tenho ou já tive. Nessas cinco semanas, pelo menos umas cinco vezes, tive a doença, não é piada, é o que a impotência e as incertezas provocam em cada um de nós, homens então, que uma unha encravada é pior do que dor do parto, topa-se uma anestesia geral, para passar a dor.
Um pouco antes das medidas oficiais do governo de São Paulo, estado e cidade em que resido, decidi me recolher, uma sensação da mal estar, uma possível gripe, algo assim, antecipou a minha quarentena, o receio de ter me contaminado devido à intensa agenda de manifestações e reuniões, nos nove dias anteriores, confronto da ALESP, o 8 de março e a desocupação indígena no Jaraguá.
Ali, em 12 de março, era mais que um dever e consciência de risco, pessoal e coletivo, era melhor sair de circulação e evitar prejudicar uma coletividade. Imaginava algo como três semanas, quatro no máximo, o que parece bem pouco, diante do avanço colossal da pandemia no mundo e no Brasil, no meio dessa confusão imposta por um presidente irresponsável.
No fundo, essa época de incertezas devolveu o ser humano à sua dimensão real. Os exageros, as ostentações, a extrema arrogância, ignorância e prepotência, tudo isso foi derrotado por algo invisível aos olhos, uma força da natureza, em mutação, impôs uma derrota acachapante aos mais poderosos, que não sabem lidar com a impotência e tomar as medidas pelos mais vulneráveis, vide os EUA.
As reflexões nos levam a entender que há um novo horizonte no porvir, um novo paradigma e uma nova era de convivência, no começo de temor, depois, é possível, de extremo calor, de busca por uma vida mais simples, menos complexa.
Parece uma chance de se renascer, como o por do sol da suja e poluída São Paulo, que nos últimos dias ofereceu um espetáculo quase nunca visto, pelo menos para mim, que vivo há quase 31 anos nessa linda e louca cidade.
É perseverar, fortalecer corpo e mente, ser solidário, ajudar os que mais necessitam, voltar a ser humano de verdade, e reviver uma utopia.
A Arte tem um papel imenso, para captar sensivelmente o que wstá à nossa volta. De fato, de alguma maneira é época de renascimento, como foi o Renascimento na Idade Média, depois de uma pandemia na Europa.