“Nós tomaremos Gotham dos corruptos! Dos ricos! Dos repressores de gerações, que as oprimiram com mitos de oportunidade, e a devolveremos a vocês… o povo. Gotham é sua! Ninguém irá interferir. Façam como quiserem. Comecem invadindo Blackgate e libertando os oprimidos” (Discurso de Bane, em Batman Ressurge)
A beleza da trilogia, O Cavaleiro das Trevas, é que sua composição, em resumo, traz bem definida o conceito de tese, antítese e síntese, uma viagem filosófica, com uma narrativa em que respeita fielmente a dialética. Os elementos fundamentais da construção de um herói, vinda da tradição grega, sua gênese complexa, seus jogos iniciáticos, a descida e a subida da caverna.
O garoto que parte para o oriente, depois volta à sua terra, para nela, ser o libertador dos males, que impõe uma nova ordem e costumes, como Édipo, é visto como o redentor, aquele que trouxe a cura, contra terrível praga que, destruiu seu lugar. Mexe com o imaginário, combate os poderes estabelecidos, enfrenta o Estado corrompido, sendo a nova esperança.
Mas herói está sempre sendo posto à prova, e seu antípoda nasce, no filme dois, aquele que lhe será o oposto, ou o seu igual, aquele que é seu espelho, mostrando que bem e mal, pode ser apenas um ponto de vista. O Coringa lhe diz, sem meias palavras: Somos iguais, usamos máscaras, não respeitamos as leis, estamos acima delas, o que poderia nos diferenciar?
A antítese do herói, aqui, não é uma questão americana de mocinhos e bandidos, mas de identificar a ruptura com os valores, sistemas legais, em nome de que ordem? Qual a diferença real e não aparente entre Batman e Coringa, no combate das sombras.
Por reflexo, da luta entre eles, surge o híbrido, promotor-justiceiro, Harvey Dent, o duas-caras, o herói da legalidade, da justiça, que quer prender Batman. que se corrompe pelo dinheiro, alguém lembra de algo da atualidade?
A conclusão, síntese do cavaleiro das trevas, é justamente a volta do herói, que rejeitado pela pólis, substituído pelo rigor da Lei Dent, que o torna proscrito, a imposição da blackgate, ou seria Guantánamo, ou as masmorras de Curitiba? A cidade tem uma aparência de rigor e leis duras.
Entretanto, uma ameaça bem mais complexa, mexerá com Gotham City, a aberração de Bane (seria o capitão e família?), aquele que zomba do Estado de Direito, das leis, dos valores, clama a plebe à revolta, denuncia a corrupção, ao mesmo tempo que planeja a purificação, depois de provocar a barbárie, explodindo a cidade, a cultura, os valores.
Do caos virá a luz.
A liga das sombras, acima do bem e mal, quer que Gotham, o Estado de bem-estar, expie seus pecados, a moralidade messiânica, o Poder é visto como a fonte do mal na terra, nada pode salvar Gotham corrompida. O símbolo desse estado dominado pelas corporações é a Fundação Wayne, a ruptura deve ser total, nada pode sobreviver ao outsider, Bane, o signo da destruição, o herói lúmpen, o germe do ultraliberalismo, que permeia a obra de Frank Miller, um entusiasta do Tea Party.
A espetacular obra é complexa e cheia de significados, uma luz na escuridão, traz aos holofotes não a ficção, mas a vida real, quantos personagens caminham entre nós, que identificamos rapidamente, sem esforços.
Vivemos uma Gotham City, dentro da outra.