“São treis sorte são treis sina
na istrada dêsse cristão
são treis irirmã granfina
e de punhal na mão” (Gabriela – Elomar)
Deveria estar escrito em algum lugar, uma lei especial, um mantra, uma oração, um ditado, que diga: O ser humano não pode dizer que viveu, se não conhecer a poesia.
Esqueçam grandes livros, obras monumentais e fundamentais, a educação formal, o conhecimento acadêmico, apenas a doce simplicidade de uns versos, ou de uma prosa, que de tão mágico, nos eleve, nos traga o sublime, para entender o que é viver, pois viver é sonhar.
A vida é sonho, bem nos lembra, o poeta Pedro Calderón de la Barca.
A maior descoberta da minha vida foram as letras que, em tenra idade, comecei a juntar as palavras, por um passe de mágica, estava lendo, fui criado ali (renasci) numa biblioteca, entre os livros, enciclopédias, bíblias, receitas de bolo, qualquer coisa que estivesse escrito, lia, sem preconceito, as revistas Júlia, Sabrina, Sidney Sheldon, ou os livros de faroeste, depois minhas revistas em quadrinhos, que comprava, com os tostões não gastos.
Entretanto, o que mudou minha vida, foi ouvir Seu João Tomé, o velho capataz da fazenda do meu avô paterno, contar por horas, maravilhosas estórias. Alumiado por um candeeiro, velhos lampiões a gás, o cheiro forte de rapé, um velho sábio, sem letras, sentado no tucum, contando as mais fantásticas estórias de trancoso, passava os dias, desejando que chegasse logo a noite, para ouvir o Seu João Tomé.
Algumas vezes, passados, mais de 40 anos, ainda sinto o cheiro do rapé e das pausas dramáticas de cada diálogo, contado com uma emoção, que tanto encantava a nós, netos e netas, do seu Doca Rocha, que respeitosamente, ouvia atento, silencioso e respeitoso cada movimento do velho aedo, falando um português provençal, que muitos anos depois vim a saber, através do grande Elomar.
Aquilo abriu minha mente para sempre, um dia queria ser como o Seu João Tomé, bravo, pegador de boi na unha, mas um poeta incrível. Com os anos, já conhecendo Homero e suas majestosas Ilíada e Odisseia, especialmente na segunda, quando um aedo, canta a trajetória de Odisseus, me dei conta que estava revivendo, ali, as cenas de minha infância, a verdadeira chave para minha vida.
Os sonhos que tive, as viagens literárias, todas foram frutos daquelas aulas, de como foi decisivo para minha existência, a capacidade inventiva, de lembrar as falas, as páginas, até dos momentos que li esse ou aquele livro. De alguma forma, sou o que me tornei porque aprendi a sonhar, a somar letras, a contar, ainda de forma capenga, as velhas estórias e histórias.
Ainda hoje, continuou a me encantar com as lendas, que aquele homem, sem instrução formal, que aprende com seus pais, avós, e nos contava com tanta fé e verdade, falando de coisas que jamais ele vira na vida, castelos, senhores feudais, donzelas, príncipes, mundo absolutamente espetacular, com a voz grave, as palavras estranhas, de um português tão diferente e belo.
De vez em quando, preciso lembrar de onde vim, para saber o que me tornei. A generosidade que tive essas lições, só posso tentar compartilhar, sem o mesmo talento e graça. Viajei por tantos campos da literatura, conhecimento, filosofia, sempre buscando aprender, para depois doar.
Que saudade.
“Dezessete é minha conta,
Minha amiga conta
Uma coisa linda pra mim;
Conta os fios dos seus cabelos,
Sonhos e anelos,
Conta-me se o amor não tem fim” (Cantiga de amigo – Elomar)