“vês ali, amigo Sancho Pança, onde se descobrem trinta ou mais desaforados gigantes, com quem penso fazer batalha, e tirar-lhes a todos as vidas, e com cujos despojos começaremos a enriquecer; que esta é boa guerra, e bom serviço faz a Deus quem tira tão má raça da face da terra” (D. Quixote – Miguel de Cervantes)
O Indignado editorial do jornal O Estado de São Paulo, reclamando que a Presidência não tem Presidente, que Bolsonaro não desceu do palanque, que governa através do núcleo familiar e via redes sociais, é patético. A Folha de S. Paulo já fizera algo parecido, mas sem a mesma contundência, revela duas questões: 1. A incompreensão do fenômeno, 2. A impotência diante dele.
O Fenômeno da Irrelevância da Política, da desmoralização da Democracia, feita deliberadamente pelas frações do Kapital que controlam tudo. A Democracia e a Política se tornaram estorvos para o Kapital, então, mais fácil miná-las, tornando-as irrelevantes aos olhos da população. Qualquer projeto que tente retomar o Estado de Bem-estar Social, será completamente destruído, vide a experiência dos governos petistas.
O centro do Editorial: “Bolsonaro precisa o quanto antes se dar conta de que não está mais em campanha, quando todos os problemas do País podiam ser ‘resolvidos’ por meio de slogans digitados em redes sociais, sob orientação dos filhos. Governar é muito diferente de tuitar: demanda presença, articulação, lucidez – isto é, tudo o que Bolsonaro, convalescente e a reboque dos filhos e dos aliados mais radicais, ainda não conseguiu oferecer ao País”.
A tática do guru da extrema-direita, Steve Bannon, foi desenvolvida especificamente para presidentes eleitos por uma horda selvagem, sem nenhum refinamento, preparo para exercer qualquer cargo público, é justamente essa, divertir e manter em pé de guerra seus seguidores, prontos para novas eleições, ou enfrentar seus inimigos, geralmente imaginários, nos EUA e aqui, pensam que combatem o “comunismo”, um delírio típico dessa gente com poucas sinapses.
D. Quixote está sempre pronto para atacar os moinhos de ventos, achando tratar-se de gigantes do mal, assim são os devotos de Bannon, claro que sem a poesia de Cervantes, ao contrário, se alimentam de ódio, do desespero, da redução da realidade à pequenas formulações pobres e maniqueístas.
O que fazem Trump e Bolsonaro? Como nada compreendem da natureza da presidência, têm desprezo pelo cargo que ocupam, ganhos pelo fruto do acaso, passam o dia a tuitar, a desfazer o que os assessores tentam construir, conturbam o ambiente, mas fazem de caso pensado, alimentam seus fãs, que os tratam como mitos, que no fundo são realmente, gostemos ou não.
Ora, devemos aprofundar as análises para tentar compreender o fenômeno e não ficar estupefato diante dele, ou gerar uma indignação tola, como do editorial do Estadão, que lembremos, apoiou entusiasmados o mito. É para pensar, também, como conseguiram eleger os piores dos piores? Com que propósito, se não a implementação de um novo Estado, radical, do ultraliberalismo.
O Novo Estado, a que denomino de Estado Gotham City, alguns falam em pós-verdade ou pós-democracia, se caracteriza fundamentalmente por ser forte contra o povo, contra a Política e contra a civilização. A ruptura se deu dentro do Estado, com uma burocracia fixa e sem controle da sociedade, que agiu e continuará assim, servindo aos interesses de um punhado de Bancos, que controlam o Mundo, independentes dos fanfarrões que cheguem à presidência.
Passados dez anos da maior crise do Kapital, em 2005-2008, a sua fração mais violenta e excludente, o kapital financeiro, em pleno comando, com Trump em espécie, ou Paulo Guedes, no Brasil, demonstram que essa fração, resolveu assumir o controle, sem intermediários, usando generais e seus quartéis para massacrar e impor pela força o novo modelo, tendo sempre um medíocre que tuitará para distrair seus seguidores.
O embate nas redes sociais é o mesmo da sociedade, entre a barbárie e a civilização.