Não Olhe Para Trás…

Orfeu e Eurídice, o não olhar para trás… (Jean Baptiste Camille Corot)

“Na minha desventura, contemplo um mar tão vasto de infortúnios, que nunca poderei salvar-me a nado, nem ao menos vencer esta vaga fatal que ora me assalta” (Hipólito – Eurípedes)

O filho da musa Calíope, Orfeu, de bela voz, foi ao mundo dos mortos, o Hades, atrás de Eurídice, sua amada, que morrera fugindo do assédio de Aristeu. Seduzindo com sua voz a todos no percurso, Caronte, Cérbero e por fim, o próprio senhor dos mortos, Hades, comovido com seu canto e seu amor.

Tem a permissão de levá-la de volta, desde que vá na frente, sem olhar para trás, apenas quando chegar na luz do sol, assim o fez, mas no último instante, resolve conferir se Euridice o segue, é a última vez que a veria, ela se dissolve, emudecendo Orfeu.

Olhar para frente, jamais pelo retrovisor, confiar que vamos conseguir superar qualquer coisa, desafiou Orfeu, depois a mulher de Lot, ao saírem de Sodoma e Gomorra, ela não resiste e vira uma pedra de sal. A mensagem é idêntica, não olhe para trás, o mundo está à frente, o passado, não volta, o que sentimos hoje, não conserta o que fizemos no pretérito.

Esta lógica do seguir em frente não pode também nos fazer indiferentes ao que nos rodeia: as pessoas, as suas microtragédias, os desacertos do cotidiano ou as desavenças próprias da nossa medíocre/espetacular trajetória. Falar de si, por mais egoísta que seja, pode ser um alento para as dores que cada um em particular sofre, mas não consegue efetivamente expressar.

Esta dor no peito que nunca passa o extremo cansaço do corpo, a mente que não para de funcionar nunca, a necessidade de parecer forte, jamais chorar ou demonstrar sofrimento piora ainda à dor e a angustia, as incertezas sobre o porvir é a única certeza que carrego no dia a dia. Aliás, conto os dias feito presidiário, afinal qual diferença há entre a minha vida e a prisão? É viver um dia por vez.

Talvez a pior dor seja a consciência, a certeza de que nada podemos fazer, exceto seguir.

A vista é turva, como uma hipermetropia, da mente em que os objetos parecem diferentes do que são, assim como os objetivos que já não traçamos, o piloto automático nos movendo. A paralisia que sinto algumas vezes, não é por covardia de enfrentar, mas o medo de que o mal maior, ainda virá. Acordar e criar coragem de levantar, ter certeza de que ficar quieto na cama, não ajudará nada.

Transbordo tristeza, um dia minha “alegria”, volta, não mais como sonho, mas como esperança. Agora é limpar todos os poros, romper todas a amarras, libertar o corpo e a mente.

Now I close my eyes
And I wonder why
I don’t despise
Now all I can do
Love what was once
So alive and new
But it’s gone from your eyes
I’d better realize
(Eyes Without a Face – Billy Idol)

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Author: admin

Nascido em Bela Cruz (Ceará - Brasil), moro em São Paulo (São Paulo - Brasil) e Brasília (DF - Brasil) Advogado e Técnico em Telecomunicações. Autor do Livro - Crise 2.0: A Taxa de Lucro Reloaded.

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