Arnobio Rocha Política A Ameaça ao Direito de Defesa

1490: A Ameaça ao Direito de Defesa


O ex-juiz propõe um estado punitivo como o das fúrias vingadoras

“Ouvi agora o que estabeleço, cidadãos de Atenas,
que julgais a primeira causa de sangue. Doravante
o povo de Egeu conservará este Conselho de Juizes,
sempre renovado, nesta Colina de Ares.
Nem anarquia, nem despotismo, esta é a norma
que a meus cidadãos aconselho observarem com respeito.
Se respeitardes, como convém, esta augusta Instituição,
tereis nela baluarte para o país, salvação para a Cidade.
Incorruptível, venerável, inflexível, tal é o Tribunal,
que aqui instituo para vigiar, sempre acordado,
sobre a Cidade que dorme”.
(Eumênides – 681 – 706 – Ésquilo)

O crime de sangue, na Grécia antiga, ou no interior do Ceará, por exemplo, era vingado de geração a geração. Orestes, era mais um vingador, volta do exílio e com ajuda de sua irmã, Electra, mata Egisto, seu padrasto e a própria mãe, pois eles haviam matado seu pai, Agamenon, o comandante em chefe das tropas gregas na guerra de Tróia.

Mas, mais uma vez, o sangue derramado, da família, tem que ser expiado, as Erínias (as Fúrias) passam a perseguir Orestes, até o julgamento final, pelos 12 sábios, tendo em Palas Athena, a presidência do júri. Apolo será o primeiro advogado de defesa, nas suas palavras:

“Jamais te trairei! Serei até o fim
teu guardião fiel, quer esteja a teu lado,
quer nos separem distâncias intermináveis,
e em tempo algum protegerei teus inimigos”.

O caloroso debate, entre o natural direito de que Orestes seja punido, defendido pelas fúrias vingadoras e o novo “direito”, representado pela defesa apaixonada de Apolo, para que se pare a matança, porá fim o antigo regime. Ali estabelece as noções elementares do novo Direito, da sociedade patriarcal, que já não admite a vingança de sangue, a brutalidade “natural”.

A razão passa a ser o guia, nas palavras de Junito de Sousa Brandão: “Atená, mais uma vez, dessa feita com o escudo da razão, restabeleceu o domínio da ordem sobre o Caos, da luz sobre as trevas, do primado do ius fori (do direito do homem) sobre o ius poli (o direito das trevas)“.

Relembrar as antigas lições gregas e romanas, abre uma janela para repudiar o que se vive no presente, diante dos ataques violentos ao Direito de Defesa, da criminalização da advocacia, da busca desesperada da volta do punitivismo primitivo, do uso do Estado como fim único, a repressão policial das demandas sociais e econômicas.

Hoje, essa luta, teve um novo capítulo, na apresentação do tal pacote “anticrime”, do ex-juiz, um declarado inimigo da advocacia, junto com seus parceiros da lavajets, especialmente os membros do Ministério Público. O discurso pontuava suas diferenças com os advogados criminalistas, em especial, um claro recado de que o direito de defesa será restrito ao seus caprichos, tal como as antigas fúrias vingadoras.

Fundamentalmente tenta se restringir as garantias constitucionais à defesa, bem como a antecipação de penas e punições, com privação de liberdade e/ou asfixia financeira do réu, ainda que não se tenha chegado ao trânsito e julgado.

Fala-se em nome da celeridade, da resposta à sociedade, contra a impunidade, um fácil discurso, populismo jurídico, que apela para os baixos institutos, ou mesmo da Vingança privada, como garantia de justiça. Candidamente confessa: “não é fascismo, é rules of law”, no seu claudicante inglês.

Voltamos às trevas, com amplo espaço midiático, que fez o ex-juiz uma estrela, um pop star, que, mais uma vez, que usa desse poder para deseducar, levar a sociedade à barbárie, aceitar a violência dos agentes do Estado como dado da realidade e lhe conceder o poder de matar, sem que se apure o ato.

É Estado de Direito que agoniza, apenas assistimos, sem que um novo Apolo apareça, ou uma Palas Atena lhe dê equidade. O Estado de Exceção, passa a ser de Regras, as mais duras e esdrúxulas, consagrando um poder despótico, violento e contra o povo.

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