883: Indignados, será que surgiu o “Novo”?

Os indignados que se confundem com o ultraliberalismo.

“Dá-se com a doutrina de Marx, neste momento, aquilo que, muitas vezes, através da História, tem acontecido com as doutrinas dos pensadores revolucionários e dos dirigentes do movimento libertador das classes oprimidas. Os grandes revolucionários foram sempre perseguidos durante a vida; a sua doutrina foi sempre alvo do ódio mais feroz, das mais furiosas campanhas de mentiras e difamação por parte das classes dominantes. Mas, depois da sua morte, tenta-se convertê-los em ídolos inofensivos, canonizá-los por assim dizer, cercar o seu nome de uma auréola de glória, para consolo” das classes oprimidas e para o seu ludíbrio, enquanto se castra a substância do seu ensinamento revolucionário, embotando-lhe o gume, aviltando-o. A burguesia e os oportunistas do movimento operário se unem presentemente para infligir ao marxismo um tal “tratamento”. Esquece-se, esbate-se, desvirtua-se o lado revolucionário, a essência revolucionária da doutrina, a sua alma revolucionária. Exalta-se e coloca-se em primeiro plano o que é ou parece aceitável para a burguesia”. (W .I. Lênin, “O Estado e a Revolução”)

É assim que Lênin resgata o pensamento de Marx, no início do livro “O Estado e a Revolução”, isto dito há quase 100 anos, imagine-se o que lemos e ouvimos hoje sobre a obra e o pensamento de Marx. Pelo que percebi no que tenho lido, agora estamos vivendo o “Novo” no movimento social e que estamos numa mudança de paradigma parecida com a mudança da” sociedade agrícola para a sociedade industrial”. Agora, tal mudança, seria da Sociedade Industrial para “Informacional”, seja lá o que diabo signifique isto. Ora, a sofisticação produtiva, não substituiu o modo de produção capitalista, nem há uma transição dele para qualquer outro modo de produção, a não ser que o tal “Capitalismo Cognitivo” seja um modo de produção “Novo”, mas falta categoria econômica e filosófica que justifique tal tese.

O debate não se pode fazer comparando a transição do modo de produção FEUDAL, agrícola, para o modo de produção Capitalista, Industrial, mesmo que ainda incipiente na época dos Ludistas, já se impunha como modo de produção determinante, que o avanço da indústria enterraria definitivamente o modo de produção feudal, do predomínio do campo sobre à cidade. Ali, temos uma mudança efetiva de sistema, aqui não há mudança no modo de produção e acumulação, não se rompe com a sociedade de classes, nem se substituiu a luta de classe, o liame que une trabalhadores e burguesia. Aleitura mais elementar do Manifesto, ajudaria a dirimir qualquer dúvida sobre  funcionamento do regime burguês, ali, Marx e Engels, definem de forma cristalina qual o objeto do Capital, o que nos parece, em essência, é o que sustenta a sociedade de classes: O Lucro.

O que se aprofunda hoje são as contradições de classes em luta, não se anunciou um novo sistema. A luta de vida e morte do Capital(K) contra o Trabalho é pela maximização da Taxa de Lucro, não existe um distencionamento dela. Na época da revolução da microeletrônica, dos sistemas digitais, ao contrário do se pensa, nunca fomos tão explorados, o tempo necessário para remuneração do trabalho produtivo é cada vez menor. A produção de riqueza material atingiu seu pico de Superprodução em 2005(EUA), 2007 (UE) e 2010(BRICS), o que leva a consequente crise mundial. A crise tem um duplo caráter: É o fim de um ciclo, mas, ao mesmo tempo o início de um novo, neste interregno há o espaço para Revolução. Tema amplamente explorado no meu livro  Crise Dois Ponto Zero – A Taxa de Lucro Reloaded.

Este espaço amplo para o debate da Crise e surgimento de novas formas de lutas não significa que o modo de produção capitalista está superado, ou que a “velha” luta de classes também foi superada. As formas de organização dos explorados são dinâmicas, respondem ao nível de consciência e de elaboração que a classe trabalhadora acumula, mas não nega a existência da luta de classes. Tentar substituir as experiências históricas dos trabalhadores por uma “geléia geral” não nos parece uma coisa “Nova”, a tentativa de diluição das organizações, dos partidos, sindicatos em nome de que a “história acabou” com o fim da Ex-URSS, agora, de que a sociedade industrial ruiu dando lugar a “Informacional” é de uma vulgaridade teórica das mais absurdas, sem nenhum pé na realidade da economia e da luta de classes.

No último trecho do meu livro( “ESTADO GOTHAM CITY E INDIGNADOS”) trato justamente deste movimento dos indignados versus “Estado Gotham City”, reconhecido aqui como mais uma forma de luta dos trabalhadores, porém com limites bem definidos, quando se nega a lutar pelo Poder e derrubar o Capital, casos da Espanha, com M15 ou da Itália com 5S, que parece ser a mesma lógica do que se apresenta no Brasil como o “Novo”. Assim caracterizei:

“Pelo lado dos trabalhadores e da população em geral, vimos que se organizam na Europa, no Oriente Médio e nos EUA em vários movimentos de indignados. Mas o que importa é identificar se há planos claros de ruptura com o sistema ou mesmo propostas dentro do sistema que, de forma objetiva, apontem alguma saída da crise. Várias vezes debati o papel dos indignados na série Crise 2.0.

As famosas manifestações da Primavera Árabe, com auge no Egito, rapidamente se estenderam à Europa. O país mais atingindo pela crise, sem dúvida, foi a Grécia. A resistência tem sido heroica, lembrando seu passado mitológico. A Puerta Del Sol em Madri é o símbolo de luta e resistência dos trabalhadores e do povo espanhol. As rebeliões de Londres, numa onda que misturava protesto e vandalismo, mostrou que a luta é a saída para as regiões mais excluídas, apesar da repressão violenta. A ocupação de Wall Street foi indício de que a resistência chegara ao coração do sistema. O amplo empobrecimento, os seguidos planos que salvam a pele dos bilionários não são digeridos pacificamente por trabalhadores e estudantes.

 E o futuro? O caso da Espanha é emblemático. 

  • A Primavera de Madri/Barcelona deu frutos ou se esvaziou?
  • Os indignados desmascararam o governo “socialista”, mas com a forte abstenção que defenderam deram combustível à direita. Isso adiantou?
  • O movimento forjou qualquer plataforma alternativa de poder ou mesmo de governo?
  • Apenas se indignar com os políticos não leva à despolitização geral?

Para mim ficou claro que todos estes movimentos que questionam o sistema estabelecido, mas não propõem alternativa de poder ou de governo acabam em imensa frustração e despolitização, alimentado a direita, que galvaniza a revolta para seus interesses. Foi o que aconteceu na Espanha e em outros países, fechando-se a vaga histórica de um período revolucionário, como procurei demonstrar em “Crise 2.0: Direita, Volver!”

Os limites destes movimentos estão no vazio de propostas alternativas. A exceção seria a Grécia. O caminho do Syriza, o pequeno partido grego de esquerda que ousou enfrentar as forças políticas tradicionais e disputou firmemente as eleições, conquistando amplo crescimento, é uma alternativa clara aos governos-fantoches da Troika. Este é o rumo para os trabalhadores e o povo em geral, que pagam a dura conta da crise”.

O Estado Gotham City é a síntese da Crise 2.0, ele é, ao mesmo tempo, causa e resultado da maior crise do Capital desde 1929, uma crise que denomino de paradigmática, aquela que muda e aprofunda os controles do sistema. Do ponto de vista do Estado ele começa a ser forjado no final dos ano de 1970, com a Crise do Petróleo e das Dívidas externas no início dos anos de 1980. Precisamente com Reagan e Volcker(FED) o Goldman Sachs captura o Estado para sí e começa a determinar a ordem do capital financeiro.

Os 25 anos de longo domínio desta lógica de funcionar do Capital encontrou limites na Crise 2.0 e na resistência do velho Estado de Bem Estar Social, que trava a “liberdade” total de movimentos mundiais do Capital. A Crise é o problema-solução, toda uma nova ordem pode advir dela, inclusive a Revolução. Mas, descartada a Revolução de ruptura, o Capital faz a sua própria revolução, ou melhor, impõe uma dura mudança dentro do sistema que lhe mais favorece, em detrimento dos trabalhadores e da sociedade. A face mais visível é a repressão aberta, ou a sutil, a do controle de tudo que acontece na sociedade para melhor dominá-la.

A democracia passa a ser um “estorvo”, os velhos políticos ou as velhas formas de representação são tragados ao caos, esta aparente desordem esconde o “Novo”, um estado controlador, espião, policial que consegue galvanizar as revoltas não contra si, mas contra a própria democracia, vide Egito, Turquia e agora no Brasil. As massas perdidas gritando contra as instituições, contra os políticos, mas não contra o Estado. Aliás, este ganha força com as propostas de intervenções das “forças da Ordem” ou o surgimento de um Batman, de um herói que ajude a criar mais uma “máscara” e proteja o Estado Gotham City”.

Insisto que, a “Nova Ordem” busca esconder a ação do Estado, com o ultraliberalismo, quase um semi-estado, mas na verdade é um Estado muito mais forte, de exceção, sem democracia, povo e representação. A horizontalidade, exigida pelas multidões, casará, em essência, com os desejos da burocracia, numa dominação de massas de forma eficaz, pois se suprime a representação e seus intermediários (Partidos, Sindicatos, Organizações) tidos como desmoralizados, tudo se diluí em “movimento” em “Redes” (M15, 5 S, Sustentável,Tea Party) e “Indignados”, facilitando enormemente a cooptação e o combate de ideias.

Em síntese, o “Novo” é uma visão tolerada e aceita, pois favorece a dispersão ampla e irrestrita pois não questiona o fundamental: O Poder.

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Author: admin

Nascido em Bela Cruz (Ceará - Brasil), moro em São Paulo (São Paulo - Brasil) e Brasília (DF - Brasil) Advogado e Técnico em Telecomunicações. Autor do Livro - Crise 2.0: A Taxa de Lucro Reloaded.

2 thoughts on “883: Indignados, será que surgiu o “Novo”?

  1. Precisamos compreender totalmente o significado desses movimentos de massa e dessas denuncias. Como isso irá afetar o desempenhos desses políticos nas eleições de 2014. O estudo das eleições passadas pode nos dar algumas pistas sobre o perfil do candidato e de seus eleitores e como ele se encaixa nesse novo cenário. Que mudanças o candidato tem que fazer na sua postura e programas para atender a este novo eleitor.

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