Este texto é um somatório, ou melhor, uma síntese de três ou quatro artigos sobre Economia Política Mundial, que estavam focados na Crise 2.0 e os cenários globais de retomada ou de mais queda da Economia. Resolvi fundi-los num artigo mais completo, que condensará várias análises parciais. Os ritmos são claramente distintos nas economias centrais, o processo dos EUA se esgotou com o fim do Estado Neoliberal, enquanto que na Europa, nem toda experiência deste Estado foi devidamente explorada, podendo, inclusive, nem ser, pois a crise varrerá esta alternativa, o Estado Neoliberal.
Economia e Política
O ajuste de análise agora é buscar entender o que aconteceu, quais as falhas sistêmicas que levou o mundo a continuar a se mover na areia movediça da grande crise? Recuemos um pouco para melhor entendimento dos por quês. Divido as crises em grandes ciclos, que são entremeados por crises gerais ou paradigmáticas, assim teríamos três grandes crises sistêmicas globais: a de 1873-1891, a de 1929-1939 e a atual. Estas crises são de superprodução, que abalam e impõem novos paradigmas para a Economia, nestes longos ciclos, que separam as grandes crises, temos os ciclos menores de crises imensas, que funcionam como ajustes pontuais num grande ciclo. Como por exemplo, a crise do petróleo (de 1968 a 1974), a crise das dívidas externas (de 1980 a 1987), e as breves crises dos Tigres Asiáticos (1994) e Crise Russa (1997).
O grande ajuste da economia na crise 1873-1891 foi a ter se oligopolizado, iniciando assim a época de um novo imperialismo que redundará na primeira grande guerra e a revolução russa. Do ponto de vista produtivo, a saída do capital foi a mundialização da indústria e comércio, a introdução de novas técnicas produtivas, o que permitiu a recomposição das taxas de lucros, mas num mercado em disputa sangrenta, sem uma regulação clara, os Estado nacionais deram a dinâmica para a futura ruptura armada.
Com a grande crise de 1929-1939, houve o esgotamento completo do modelo de acumulação anterior, alguns países devastados pela primeira guerra tiveram dificuldades em se recompor, enquanto os vencedores pouco puderam desfrutar do espólio de guerra. A crise começa com o Crash da bolsa de valores de Nova York, já o centro do capitalismo mundial, se espalha por todas as regiões, uma queima imensa de forças produtivas, um longo período de desemprego massivo e falência. A saída, para esta enorme crise, foi o fortalecimento do Estado, a regulação e mais uma vez uma grande guerra, que ajudou a redefinir os novos donos do mundo.
O próprio Plano Marshall, feito pelos EUA para reconstrução da Europa, é um claro sinal de quem controlará o mundo, assim como quem determinará o novo modelo de acumulação, crescimento e lucro. A bipolaridade do pós-guerra se dá por, de um lado o Estado centralizado com distribuição controlado de riquezas, via burocracia de estado, do outro lado o Estado, também centralizado, distribui de forma privada os ganhos coletivos, seu controle é feito por grandes corporações privadas, a própria indústria armamentista é uma expressão deste modelo.
Com a inflexão do padrão ouro, depois do fim de Bretton Woods, o modelo começa a se ajustar, as crises de 68-74 e de 80-87, é a forma de ruptura ao modelo de Estado Centralizado, a bipolaridade vai se romper no fim dos anos 80. A Perestroika dos EUA/Europa (em parte) é bem sucedida, enquanto a do leste levou a sua completa ruptura. O germe do novo modelo, o Semi-Estado, se dará de forma violenta, algo que se espelhará na América Latina, ambos com processos violentos de privatização e perda de direitos sociais substanciais. A ciranda financeira global, vitoriosa nos anos 70, se impõe ao mundo, todo o capital é submetido a ela.
Os EUA e a Nova Crise
Os EUA patinam numa dinâmica econômica distinta do resto do mundo, o auge da superprodução do Capital, por volta de 2005, reduziu drasticamente o desemprego e a miséria, apesar de grande, se concentrava nos guetos pobres formados por negros ou latinos, mas com bolsões de riquezas dentro destes dois grupos. Os números indicavam desemprego de 4,9%( cerca de 6,8 milhões de trabalhadores da PEA), enquanto os beneficiários dos Food Stamps(um espécie de Bolsa Família) era de 28 milhões de pessoas. Foi o auge de uma época, vencidos os “inimigos” do leste, mas, já sob pressão dos “novos inimigos”, afinal império não sobrevive sem guerra, sem flexionar seus músculos. Por volta de julho/agosto daquele ano, começa um amplo processo de pulverização dos ganhos. Por dois anos os bancos se entupiram de créditos podres, os títulos tóxicos, sem nenhum controle da SEC ou FED, o que os leva a imensas quebras durante o ano de 2008, culminando com o Lehman Brothers um dos maiores bancos do mundo.
Passados sete anos, entrando no oitavo ano da grande crise, os números ruins da Economia chegaram ao seu auge, em 2011, desemprego aos 9,2% (cerca de 14,8 milhões de trabalhadores), com 45 milhões de pessoas usando os Food Stamps. A renda média dos trabalhadores tinha caído 40%. Os planos que torraram cinco trilhões de dólares, apenas entre 2007 e 2009, ou cerca de 1/3 do PIB dos EUA foram quase que integralmente destinado aos bancos e para as grandes empresas. Apesar disto, a economia não reagiu de forma ampla, apenas no último trimestre de 2011, com o último acordo fiscal começou uma dinâmica de retomada, o que se confirmou em 2012, porém uma nova queda no quarto trimestre de 2012 voltou às incertezas.
Mesmo com esta pequena melhora os números não retomam nem de longe aos dados de 2005, já sendo aceito que o patamar mínimo de desemprego não será inferior aos 6.9%( 11 milhões de trabalhadores), o que se reflete no Food Stamps que pouco caiu, mesmo com a diminuição do desemprego, pois a massa salarial é infinitamente menor à anterior. A batalha do Obama II, mais imediata, foi evitar o “abismo fiscal”, mesmo com o acordo no Senado conseguido no último dia do ano, foi apenas uma pequena solução de continuidade. As divisões, mesmo entre as frações do Capital, continuam acirradas, pois não há um “plano” comum, que aponte para um novo e longo ciclo do Capital.
A UE e a Crise
A Europa, que acabou de se unificar, e vivia período de crescimento e de grande otimismo, mas fruto do modelo de créditos sem limites, os bancos alemães e franceses entupiram a periferia de capital, numa ciranda mágica de opulência sem fim. Países como Espanha, Portugal e Grécia foram artificialmente “enriquecidos”, o leste já não existia para assustá-los, o modelo não era distributivo, sim de empréstimo sem lastro na economia real. A Alemanha é o carro chefe do modelo, com sua grande produtividade e produção tecnológica, além dos maiores bancos a financiar o seu comércio externo, fez com que a Europa inteira se tornasse dependente completa de seus produtos e serviços.
Em menos de 10 anos, o superávit comercial alemão ultrapassou 1 trilhão de Euros, porém com a queda dos EUA, dois anos depois(2007) os mesmos sintomas da superprodução abalou a Zona do Euro. Com um agravante ainda maior, do que nos EUA, não há centralidade política ou fiscal, apenas um amplo acordo de moeda única e “livre comércio” que deve ser lido como: da Alemanha para os demais.
A Europa entra no seu sexto ano de crise, com um novo choque, denominado por Austeridade, ou o aprofundamento da solução “neoliberal”, porém já dando sinais evidentes de fracasso cabal deste tipo de saída. Entretanto, nos parece crucial, do ponto de vista do Capital, que as antigas glórias do Estado de Bem Estar Social sejam quebradas, a situação parece em muito com o que a América Latina viveu nos anos 80/90, também similar a do leste europeu. O Capital precisa de “sangue novo”, das antigas estatais, dos cortes sociais, da concentração bancária e fiscal.
A “nova” etapa, decidida em outubro de 2011, uma união fiscal, combinada com a punição aos que não cumprirem as metas, uma imposição da Alemanha, que inclusive não as cumpre, mas tem o Poder de impor aos demais uma disciplina rígida, que em nada salvará o Euro. Passado 18 meses da decisão, Merkel, em plena campanha eleitoral, se deu conta de que já não é possível seguir no mesmo rumo, a crise piorou generalizadamente, praticamente sugou a Espanha, depois de já terem perdido, Portugal, Irlanda e Grécia. A realidade é que a Austeridade se mostrou ineficaz, principalmente num ambiente de retrocesso econômico.
O principal recuo, depois destes países, foi o da própria Alemanha, o carro-chefe da economia da UE, depois de se beneficiar longamente da crise de seus parceiros, conseguindo “crescer” no meio do caos, 2012, foi de retrocesso. A luz amarela se acendeu, a mudança de conduta de Merkel, parte tem a ver com as eleições gerais que se avizinha, ela tentará o terceiro mandato, sendo favorita, mas com diminuição significativa da maioria parlamentar. Ela tem que se reinventar, mas a questão maior é que a queda da economia vai cobrar um preço alto do país, os números da OCDE apontam para isto.
A UE vai fazer uma importante mudança de ajuste, o controle bancário, Merkel, que era contra, agora se apresenta como a artífice da nova era de regulação. Segundo a agência Reuters, a Chanceler disse que ”a importância do acordo alcançado esta noite sobre as bases legais e principais aspectos de um mecanismo de supervisão para bancos não pode ser estimado… Nós tivemos sucesso em garantir as principais exigências da Alemanha“, disse Merkel à câmara baixa do Parlamento, a Bundestag. “Teremos uma separação clara da responsabilidade para política monetária e da supervisão bancária”. (Reuters via Estadão, 13/12/2012).
De olho na crise que ameaça agora também a Alemanha, uma “nova” Merkel ressurge, na mesma nota da agência diz que “Merkel, que viaja a Bruxelas ainda nesta quinta-feira para uma cúpula de líderes da UE, afirmou que vê boas chances de implementar uma nova taxa sobre transações financeiras envolvendo 11 países membros da zona do euro. A líder alemã também elogiou os esforços de reforma do governo grego e afirmou esperar que os ministros das Finanças da zona do euro aprovem nesta quinta-feira o pagamento de novos empréstimos ao país”. Quem nos acompanha, percebe esta clara mudança, não é de graça.
BRICS e o Brasil
Sem EUA e UE, com o Japão afundando numa dívida pública que supera 240% do seu PIB, o mundo abriu “vaga” para novos atores, como os BRICS( Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) que através do G20, desbancou o clube fechado do antigo G7, que explodiu com a Crise 2.0. Exceto a China, que mantém uma estrutura estatal controlada de forma central, os demais países do grupo já passaram por toda sorte de ajustes, com desmonte do Estado, várias quebras econômicas, mas que sobreviveram à hecatombe da Crise atual.
De toda sorte, os BRICS enfrentam desafios próprios de grandes complexidades como infraestrutura, cadeia produtiva e principalmente crédito. As torneiras fechadas nos EUA e Europa pioraram o ambiente nos últimos dois anos, mesmo as soluções de financiamento mútuo, ou de cesta de moedas comuns que substitua o Euro e o Dólar nas transações comerciais entre estes parceiros, não foram plenamente postas em funcionamento. Os próximos dois anos com os números incertos dos EUA e o retrocesso da UE sobrarão ao mundo os BRICS como alternativa de crescimento e de modelo de combate à Crise.
O ambiente geral é complicado, se em 2007/2008 os EUA caíram economicamente, mas a Zona do Euro se manteve por mais dois anos, os BRICS tem na Zona do Euro seu maior financiador. A China, recebe cerca de 25% dos investimentos gerais, o Brasil com 15% vindos das UE. Com a Crise de 2011, houve um fechamento de torneiras dos financiamentos externos, tão essenciais a estes países, devido a baixa poupança interna. Além disto, as importações da UE da China caíram 7% em 2012. O mesmo se deve repetir com o Brasil. Os dados da evolução do PIB do Brasil nos últimos dez anos, também vai nos ajudar a entender como a crise geral se expressará aqui:
Olhando, atentamente, para estes números, percebemos que houve um ciclo virtuoso, que vai de 2004 a 2008, cinco anos de intenso crescimento, que se interrompeu apenas em 2009, com o momento mais crítico da economia dos EUA e UE, que fecharam suas torneiras, o que ameaçou o mundo inteiro.
A Saída Brasileira para a Crise
A aposta de Lula, seguida por Dilma era de que ou EUA ou UE superariam a crise em 3 ou 4 anos, o que parecia plausível, naquele distante novembro de 2008, então o Brasil, soltou às amarras da economia para crescer e aguardar que um novo ciclo se iniciasse. O que percebemos é que o auge deste processo se deu até julho de 2010, o ciclo virtuoso começava a ter problemas, nomeadamente à paralisia do mercado mundial e a inflação que ameaçava o crescimento interno. Em agosto de 2010 começa um lento processo de ajuste, uma tentativa de acomodação “suave” do Brasil diante da Crise, se percebe que a duração da crise econômica mundial seria mais longa, nem os EUA e muitos menos a Europa deu sinal de que retomaria um ciclo virtuoso. Ao contrário, os constantes QE( expansão da base monetária) exportava a inflação do centro para o mundo, o que dificulta em muito os ajustes locais
O Governo Dilma
Dilma recebe o governo bem melhor de quando Lula recebeu de FHC, mas numa turbulência mundial muito maior, a crise, na Europa, por exemplo, ameaça se tornar um cenário de recessão longa. Os EUA com sua tímida retomada, não garante um novo ciclo de crescimento, principalmente porque a ameaça passou a ser Zona do Euro. São dois anos de voo baixo, lutando a duras penas para não pousar de vez, com resultados ainda significativos, como o mercado de trabalho em expansão.
Quem apenas ler as manchetes dos jornais do Brasil, entra em pânico, afinal o FMI e a OCDE diz que o PIB brasileiro cresceu “apenas” 0,9% em 2012. Parece regra geral da grande mídia local “assustar” e criar um clima de desespero geral, deixando para matérias internas alguma verdade, que inclusive negam a manchete principal. Mas não são apenas a grande mídia que acossa o governo, do lado de cá a pressão é a mesma ou maior, grande parte de nós não consegue refletir o exato momento que o país atravessa. Claro que há um erro grave de comunicação do governo, mas também não há esforço em entender o que se passa.
A terceira eleição Petista, num ambiente de crescimento interno, mas que externamente, a crise só recrudescia, levou objetivamente a uma mudança de rumos, recuos necessários e claros, para uma longa transição econômica local, quase que isolada por um mundo em queda. Esquecer este “pequeno” detalhe é imperdoável para qualquer posicionamento sério. Dilma recebeu um país infinitamente melhor do que Lula recebera, mas os desafios colocados são bem mais complexos, o mundo inteiramente interligado facilitou uma ampla expansão de exportações com Lula, mas agora se restringe com a Crise.
A economia é a centralidade do governo, não é economicismo, é a realidade, renegar isto, ou partir para “aventuras” pode nos levar de volta ao passado, basta ver o nosso vizinho-irmão, a Argentina, não adianta fazer estripulias, depois o país não ter saída. O Brasil hoje é a sexta maior economia, tem mais responsabilidades, é uma economia muito mais complexa, que enfrenta uma crise externa terrível, quem me ler no Crise 2.0, sabe bem do que se trata. Aqui, não é absolver o modo Dilma de governar, mas entender o que se passa, o que se pode fazer neste momento.
A resposta, agora, parece clara, sim, a Crise 2.0 chegou aqui, por volta de agosto de 2010, mas o Brasil não vergou o que é muito, muitíssimo. Mesmo num cenário pessimista da OCDE, o Brasil não recuará mais, mas o nível de compreensão e apoio terá que ser maior, muito maior. Os altos índices de popularidade demonstram a confiança no governo, mesmo com baixo crescimento geral, uma série de medidas aproximou o governo do dia a dia das pessoas, a tarefa é enorme, não cair e ser esperança para os BRICS e também para o mundo.
Conclusão
As soluções para Europa parecem ainda mais distantes que as dos EUA. Os dois lados (FED e BCE) atuaram conjuntamente nos imensos QE’s( Expansão da Base Monetária), no caso europeu serviu de recapitalização dos bancos, uma espécie de “pagamento” aos empréstimos não pagos pelas economias mais destruídas pela crise. Há um imenso estoque de títulos e moedas, sem que se empreste a ninguém pois a remuneração é baixíssima e sem garantia de que se pague, casos de Espanha e Itália. Provavelmente será usada nas privatizações que desmontarão os Estados, já quase sem soberania.
Destarte, a crise tende a permanecer por mais tempo, não haverá trégua, mas nada indica que seja “Crise Terminal”, que o Capital vai cair de podre e outras falácias. Nestes momentos, em que o sistema entra em curto-circuito, vai se abrindo possibilidades históricas de seu total questionamento, de sua ruptura, mas não significa o fim por si, precisa da ação consciente para romper. Pelo que verificamos, não gestamos forças para este momento, nem para nos defender dos males terríveis das forças produtivas, que significa, em última análise, que os trabalhadores e o povo pagam a dolorosa conta da Crise.