“Se tem que já, não será depois; se não for depois, é que vai ser agora, se não for agora, é que poderá ser mais tarde. O principal é estarmos preparados, uma vez que ninguém sabe o que deixam que importa que seja logo? que seja!” ( Hamlet- WS)
A terceira parte desta Crise 2.0, que começou nestes artigos anteriores:
1) Crise 2.0 – Desdobramentos;
2) Crise Mundial 2.0 (2008-2011)
A localização da crise atual leva-nos diretamente ao reestudo de Marx e sua atualidade nos elementos de análises do capital e sua consequente crise. Neste momento há confrontos de visões não apenas da fase da crise, mas o tipo de crise que se gesta no centro do poder mundial.
Crise de Superprodução ou Terminal
Este último mês foi uma demonstração clara de que todas as políticas e medidas econômicas adotadas, quer no EUA, quer na Zona do Euro, têm redundado em fracasso, Trilhões de dólares despejados têm efeito nulo na complexa paralisia que atinge o coração do capitalismo. Os mais apressados, ou desavisados, apontam para crise terminal, como se isto fosse conceito em Marx; não é, apenas uma leitura vulgar dele leva a esta conclusão, que desarma a classe e “facilita” a conclusão, mas cria um problema: quando o capital se recompõe, ou pior, não, o que os fatalistas dizem?
Leonardo Boff, num pequeno artigo, advoga diretamente que a crise atual é TERMINAL, e numa leitura bastante simplista, próxima do pensamento de Rosa Luxemburgo, nos diz:
“duas razões me levam a esta interpretação(..) A primeira é a seguinte: a crise é terminal porque todos nós, mas particularmente, o capitalismo, encostamos nos limites da Terra. Ocupamos, depredando, todo o planeta, desfazendo seu sutil equilíbrio e exaurindo excessivamente seus bens e serviços a ponto de ele não conseguir, sozinho, repor o que lhes foi sequestrado. (…)
A segunda razão está ligada à crise humanitária que o capitalismo está gerando. Antes se restringia aos países periféricos. Hoje é global e atingiu os países centrais. Não se pode resolver a questão econômica desmontando a sociedade. As vítimas, entrelaças por novas avenidas de comunicação, resistem, se rebelam e ameaçam a ordem vigente.”
Este debate, para além da atualidade, já foi vencido nas polêmicas com Rosa Luxemburgo, que via sinceramente um vácuo na análise de Marx em relação à crise. Apressadamente ela concluiu que a crise, por exemplo, na fase imperialista que culmina com a Primeira Guerra, era uma crise terminal: o capital atingindo “todos os poros do planeta” e se desenvolvendo continuamente não terá como se reproduzir, ou não terá “elementos de mais-valia”, vital para sua existência.
Resgatando um pequeno trecho do Capital, mesmo distante do atual momento de desenvolvimento capitalista, mas com uma visão extremamente coerente com os elementos de estruturação da economia, Marx vislumbra o cerne da crise. Leiamos in verbis:
“A destruição principal, e de caráter mais agudo, atingiria os valores-capital, o capital na medida em que configura a propriedade valor. A parte do valor capital na forma apenas de direitos a participações futuras na mais-valia, no lucro, na realidade meros títulos de crédito sobre a produção em diversas modalidades, logo se deprecia com a queda das receitas que servem de base para determiná-la. Parte do ouro e da prata em espécie fica ociosa, não funcionando como capital. Parte das mercadorias que estão no mercado só pode efetuar o processo de circulação e de reprodução com enorme contração de preços, portanto por meio de depreciação do capital que ela representa. Do mesmo modo depreciam-se mais ou menos os elementos do capital fixo. Acresce que relações de preços determinadas, de antemão estabelecidas, condicionam o processo de reprodução, e por isso a queda geral de preços estagna-o e desorganiza-o. Essa perturbação e essa estagnação paralisam a função de meio de pagamento, exercida pelo dinheiro, ligada ao desenvolvimento do capital e baseada sobre aquelas relações de preços pressupostas; interrompem em inúmeros pontos a cadeia das obrigações de pagamento em prazos determinados, e se agravam com o conseqüente desmoronamento do sistema de crédito que se desenvolve junto com o capital. Assim redundam em crises violentas, agudas, em depreciações bruscas, brutais, em estagnação e perturbações físicas do processo de reprodução e, por conseguinte, em decréscimo real da reprodução” (Marx, Capital, L-III, V-IV, p. 292)
Novos e piores números da economia mundial
A grande novidade da atual crise econômica é que ela se instalou onde se concentram 2/3 da economia mundial, EUA, Europa e Japão. Os números do antigo G7 são francamente alarmantes, e mais e mais apontam para o agravamento da situação, conforme tabela abaixo:
Aliadas às imensas dívidas dos estados, usadas para salvar os bancos e manter os lucros privados, as perspectivas de crescimento são reduzidas e o aumento do desemprego é a face mais cruel do atual momento. Milhões de trabalhadores vítimas da crise são relegados à miséria e toda ajuda é para o capital. Nos EUA, a bolsa-família atingiu 46 milhões de pessoas neste mês de agosto (2011).
A Grécia, que recebeu um pacote de ajuda de 159 bilhões de euros, em menos de um mês, é declarada insolvente. Esta situação coloca em xeque os principais bancos da França e da Alemanha, que detêm 66% dos títulos “podres” gregos, conforme tabela abaixo:
A situação de Portugal também só piorou neste último mês. O presidente do importante grupo português Jeronimo Martins, Alexandre Soares, resumiu bem o momento financeiro do país: “Estamos falidos. A única coisa que temos de fazer em conjunto é darmos a mão e recuperamos o país trabalhando”. Na semana passada foi anunciado um plano de ampla privatização para arrecadar 7 bilhões de euros, com um pedido especial para que as empresas brasileiras participem deste processo. Não custa lembrar a inversão de valores: FHC em 1996 se humilhando frente a Portugal e Espanha para que viessem comprar as estatais brasileiras (seria cômico se não fosse trágico).
A Itália do bufão Berlusconi cai a olhos nus. Sua economia decadente desde pelo menos 1996 se arrasta lentamente ao caos; os trabalhadores italianos só ganham mais do que gregos e portugueses — um empobrecimento explícito num país controlado por um ‘pequeno e medíocre” ditador, que atropela seguidamente o estado de direito, uma sociedade que não reage ao caos. Vem a lembrança da “operação mãos limpas”, que redundou na elevação do que há de pior na escória política da velha bota, o neofascismo burlesco. Hoje seus títulos soberanos foram rebaixados por uma das “famosas” agências de risco, a S&P. Para fechar, a perspectiva de queda no PIB e o plano de austeridade, que não será implementado como concebido.
Paul Krugman propõe implicitamente o abandono ao léu de Portugal e Grécia e a concentração dos recursos em Espanha e Itália. “O que Trichet e seus colegas deveriam estar fazendo, neste momento, é comprar os títulos da dívida espanhola e italiana – ou seja, fazer o que esses países estariam fazendo por conta própria se ainda tivessem suas próprias moedas.” Pois representam 1/3 da Zona do Euro e podem levar toda a Europa ao abismo, enquanto aqueles são apenas “periféricos”, afundam por sua inapetência.
Por fim, Obama lança o 10º plano de salvamento da economia americana, agora um duro corte no orçamento na ordem de 4 trilhões de dólares. Mas, por debaixo do pano (ou plano), 2,6 trilhões são resgate dos títulos não pagos em 2008. A dívida de fantásticos 14 trilhões emperra o governo Obama. Mas a alvissareira notícia é a manifestação em Wall Street, que está cercada desde sábado, 17 de setembro, um marco de que a primavera de protesto chega aos EUA.
A situação dos BRICs é de profunda apreensão: após o que se conseguiu de capital e importância política por enfrentar e vencer a primeira grande onda de crise em 2008, começa a tomar corpo um movimento de longo debate sobre o que fazer. As medidas tomadas em conjunto naquela época apostavam que ou EUA ou Europa sairia da crise em 2, 3 anos. Porém, o que se percebe é o recrudescimento de sua fase 2.0, muito mais cruel e funda. Sobra pouco espaço de manobra. O Brasil aponta agora para mergulhar fundo no mercado interno, com medidas de proteção à indústria, aos empregos locais, a perspectiva de diminuição de juros e consumo no país, a recomposição do dólar, mesmo com risco de aumento da inflação, tudo faz parte deste novo momento.
Os BRICs também pensam conjuntamente em participar do processo de resgate das economias europeias, seja via privatizações, seja comprando títulos dos países em crise; a China, que tem as maiores reservas, já definiu claramente sua estratégia: como contrapartida exige que a Europa a reconheça como economia de mercado, o que beneficia suas empresas a penetrarem com mais facilidade no Velho Continente.
O mundo está em ebulição. Lamentavelmente, limitamo-nos a analisar os desdobramentos da crise e a mutação da economia. Sem forjar uma alternativa de classe, viramos meros analistas do caos.
É sério esse endividamento/PIB do Japão e da Itália? Fuuuuuuuuuu
“sem forjar uma alternativa de classe, viramos meros analistas do caos”, Perfeito, Arnobio!
Assino embaixo do que disse o Giovanni! Realmente, desconhecia esse nível de endividamento. Até o da Alemanha espanta!
Show também a frase sobre a alternativa de classe! Mas vem cá, o que mais a classe trabalhadora pode fazer? Já propusemos várias alternativas, o capital derruba uma por uma, da URS às teses do Amartya Sen. Sinceramente, acho que a salvação é o Lula partir pra uma Caravana da Cidadania mundo afora, ensinando o que fazer!