“Ser ou não ser… Eis a questão. Que é mais nobre para a alma: suportar os dardos e arremessos do fado sempre adverso, ou armar-se contra um mar de desventuras e dar-lhes fim tentando resistir-lhes? Morrer… dormir… mais nada… ” (Hamlet – WS)
Uma imagem me assombra, o medo de saber do medo que corrói o coração da minha pequena filha, o silêncio e nenhuma fala dela sobre o que sente ou se passa consigo me atormenta, pois racionalmente é impossível ser indiferente ao que estamos vivendo, mas como abordar? Será melhor fingir que nada há?
Esta dor no peito que nunca passa o extremo cansaço do corpo, a mente que não para de funcionar nunca, a necessidade de parecer forte, jamais chorar ou demonstrar sofrimento piora ainda à dor e a angustia, as incertezas sobre o porvir é a única certeza que carrego no dia a dia. Aliás, conto os dias feito presidiário, afinal qual diferença há entre a minha vida e a prisão?
Minha única fuga neste momento é escrever compulsivamente, a vontade de ler não há, mas o cansaço mental muitas vezes trava. Difícil explicitar o que me cerca, então apelo para viagens literárias, ou contar as viagens reais, talvez ver o que acontece no mundo, momento tão rico e confuso, as mil possibilidades históricas que se abrem, mas ao mesmo tempo se fecham e pouco ou nada posso fazer.
Cada dia fico mais ácido, sei lá talvez mais lúcido, mas o que me oprime não devo usar para julgar ou oprimir ninguém, afinal o que vivo é só meu, não interessa a ninguém, a vida segue para cada um, inclusive para mim.
Trabalho de “corpo presente” nada mais que isto, a distância é enorme do que fazia e do que quero fazer, até coisas simples como ler um email ou escrever um me desanima. A rotina de vir, sentar-se à mesa, executar tarefas, análises de problemas, apontar soluções, é feita via “piloto automático” a longa experiência me ajuda a apenas ligar o botão do automático, mas não me ajuda a interagir com o que faço. Quanto menos falar, ou até lembrar-se do que é o mundo do trabalho, melhor.
Alguns dos grandes amigos se afastaram, o que é natural e humano, a dolorosa catábase e a posterior Anábase é nossa, a vida segue e nossa montanha de problemas numa grande cidade não admite partilhar mais um problema de um terceiro. A solidariedade real e sincera nos alimenta, enche de esperança e fé, mas sei do que temos que viver, não há como partilhar, nem é justo exigir de ninguém mais do que fazem.
O que vejo hoje jamais foi pensado ontem, a minha existência está partida ao meio, este hiato, entre os momentos, dura uma infinidade que segundos e minutos correm devagar, as horas fecham, os dias terminam, tudo impulsinam para frente, porém mais o fosso se abre. O desvão é longo, estou suspenso no ar: Vida, projetos, sentimentos.
Um dia o tempo acaba e possa olhar para trás e reler o que escrevi, mas não sei com que olhos, porque simultaneamente tenho a obrigação de comemorar cada dia vencido com ela. A dor que ela sente é infinitamente superior a minha só me resta chorar escondido e representar com alguma dignidade meu papel. A vida segue…
“Imaginar que um sono põe remate aos sofrimentos do coração e aos golpes infinitos que constituem a natural herança da carne, é solução para almejar-se. Morrer.., dormir… dormir… Talvez sonhar… É aí que bate o ponto. O não sabermos que sonhos poderá trazer o sono da morte, quando ao fim desenrolarmos toda a meada mortal, nos põe suspensos.É essa idéia que torna verdadeira calamidade a vida assim tão longa!” (Hamlet – WS)
arrasada… muita coragem, meu irmao, é o que te resta. a mim, torcer por ti.
Silêncio não por falta do que falar, mas por respeito à catarse.
não suportar os dardos…tampouco armar-se…apenas deixar-se amar sem resistência.
De longe, imagino seu sofrimento…
Pode ter certeza que no final, você verá que de alguma forma isso foi um aprendizado.
És um grande pai, não duvide disso.
Rezo muito por vocês e estarei sempre aqui pro que precisarem.
A única coisa que posso te dizer é que tente empurrar a pedra ao cume, como Sísifo, mas não por uma condenação como foi seu caso, mas como um presente silencioso e profundo que a vida inevitavelmente te proporcionou, pra você crescer como pai, marido, homem e amigo. Poucas coisas ficam: pessoas, que apesar da correria ensandecida, reservam tempo pra você, pessoas que são capazes de pular de uma ponte por você e pessoas que vêem teu sofrimento e também querem entendê-lo e se aproximar dele como vc faz. Uma dessas pessoas pode ser sua filha querida, que acredite, não a conheço, mas acho q ela quer um pai que é humano, que sente, chora, se angustia… pensa nisso…