Arnobio Rocha Reflexões Carta à Luana – Que Seja Feliz em sua nova Casa.

Carta à Luana – Que Seja Feliz em sua nova Casa.


Lua, a brilhante bailarina.

Já vou embora
Mas sei que vou voltar
Amor não chora
Se eu volto é pra ficar
(canção da despedida – Geraldo Azevedo e Geraldo Vandré)

“Minha pequena Luana,

Li no seu perfil do Facebook que “mudou-se para Fortaleza”. Aquilo fez cair a ficha de que realmente você foi de verdade, o coração ficou mais apertado e de certa forma cumprirá uma viagem oposto a minha e da sua mãe, que saímos de Fortaleza e nos mudamos para São Paulo, nos conhecemos aqui, e não voltamos para nossa terra, nossa tribo, nossas origens.

Talvez não saiba ou não lembre, mas vou te contar minha ilíada, a vinda para São Paulo, pois, de certa forma, você iniciou a nossa Odisseia, o retorno mítico à ítaca.

Saí de Fortaleza com uma mala, poucas roupas e algum dinheiro que mal daria para uns 15 dias, um documento de conclusão de Telecomunicações Escola Técnica Federal do Ceará, e nada, além de muitos sonhos e todas as incertezas, mas quando se tem 20 anos, isso nem conta muito, vinha para militância política e trabalhar numa empresa, para construir as bases proletárias da revolução.

Mais de 30 anos atrás, no dia 04 de setembro de 1989, amanheci em São Paulo. Era um dia muito frio, garoa fina, vim com meu camarada Nelson Vilela, lá de Piracicaba, nossa base da revolução, para que procurasse emprego e fizesse matricula no estágio do último semestre da Escola Técnica Federal.

Ali no Tietê, rumamos a pé para ETFSP, ao chegarmos lá, fui à secretária, com alguns documentos, fiz a matrícula e no mural de estágios/empregos, havia um anúncio de uma empresa japonesa, Nesic, uma subsidiária da NEC.

Anotamos o endereço, era na Moóca, e para lá seguimos e numa entrevista inusitada, o Sr Yamagushi, só sabia uma frase em português “tem que trabalhar,né?”, enquanto fumava e jogava a fumaça na minha cara repetia a frase, e olhava meu histórico escolar. Por mais de meia hora, aquela cena e meio desesperado, sem saber o que dizer, ao final a secretária diz, vai ao RH, você está contratado.

Saímos de lá felizes, então me dei conta que não tinha mais dinheiro, nem para providenciar os documentos necessários para iniciar o trabalho. Naquele dia tomamos café em Piracicaba, mas não tínhamos dinheiro para almoço e jantar, ou um, ou outro, nosso grupo político era pequeno, se calhasse de encontrar uns amigos do grupo, que estavam em São Paulo, quem sabe ele nos acolhessem e dessem comida.

Pegamos o trólebus na Paes de Barros e descemos em frente aos bombeiros, na Sé, num telefone público liguei a cobrar para minha mãe, falando do emprego e com vergonha pedi um pouco de dinheiro para os documentos.

Nada foi fácil, nada. Dia 18 de setembro comecei a trabalhar e tudo aconteceu, a possibilidade de viver, ter onde ficar, uma república, comer e sonhar com a cidade.

Duros anos, de desemprego de hiperinflação, o salário era uma referência, num dia era um valor, noutro se perdia, tudo era novidade, mas dali pude sobreviver, crescer, trabalhava duro, viagens, rotina pesada, aprender, nada sabia, apenas que tinha que mostrar serviço, pois a fila lá fora era enorme, era um privilégio ter emprego, se sustentar, até sair ir ao cinema Marabá, na República.

A vida nos foi favorável, cresci muito, consegui grandes vitórias, independência, ter nossa casa, ter você e Letícia, nossas viagens, nossos passeios, as escolas de vocês, a maturidade. A vida também nos cobrou imensos ônus, como a longa doença de Lelê e sua morte, o conturbado ano de 2019, a sua firme decisão de nos deixar.

Saiba que mesmo com todas as dificuldades estamos ao seu lado, vamos sentir muita saudade, as dúvidas de como você vai se virar aí, lado emocional, a distância e mesmo as questões financeiras. Tudo isso por sua felicidade, por sua emancipação e que sua vida ganhe novo sentido, que a volta ao nosso lar mítico, te faça bem e que seja muito feliz.

Com amor,

Arnobio Rocha, São Paulo, 27 de janeiro de 2020″.

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