O Espetacular filme brasileiro e mundial, O Agente Secreto.

O grandioso filme O Agente Secreto se inscreve na história do cinema brasileiro como um marco de narrativa, estética e ética. Tudo ali que se vê e reflete é Brasil, as pessoas, as formas e as ideias, ainda que de uma época de 48 anos atrás, ao mesmo tempo, até em contradição, é um recorte universal, que retrata a humanidade, na sua beleza, como na sua maldade, um misto de amor e dor, sentimentos complexos que falam tão fácil com quem assiste.
O pano de fundo histórico de uma ditadura cruel só se percebe nos quadros das paredes dos ditadores, o que se entende é que aquela idiotia canalha e farsesca foi inoculada no barnabé lá de uma repartição pública de Recife, como a correia de transmissão e de sustentação de regime burro, autoritário e perverso, cujo objetivo central foi negar o povo brasileiro, de seu encantamento, perspectiva de nação, não apenas pelo elemento comum de violência e servil aos interesses de sua burguesia dirigente, que impõe uma ditatura como forma de dominação do país.
Os personagens são marcantes, Wagner Moura (Armando/Marcelo) é de longe um dos maiores atores do mundo, sua expressão marcante, capaz de ser ingênuo, despretensioso, sonhador e se transformar em alguém forte, contestador e vítima tão comum e própria daquele Brasil (ou do mundo), em que as engrenagens vão matando sonhos, utopias e criando dores, traumas em nome de uma ideologia de ódio e deformação.
A doçura da surpreendente Tânia Maria (Dona Sebastiana), talvez a personagem mais bem construída, porque ela se parece consigo mesma, as suas falas e espontaneidade criam um mundo de solidariedade de gente que parece não saber o que acontece fora do simbólico “hospício”, a casa de acolhimento mais humana e é uma espécie de mundo independente do que o Brasil respira, das relações tão íntimas e simples, mas de uma dimensão tão grande para os que eram perseguidos, que não tinham nem nome e nem lar.
Os crápulas são espetaculares e são verossímeis, psicopatas que respiram o sistema como algo normal e natural, aqui a interpretação magistral do Delegado Euclides (Robério Diógenes), que poderia ser encontrado (ainda pode) em delegacias espalhadas pelo Brasil (por todo o planeta), a mente dominada por uma moral doente, que sorri diante um jornal que aponta 91 mortos no carnaval e ele desdenha, vai passar de 100, é muito real.
A reconstrução primorosa de uma cidade, figurinos, paisagem, carros, logradouros, impressionam desde a primeira cena, aquele fusca, uma espécie de identidade nacional, de memórias afetivas e empatia de um período histórico quase ingênuo, enquanto se desenvolve uma máquina de moer gente, sonhos, ideias e ideais, uma possibilidade de um Brasil que saía do campo e floresciam as grandes cidades, as indústrias e o prometido desenvolvimento.
O craque desse genial painel humano, desses personagens gigantes, que mergulharam na história, é Kleber Mendonça Filho, que já tinha criado O Som ao Redor, Aquarius, Bacurau e Retratos Fantasmas, todos eles são quase uma preparação para essa obra de arte, que é O Agente Secreto. Todos os elementos que utilizou, a sua Recife, o seu Pernambuco, o imaginário surreal e fantástico, concorrem para o resultado desse espetacular filme.
É daqueles filmes imperdíveis, para ser visto e revisto no cinema, pois ele é uma homenagem ao cinema, parte central dele acontece dentro de um, espantoso! E o Oscar é pouco, Cannes…