“Que é a vida? Um frenesi.
Que é a vida? Uma ilusão,
uma sombra, uma ficção;
o maior bem é tristonho,
porque toda a vida é sonho
e os sonhos, sonhos são.”
(A vida é sonho – Calderón de La Barca)
Ainda não era cinza o meu viver e lembro de como aqueles dias eram tensos, sem nem Imaginar que em 20 dias tudo viraria lágrimas e pó, mesmo que o aviso, ou melhor, o estado de alerta estivesse ligado há 8 anos, desde a primeira vez que ela sentiu dores lancinantes, parte de mim, nunca mais dormiu tranquilo.
De maio, junho de 2010 até aqueles dia finais de outubro de 2018, carregados de esperanças, quando as dores voltaram, um dia antes do fatídico segundo turno, semana era de finados, feriado, de dias tristes para o Brasil e para nós em casa, viajamos e no meio do feriado uma ligação da Letícia partiu meu coração, sua dor e medo, acabaram comigo, mas era preciso enfrentar, não importasse o que fosse, pois sabíamos o que era, não nos iludimos.
A confirmação da volta da Leucemia, a terceira vez, o caminho do tratamento era diferente, seria uma indução para zerar medula e a preparação para um transplante, essa fase inicial não seria novidade, pois nas duas anteriores ela se submeteu estoicamente e venceu, principalmente na segunda vez que a médica dela me avisou que não estava otimista, que me preparasse para o óbito, uma sentença que jamais esqueci, 29.01.2015, às 16:03.
Ela era teimosa e venceu, meses entre idas e vindas, o primeiro semestre “perdido”, no terceiro ano do ensino médio, até que em julho, ela ganhou nova chance e seguimos em frente, no fim do Fuvest para Odontologia (linda homenagem para Mara) e ENEM, escolha UFABC, duas aprovações e o sonho de estudar na USP, uma vitória pessoal dela, parecia impossível, exatamente um ano depois da “sentença de morte”, ela entrou na USP para sua matrícula.
Foram anos incríveis, inacreditáveis, não poderia acabar, não por mim, que não sou, nunca fui (ou serei), mas por ela, minha doce menina.
Assim foi o começo daquela semana terrível, nojenta, desumana, não foi a leucemia, mas toda sorte (azar) de erros e procedimentos do Hospital Samaritano que a mataram. Letícia teve uma morte indigna, boa parte de nós três morreu junto, não foi justo, nunca assumiram seus erros, nunca nos ajudaram na nossa imensa dor, todas às vezes que tivemos lá, ficamos mais destroçados, nem acreditamos em justiça, para que nossas feridas sejam reabertas, nada nos pagaria, poderiam pedir apenas desculpas,
No fundo cada um de nós, mesmo 6 anos depois, temos o medo, que não era só de perder nossa pequena, mas a nós mesmos, quase impossível nos reencontrarmos consigo mesmo.
A desconstrução humana, as dores, os sofrimentos, nada cura, esses dias, até mais um 18 de novembro, são terríveis, difícil dormir, sorrir, viver ou achar razão para continuar, é o medo de acordar e ser verdade e ser obrigado a seguir.
O resto é silêncio!