Era início de mais um ano, não tinha entrado na lista principal da Escola Técnica Federal do Ceará (ETFCE), estava no que se chamava P0 (Período Zero), que era uma preparação da instituição, para o próximo vestibular, aproveitei o mudei de destino, de Edificação para Telecomunicações, era mais difícil, mas fazia mais sentido, naqueles meses a ETFCE fervia, o movimento estudantil voltara, crescia e a “Escola” era uma grande referência.
O “Centro Cívico” imposto pela ditadura, substituíra o Grêmio, cujo último presidente, José Montenegro de Lima, tinha desaparecido nas masmorras dos porões de tortura e morte do regime ditatorial civil-militar. As correntes políticas disputavam os jovens alunas da portentosa Escola Técnica, quase todas clandestinas, PC do B, correntes petistas mais à esquerda como os Prestistas, Convergência Socialista (Alicerce),
Minha Sétima e oitava série tinha sido no Colégio Oliveira Paiva, o dono era um deputado estadual do MR8, que estava dentro do MDB, Barros Pinho, ali, naquela escola, ao lado do Liceu, foi realizado o congresso de refundação da UMES (União Metropolitana do Estudantes Secundaristas), a hoje ministra do Tribunal Superior do Trabalho, Kátia Arruda, foi a primeira presidente.
Acompanhei aquela “festa” de bandeiras e discursos, meio perplexo, acabara de chegar de uma pequena cidade do interior do Ceará, Bela Cruz, e morava na periferia de Fortaleza. Então tudo aquilo era novo, influenciado pelo professor de português, ex-preso político e exilado da ditadura Roberto Falcão, passei a me interessar por política, sem me tornar militante, tinha 13 anos de idade, nem sabia o que era tudo aquilo.
Quando comecei o P0, logo na primeira semana fui conhecendo as figuras do “Centro Cívico”: Elias Ferreira (em memória), Lael, Arimá, Simone Galeno, já os vira nos congressos da UMES. Elias e Lael eram do PC do B, Arimá do Prestismo e Simone, da CS. Todos ali querendo conquistar o calouro, me rondavam chamavam para conversar, explicar o que estava acontecendo no Brasil, a ditadura em queda, os movimentos pelas Diretas, já!
Essas conversas foram progredindo, até que um dia (mês de março) o Elias me convidou para uma “reunião”, num lugar sem que eu soubesse o endereço, nem o que era. Aquilo me deu um certo pânico, Saímos da ETFCE rumo ao centro, deu várias voltas perto da Av, da Universidade, Duque de Caxias, Meton de Alencar, e nada. Comecei a ficar apavorado, morava longe e aquele lugar não chegava, horário avançado, até que entramos num casarão, o “aparelho” do PC do B, imediatamente ele entregou uns documentos do partido e diz, guarde e leia só você, sem ninguém por perto, pois você corre riscos.
Uma iniciação para lá de louca. Fui para casa com medo, caramba, e agora será que serei preso? No ônibus quem olhava para mim, eu mudava de cadeira. Cheguei em casa, tinha menos de 15 anos, me tranquei no banheiro, como se carregasse a Playboy, fiquei lá uma hora, lendo os documentos, sem entender quase nada. Coloquei debaixo da cama, por uns 3 dias levava a “Playboy” para o banheiro,
Uma semana depois, foi a vez do papo com a Simone, ela era uma moça linda, os olhos verdes, nem prestava atenção na política, confesso. Mas ela tinha uma radicalidade que era convincente, além de ser do “PT”, mesmo que fosse da Convergência. Conversei com Arimá, mais reservado, pedante, mais velho, mas era uma terceira perspectiva política.
Logo no mês seguinte fui ao comício, vigília pelas Diretas, encontrei todos eles por lá, minha cabeça fervilhava, mas tinha me decidido, não entraria em nenhuma das correntes, tinha que entrar na ETFCE, vestibular em maio, depois ia ler esse tal de Lenin e esse Marx, parecia óbvio que Stalin e Trotsky, não eram amigos e para quem queria participar, melhor ler o que todos os lados diziam ser comum: Marx e Lenin.
Desagradei aos três grupos, passei na ETFCE, já era militante estudantil, sem participar de nenhuma corrente, o que facilitou o diálogo e rapidamente minha liderança, no meio daquela efervescência política. Estudei muito, no começo mais política do que as matérias técnicas, era leitor voraz, tudo valeu a pena, tudo aconteceu rápido: 1985, Maria Luiza, Prefeita. 1986, a reconstrução do Grêmio, 86/87 a primeira gestão, fui eleito o primeiro presidente. 1987/88, vice-presidente da UMES. 1989, mudança para São Paulo.
Em 2012 escrevi um pouco sobre minha trajetória militante, sobre o significado de 1989:
A Perda da Inocência (Ideologia) III
Quarenta anos de militância e contando!