O maior feito do Manifesto Comunista é que ele sintetiza, em poucas páginas, a colossal obra de Marx, O Capital. É como se ali estivesse antecipando, em quase 20 anos, todo os estudos econômicos e filosófico, da teoria fundante de que Marx e Engels estavam desenvolvendo.
Óbvio que compreendemos ainda que os Manuscritos Econômico-Filosóficos (1844), é anterior ao Manifesto (1848), mas não havia sido publicado, pois se tratava de um rascunho, ou um modelo de estudos que levaria ao grande livro de Marx, essa espécie de projeto de tese só consolida uma década depois quando Marx residia em Londres e vai sistematizar o Capital.
Umberto Eco no livro de apontamentos, ensaios, chamado, Sobre Literatura, há um pequeno capítulo saboroso: “Sobre o Estilo do Manifesto”, é especial para entender a profundidade dessa obra genial, escrita sob a pressão das revoltas e greves de 1848, precisava de um documento que marcasse um novo movimento da classe trabalhadora, com base na ruptura social.
Diz Eco:
“trata-se de um texto formidável, que alterna tons apocalípticos e ironia, lemas eficazes e explicações claras, e (se a sociedade capitalista realmente quer se vingar do desconforto que estas páginas não muito numerosas lhe causaram) que deveria ser analisado religiosamente nas escolas publicitárias hoje”.
E passa analisar o estilo de escrita de Marx no Manifesto:
“Inicia com um formidável golpe de timbal, como a Quinta Sinfonia de Beethoven: “Um fantasma ronda a Europa” ,
Continua Eco:
“Segue-se imediatamente uma história panorâmica sobre as lutas sociais desde a Roma Antiga até o nascimento e desenvolvimento da classe burguesa, e as páginas dedicadas às conquistas dessa nova classe “revolucionária” constituem seu poema fundador — ainda válidas hoje para aqueles que apoiam o liberalismo”
E mais
“Vê-se (quero dizer exatamente “vê-se”, de forma quase cinematográfica) essa nova força irrefreável, que, impulsionada pela necessidade de novas saídas para suas próprias mercadorias, percorre todo o globo terrestre (e, ao meu entender, aqui o judeu e messiânico Marx pensa no início do livro de Gênesis), altera e transforma países remotos porque os baixos preços de seus produtos são a artilharia com a qual ela derruba todas as muralhas da China e rende até mesmo os bárbaros mais endurecidos pelo ódio ao estrangeiro”
Depois, analisa, Eco, de como Marx põe o Proletariado no centro da Luta (de classe:
“o feiticeiro se vê impotente para dominar as forças subterrâneas que evocou, o vitorioso é sufocado por sua própria superprodução e é obrigado a gerar de seu próprio seio, para nascer de suas próprias entranhas, seus coveiros, o proletariado.”
E dele, seu programa/Manifesto, assim descrito por Eco:
“Antes de dizer de maneira programática quem são e o que querem, o Manifesto (com um movimento retórico soberbo), se coloca no ponto de vista do burguês que os teme e levanta algumas perguntas aterrorizantes: Vocês querem abolir a propriedade privada? Querem tornar a mulher uma propriedade comunal? Querem abolir a religião, a pátria, a família?”
“Aqui o jogo torna-se sutil, porque o Manifesto parece responder de maneira tranquilizadora a todas essas perguntas, como que para apaziguar o adversário — então, com um movimento repentino, atinge-o com um golpe nas costas e consegue aplausos do público proletário…”
E arremata, assim, Umberto Eco:
“Segue-se a parte mais doutrinária, o programa do movimento, a crítica aos diversos socialismos, mas, nesse ponto, o leitor já está encantado pelas páginas anteriores. E se a parte programática foi muito difícil, aqui está o golpe final, dois lemas de tirar o fôlego, fáceis de reter na memória, destinados (me parece) a uma fortuna incrível: “Os proletários não têm nada a perder […] a não ser suas correntes” e “Proletários de todos os países, uni-vos!”
“Além da capacidade de criar metáforas memoráveis, o Manifesto permanece como uma obra-prima de oratória política (mas não só) que deveria ser estudada nas escolas, junto com as Catilinárias e o discurso shakespeariano de Marco Antônio ante o cadáver de César. Até porque, dada a cultura clássica de Marx, não se pode ignorar que justamente esses textos estivessem presentes em seus próprios textos.”
A enormidade do Manifesto Comunista se constata pela sua atualidade, tarefas e beleza do escrito, sua capacidade síntese e o estilo inconfundível de Marx e Engels. O Manifesto foi a grande ruptura política de Marx, especialmente, com os vários movimentos no seio da classe, anarquista, socialistas utópicos, era preciso superá-los, inclusive, na teoria e nas propostas para uma nova sociedade.
A nova utopia, o Comunismo, tem no Manifesto uma de suas bases e sua longevidade e referência são fundamentais até hoje, 175 anos depois.