É canto funeral! … Que tétricas figuras! …
Que cena infame e vil… Meu Deus! Meu Deus! Que horror!
(Navio Negreiro – Castro Alves)
A região da Luz, no centro velho de São Paulo, abriga há mais de uma década o chamado “fluxo”, vulgarmente conhecido como Cracolândia. Nesse anos todos, várias gestões estiveram à frente da prefeitura da cidade e sem solução, exceto no governo de Fernando Haddad (PT), que implementou uma política de acolhimento e de solução humanitária ao complexo problema da religião.
Imediatamente depois da saída de Haddad da prefeitura, a gestão de Dória (o breve), voltou-se à prática de repressão como todas as demais usaram, sem sucesso. O tratamento repressivo e policial, tendo como norte a violência e a visão de que não há mais humanos vivendo ali, naquelas condições absolutamente precárias, e de exclusão social.
Desde 2019, quando comecei a participar da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP, estive várias vezes em situações de crise, com intervenção policial, notadamente da Guarda Civil Metropolitana (GCM), e é sempre são sempre experiências que marcam, que doem e que nos faz sentir impotentes, devastados com o contato real com as maiores mazelas humanas que se possa imaginar.
Hoje, 15.05.2022, pela Comissão de Direitos Humanos do Sindicato dos Advogados de São Paulo (SASP), fiz parte de um grupo de advogados (as) que estivemos numa manifestação na região do “fluxo”, convocada pelas entidades de Direitos Humanos que atuam na região, depois que a polícia civil de São Paulo deflagrou a Operação Caronte, um nome que é um verdadeiro deboche aos direitos humanos. Caronte é o barqueiro que levava as almas dos mortos ao Inferno (Hades), na mitologia grega e romana.
Na última quinta-feira, dia 12.05, dentro da operação Caronte, além da típica violência pela expulsão dos usuários de uma das praças da região, houve mais um morto, Raimundo Fonseca Júnior, de 32 anos, por disparos policiais.
As várias expulsões desse ano, desconcentram o “fluxo” principal, o que apenas criam mais ruas em que vão se abrigando de qualquer forma, os moradores em situação de rua. A alegação policial, em conversa durante a manifestação, é de que cumpre mandados judiciais, de repressão ao tráfico de drogas, nas palavras dos agentes é que a parte “social” e de “saúde”, ficaria por conta da prefeitura e/ou do estado, ou seja, a operação é de repressão, não por uma solução real.
A caminhada pelas ruas e praças, saindo da Júlio Prestes, seguindo pela rua Helvétia, teve seu ponto mais tenso quando se passou por entre um grande número de moradores do “fluxo”, que se instalou ali.
Uma nau de desesperados, gente amontoada, faminta, pessoas sujas, maltratadas, são homens e mulheres em suas condições mais miseráveis. Conversam conosco, sem entender o que está acontecendo, desconexão com a realidade, pedem para não tirar fotos ou filmar, o que foi respeitado, pedem ajuda, querem sair dali.
Alguns manifestantes choram sem acreditar no que veem ou pelo sentimento de completa perplexidade, impotência, de não entender como alguém pode viver naquelas condições, um cenário de guerra, ali não subsiste nenhum direito humano, é um choque de realidade.
A barbárie é o cotidiano daquela gente, nossos irmãos e irmãs, abandonados e criminalizados pela sociedade, pelo poder público, preocupado com a limpeza da região para atender a especulação imobiliária, sem planos ou projetos.
É o Caos, não Caronte.
PS: Que homem público é o Vereador Eduardo Suplicy, fez todo o percurso, mesmo nas ruas mais tensas, ele esteve lá.