O dia é estranho, aniversário de São Paulo, 468 anos, mas sem nenhum sinal de que se tenha algo a comemorar. A gigantesca Gotham City está abandonada, há anos, sem governo, sem movimento que respeite a cidade e sua gente. A metrópole decaí dia a dia, os milhares de miseráveis que se amontoam nas ruas e no seu umbigo, a Sé. Famintos, desesperados e sem esperança, não há poder, só interinos, desde que o João “trabalhador” fez da cidade uma mera passagem.
Amada cidade, escolhida por mim e por tanta gente, que um dia te viram e tomados por amor, ilusão e esperança, para aqui nos mudamos e construímos nossos sonhos e castelos, mas hoje, apenas dói ao tiver tão maltratada e teu povo tão maltratado, muito além de qualquer pandemia, de agora ou de antes, a decadência política, econômica e social é muito mais profunda.
O dia não é realmente de festas, sem aglomeração, com tantos riscos e dores no ar, nada de mais há que se fazer.
Da janela de um uber vi dois coveiros conversando animadamente num cemitério, aquela cena tomou conta da minha mente, o que conversavam? Que alegria mórbida era aquela, uma piada, um estória engraçada? Ora, são trabalhadores, poderiam estar num escritório, num consultório, numa sala de cirurgia, e ririam igualmente, mas o pudor da morte/enterro, fim, nos obriga a pensarmos diferente sobre o ofício, isso me remete ao grande livro da literatura:
- HAMLET: Esse camarada não tem consciência do trabalho que faz, cantando enquanto abre uma sepultura?
HORÁCIO: O costume transforma isso em coisa natural.
É isso, a confusão de desgraças, o (mau) humor causado pela cidade nesse estado, talvez tenha levado à censura aos coveiros no seu mister, e mesmo aos coveiros da nossa cidade, que teimam em festejar o caos, fazer propagadas higiênicas, esconder os pobres, as mazelas, os excluídos do Capital, os vulneráveis da Sé, da Luz, das periferias, as pessoas simples abordadas como suspeitas nos Jardins pela PM que tira selfie com os bem-nascidos.
A cidade e suas gentes, das mais simples aos bilionários, que dividem espaços tão injustos, mas vivem e convivem nesse mundo e de tantos mundos, de tantas cidades, bairros-cidades, regiões, da sempre vila de São Paulo dos Campos de Piratininga.
Acima de tudo: São Paulo, eu te amo!