Qualquer coisa que se fale do histórico pronunciamento de ontem, 09.03.2021, será incompleto, pois é quase impossível captar as várias dimensões do que ele conseguiu fazer em uma hora e meia de fala inspirada. Essas anotações tentam dizer sobre o contador de histórias, de parábolas, metáforas, um encantador de pessoas, um sedutor que transmite suas ideias com maestria porque elas espelham o cotidiano da maioria do povo.

Lula nasceu no interior de Pernambuco, veio ainda criança para São Paulo, vivendo com sua família na divisa com São Bernardo do Campo. A formação e a influência nordestina sobre Lula é impressionante, a maneira com que se comunica, suas falas e discursos, mesmo os mais políticos, com formulações complexas, são explicados de forma didática, direta, com exemplos práticos que trazem para realidade concreta ideias abstratas.

Lula me lembra meu velho pai, velho nordestino, com memória fabulosa, a forma peculiar de contar as histórias, entremeada de subtextos, alinhavando ideias, números, dados, informações, com grandes histórias pessoais vividas em que diz que gosta de tocar nas pessoas, tornar íntimo, mas não tocou no cabelo cheio de gel do presidente chinês,  mas abraçou o operário da construção civil e diz para Dilma que pode ficar à vontade com todos eles.

As histórias chamam outras histórias, pilhérias, humor fino, gaiato, observações atentas sobre o interlocutor, tudo isso cheio de poesia e arte, é essa genialidade que poucos entendem e talvez cause tanta ódio e a fala comum do preconceito atroz: Como esse “analfabeto” consegue enganar vocês?

Lula é um dos maiores comunicadores da história. Como é fenomenal que ele fale por noventa minutos sem nada escrito, o que revela uma memória prodigiosa em que conta  detalhes de cada coisa vivida, a fluência e intimidade com os dados da economia, da saúde, da educação.

A dimensão do Estadista que presta contas ao povo e o faz traduzindo para a linguagem comum sem complexidade, sem ser professoral, ao mesmo tempo, um grande Educador.

Essa arte que Lula domina é tão viva e vem da tradição oral de um pais colonizado em que a educação formal demorou séculos para chegar à casa dos mais pobres. Isso não inibiu que as ideias, poemas, histórias fossem passadas de pai para filhos, dos filhos aos netos. Hoje essa corrente ganhou um aliado que são os registros em mídias, que preservam a memória, dos mais simples, quando antes os livros e histórias eram registros para poucos.

Agradeço a vida por ter vivido na mesma época de um líder como Lula, é um privilégio ouvi-lo, em particular, pela memória afetiva, do meu pai, meus avós, dos violeiros cantando sob a luz do lampião histórias de amor, de morte, de heroísmo em repentes, improviso, sem nada escrito, assim como Lula, cada discurso uma surpresa, uma nova ideia.

Lula tem esse dom mágico da fala e da comunicação, do profeta nordestino que prediz a seca, a bonança, faz reza contra mau olhado, receita tomar chá, comer raízes que curam, mas fundamentalmente, ele Cura a Alma, reacende as esperanças.

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