“aos muitos males que nos ferem agora vêm juntar-se novos!” (Édipo Rei – Sófocles)
Lula chega ao poder central 25 anos depois das grandes greves do ABC que o projetara como grande líder de massas, não forjado em escolas tradicionais de sindicalismo dos partidos comunistas. Ele se forjou como peão que cresceu dentro de uma fábrica, durante um regime de exceção, cujas liberdades sufocantes foram a mola mestra do boom crescimento econômico.
Entretanto na segunda metade dos anos 70 os militares já não davam conta de produzir números de crescimento econômico, bombardeado pela crise do petróleo, muito menos das demandas sociais por liberdade política, as esmagadoras vitórias do MDB em 74 e 78, preparam um novo ambiente político.
As greves de 78/79 lideradas pelo metalúrgico até então desconhecido, foram o tiro que faltava para deflagrar o grande movimento pela anistia e pela volta de a Democracia. A transição imposta, passou pela reforma política, que foi a ultima tentativa dos militares de manter o poder, ao liberar a criação de novos partidos, tinha claro objetivo de dividir as oposições, daí surge a grande novidade política do Brasil, o PT.
O PT cresceu nacionalmente nos anos 80 e 90 e se constituiu como a opção vinda da classe trabalhadora mais vitoriosa do país até aqui.
Desde seu inicio, o PT identificou a necessidade de chegar ao governo central e apenas nove anos depois de sua fundação, chegou ao segundo turno da eleição presidencial deixando para trás lideranças expressivas como Brizola, Covas e Ulisses. Lula se consolidaria como alternativa de poder nas próximas eleições, carregando consigo todo um simbolismo de lutas sócias e transformações.
Os anos 90 foram marcados pela crise da esquerda mundial, após a queda do muro de Berlim,
No entanto, o núcleo central do PT, não tinha vínculos com o leste europeu, não sentiu esses efeitos, ao contrário se consolida como alternativa política democrática e popular, fez uma adaptação significativa de seu discurso, tornando-o uma combinação de anticapitalismo com uma lógica pragmática de governar, o chamado modo petista de governar, respeitando as instituições e buscando ampliar os espaços políticos à esquerda.
Lula venceu as eleições de 2002, com o completo esgotamento das políticas neoliberalizantes imposta pelos dois governos tucanos de Fernando Henrique Cardoso, tendo como apogeu o Apagão.
A maior herança do FHC foi um estado falido, sem reservas cambias, expectativa inflacionária crescente, havia previsões de até 30% (IGPM e INPC) em 2003, taxa de juros em 23,5% ao ano, o câmbio de 1 US$ equivalia R$ 4,04, risco país em 2400 pontos, a falência levara ao apagão por incapacidade produtiva.
Os principais ministérios apenas cumpriam funções simbólicas, tendo o Estado sido “terceirizado” para agências reguladoras e todas as agências capturadas por aliados do antigo governo. O que sobrou do sucateado estado brasileiro tinha uma gama de terceirização escandalosa.
O país pediu 25 bilhões de dólar ao FMI em Dezembro de 2002 e aumentou a taxa de juros para 23,5% ao ano. O novo governo teve de lidar com um país saqueado, política de terra arrasada. Todos os planos de mudanças urgentes e estruturais foram adiados, pois precisava primeiro não deixar o país falir de vez.
Todo o esforço de Lula foi convencer aos empresários e investidores estrangeiros de que ele não poria fogo no país, não daria calote na dívida, não deixaria de cumprir os contratos mesmo àqueles que foram draconianamente elaborados.
O novo governo começou administrar uma máquina em que tem pouco controle e domínio, a própria inexperiência de Governo Central joga contra Lula. O grande desafio era não cair em 6 meses como maquinavam FHC e seus aliados,
A equipe econômica não poderia fugir da lógica do mercado, não havia qualquer espaço de manobra e as medidas tomadas foram coerentes com o momento para dar fôlego futuro: 1) Exportações; 2) controle da inflação; 3) aumento do salário mínimo acima da inflação, nada mais podia ser feito de substancial.
Do ponto de vista social o grande acerto foi o lançamento da “Fome Zero” que era mais que uma marca, um compromisso para aquele tempo, mas faltavam gestores que entendessem profundamente como montar um programa social tão amplo.
Do ponto de vista político a não vinda do PMDB ao governo causou graves transtornos ao governo mesmo sendo vitorioso na eleição majoritária o governo era ampla minoria no congresso o bloco efetivo que venceu a eleição só tinha 192 deputado e pouco mais 20 senadores.
Os operadores políticos de Lula foram para tática de ganhar apoio no varejo e em bases partidárias que não tinham compromissos algum com o projeto, a troca de favores e futuros financiamentos de campanha virou a moeda de troca, notadamente com o PTB de Roberto Jefferson, que foi o partido escolhido para desembarcar estes “apoios”.
A lógica traçada por José Dirceu, o estrategista de Lula e do PT, não demorou a mostrar que esse frágil acordo de apoio, viraria um grande escândalo, que ficou conhecido como Mensalão. Marcos Valério, um ex-operador ligado ao PSDB, conhecido pelo escândalo valerioduto criado pelo PSDB mineiro, que depois foi amplamente usado pelos operadores Petistas, a grande diferença é que, no caso mineiro não havia interesse em denunciá-lo.
No caso de Brasília tornou-se o escândalo nacional, a mídia amplificou as denúncias, CPIs e toda sorte de condenação moral, se tratando de sobras de campanha e uso de fundos para apoio político em congresso e/ou parlamentos locais. Representou também uma mudança explícita
Por um erro tático de FHC e de seus aliados, que achavam que Lula iria sangrar em praça pública e desagregar seu governo, eles não foram à frente com o impeachment. Por esta lógica qualquer candidatura de oposição bateria Lula no primeiro turno, este foi refresco melhor que Lula poderia receber.
A virada econômica e uma mudança no coração do governo, com a ida de Dilma para Casa Civil, que passou a ser a grande gestora dos programas de governo, funcionando como uma espécie de primeira-ministra, liberando Lula para ganhar o Brasil e o mundo, fazendo política, construindo acordos e propagandeando seu governo, incentivando a criação de empregos, novos negócios e surfando a onda das grandes exportações e superávits da balança, equilíbrio das contas, com crescimento do PIB.
A reeleição deu grande fôlego ao governo petista, mesmo com a monumental crise de 2008, o Brasil passou sem a queda, como era o costume, houve um espaço para reorientar investimentos, segurar o desastre. As grandes obras de infraestrutura para os eventos como a Copa e as Olimpíadas foram fundamentais para manutenção dos empregos, principalmente na Construção Civil,
O Pré-sal, a indústria do petróleo e naval, a construção de plataformas e de navios, houve todo um ciclo virtuoso de quase 10 anos, o salto foi monumental, o que permitiu a eleição de Dilma, uma completa desconhecida, sem nenhuma experiência eleitoral e de atuação política. Ainda no final do governo Lula, o preço das políticas anticíclicas passa a pressionar o desenvolvimento, a inflação e a dívida pública.
Dilma assume sob a égide de um tempo complexo, a formação bruta de capital que impulsiona o crescimento, estava em queda, a capacidade produtiva era elevada, o que passa a pressionar preços e salários. Pousar desse o voo alto é uma decisão política forte, que sem apoio e consciência política, não terminaria bem.
O primeiro mandato de Dilma foi para manter ainda razoáveis taxas de crescimento, mas com a necessidade de segurar a crise que começou a se mostrar mais nítida. A correta política de diminuição de juros, entra em choque com os interesses dos grandes bancos, o acordo de governabilidade, construído nos 12 anos anteriores, vai por terra, a mídia que nunca deu trégua, passa ao ataque.
As práticas políticas de governabilidade se tornam evidentes no momento que o pão já não é farto, abre-se um questionamento de acordos, de acomodações políticas e, claro, de corrupção da máquina estatal, que cresceu e se tornou mais complexa. Mexer com esses interesses, com taxa de juros, ampliar direito básicos, como a carteira de trabalho de trabalhadores domésticos, se tornaram explosivos.
A classe média, a nova e a velha, percebem que os seus ganhos nos dez anos anteriores são menores e mais incertos, então ela passa a uma oposição mais direta, as jornadas de junho de 2013 expressam essa mudança, a campanha e os ventos de mudanças (à Direita) chegaram aqui com força, em poucas semanas, aquilo que parecia sólido, se dissipa no ar, o modo petista de governar é posto em xeque.
Havia uma base material de questionamento, esgotamento de um modelo, a falta de expectativa de novos ganhos, os vícios de poder, as alianças esdrúxulas (e necessárias) que expõem a corrupção endêmica do Estado, ainda que tenha sido o período que mais se combateu a corrupção. Não obstante, a máquina de manipulação via redes sociais, criou o grande estigma contra o PT, identificando-o com a corrupção.
Foram razões objetivas maiores, da crise por não ter crescimentos vistosos, o pibinho, garantir o padrão de vida e de acesso, que levaram à explosão de revolta.
É impossível não compreender que a escalada de justas lutas pelo não aumento de transportes, num momento de incertezas econômicas, acabou servindo de escada para os fascistas, isso não se deu só no Brasil.
Era uma onda de ventos de um ajuste à Direita, iniciado na Tunísia, mas que ganhou corpo e rosto, na Praça Tahir, no Cairo, e teve um dos marcos simbólicos a Praça Maidan, Kiev, Ucrânia.
As jornadas de junho tiveram como precedente fundamental, o desgaste de 10 anos de governos petistas, que teve amplo crescimento econômico, incorporação de milhões de pessoas ao mercado de consumo, sem jamais mudar a caráter e as mazelas do Estado, o sucesso econômico, os cegou, sobre as mudanças estruturais. O longo ciclo capitalista de crescimento se esgotou no final do governo Lula.
Quando aportou aqui, já havia uma “narrativa”, estava bem azeitada, não veio por acaso, tinha um modus operandi bem definido, pegar todas as demandas, reais e verdadeiras, como a questão dos aumentos dos transportes, mas também a crise que abalou os EUA e Europa, e que começou a se sentir os efeitos, em 2012, mas não tinha cenário catastrófico, longe disso, mas a nova classe média perdia fôlego, sem poder de compra.
O mote foi de uma ironia cruel, R$ 0.20 de aumento de tarifas de transportes, em São Paulo e Rio de Janeiro, temas de prefeitos, nem deveria chegar no governo federal, mas o ânimo era maior e mais amplo.
Faltou leitura clara do que estava a acontecer e o que viria depois, o que abriria nos anos seguintes.
O país entrou em colapso, desde junho de 2013, por três anos, com uma reeleição extremamente polarizada e um ano e quatro meses sem governo, finalmente os anos petistas foram varridos, sem se precisar gastar uma única bala, sem resistência, sem nenhuma atitude forte de não aceitação ao golpe. A maneira sórdida de impeachment sem crime, é uma espécie de escárnio, de aviso sobre quem manda efetivamente no país.
O PT levou 22 anos para ganhar uma eleição presidencial, em apenas 5 anos, um movimento de extrema-direita se fez governo, varrendo a oposição de centro-direita (PSDB) e de Direita (DEM). A radicalidade da mudança só se daria para um extremo oposto, algo fora do sistema, a onda ultraliberal que nega política e democracia venceu e se impôs, um governo da idiotia.
O país foi virado pelo avesso, o prejuízo chegou na casa dos trilhões, especialmente para os trabalhadores, com o enorme desemprego, e os mais pobres, pela volta da extrema miséria, pois, hoje, o país vive o caos, com uma relação direta àqueles eventos fatídicos de junho de 2013.
O PT tem enorme responsabilidade, não há dúvida. Atingindo por duros ataques na época do “mensalão”, que manchou profundamente a imagem do partido, apenas atenuado por dois bons mandatos, com os ventos da economia nos ameaçando, mas Lula conseguiu ir em frente, sempre se comunicando diretamente com as pessoas, inclusive no pior momento da Crise, em 2008.
A nova realidade mundial, a falta de compreensão dos novos tempos, dos novos/velhos atores, como congresso e judiciário, ironicamente a própria lógica política das grandes operações da polícia federal e o poder dado ao MP, se viraram justamente contra aqueles que tentaram inovar a gestão pública, administrar o capitalismo com outras lentes, deu no que deu.
O resultado Bolsonaro é um tapa na cara, não do PT, mas de setores tanto à esquerda como centro/direita, a mídia que escandalizava uma tapioca, infelizmente não há tempo para grandes balanços, a dinâmica dada ao Brasil é de uma ruptura radical, a divisão política e as enormes perdas sociais e econômicas, um país em frangalhos.
Aparentemente pouco se refletiu, a lógica que permanece é a do calendário eleitoral, nenhuma nova iniciativa de resistência, que seja alternativa à essa onda avassaladora de destruição de vidas, de instituições, de estrutura e esperanças.
É o que se tem para hoje?