“Este horripilante início não deve ser diferente do que é para o caminhante a montanha acidentada e íngreme, atrás da qual se encontre uma planície belíssima e amena, que lhe parecerá tanto mais agradável quanto maior tiver sido o padecimento da subida e da descida”. (Decarmeron – Boccaccio)
Na grande Peste do século XIV em que milhões pereceram, os relatos de horrores, das mortes que dizimou vilas, cidades, números dão contra de que quarenta por cento da humanidade foi destruído. O terror da tragédia mudou o mundo, a ciência, as artes, o que levou a um renascer, de uma longa reconstrução, deixando marcar revividas em cada grande tragédia, guerra ou pandemias.
O que se vive hoje, não é, portanto, uma novidade para os teimosos, homens e mulheres. Talvez nossa arrogância, a ideia de que somos indestrutíveis, ou de que nosso avanço científico e tecnológico, não permitiria uma destruição em massa. Os valores elementares da humanidade, solidariedade e dignidade, entre os primeiros, precisam ser retomados, no meio dessa tempestade;
Parece claro que tudo isso vai passar, assim se espera, com sinceridade, mas o que será lembrado por nós e pelos demais?
Qual foi nossa atitude diante do Caos, do risco de contaminação/morte?
Uma série de comportamentos mesquinhos, de tantos que simplesmente ignoravam as mais básicas recomendações para que se evitasse a uma maior propagação da doença, assim como também a omissão de quem deveria agir, e se escondeu, sob qualquer justificativa, o egoísmo predominante, em épocas assim, se amplifica e apenas piorou o desespero.
É fato que a comunicação, instantânea, em todos os lugares, fez aproximar as pessoas, de lugares tão distantes, contraditoriamente, as tornou mais alheias e indiferentes, competitivas, de certo modo, isso, explica a surdez diante dos alertas, de crendices bizarras, de propalação de falsa notícias e conceitos, o que nos remete ao que vivenciamos de questionamentos de verdades científicas, de terraplanismo e outras bizarrices.
Como vamos sobreviver depois, há uma tendência de isolar os elementos mais estúpidos, contra prudentes, que grassava na paisagem, alguns até presidentes viraram, como Trump e Bolsonaro, perniciosos, paridos por uma onda de negação de valores humanos e de conhecimento.
A negação da Política e da Democracia pode desaparecer, pois, o “odiado” Estado voltou ao centro do debate, como o grande indutor de salvamento coletivo.
Os filhos da “meritocracia”, os individualistas “empreendedores”, sumiram da paisagem, os profetas do ultraliberalismo, se escondem dos holofotes, claro que voltarão à cena, mas, por enquanto, foram vencidos pelo microscópio Vírus.
Por contradição, a maior ameaça à humanidade, o coronavírus (COVID-19), deve ser sua salvação, não é ação divina, mas de mulheres e de homens, que se reencontram com o que realmente somos, ou deveríamos ser.