“Corra não pare, não pense demais
Repare essas velas no cais
Que a vida é cigana
É caravana
É pedra de gelo ao sol
Degelou teus olhos tão sós
Num mar de água clara, clara”
(Caravana – Geraldo Azevedo/Alceu Valença)
É 18. Mais um, o décimo, desde então.
A cada volta do ponteiro, vamos nos distanciado do trágico momento, ainda que o relógio mental tenha congelado naquela dia, naquela hora. Assim como minha vida, minha alegria, sorriso e alento. Tudo me foi subtraído naquele maldito hospital e seus médicos insensíveis.
O relógio parou.
De certa forma, o que me faz lembrar quando estive a primeira vez em Kobe (Japão), em novembro de 1996, um ano e meio antes, um poderoso terremoto destruiu boa parte daquela bela cidade portuária. Praticamente a cidade estava reconstruída, mas o relógio central, estava parado, para que não se esquecesse da vítimas.
Assim é, nosso cérebro teima em não mover os ponteiros e a vida ficar ali, num eterno retorno, um Sísifo mental.
Olhando mais de perto, a tragédia, é de uma família, um pai, uma mãe e uma irmã, não tem repercussão além de nós, apenas por uma tolice, damos publicidade da nossa dor. Uma reflexão dolorida se impõe, por quê e para quê se continuar a viver? As cores perderam o brilho, é um tenebroso inverno que tomou conta de nós, mesmo em dias quentes.
Tempo e espaço se fundem e nos empurram para o limbo do viver.
De toda sorte, tudo em nossa volta se movimenta e segue no seu próprio ritmo, pois a vida não é dada à pausas. O que podemos fazer é nos adaptar num ritmo assíncrono, não linear, para apenas sobreviver.
Tantos lutando por tantas pequenas coisas, percebemos a fragilidade humana, não pela morte da Letícia, mas por sentirmo-nos em frequência distinta, o quanto é tolo pelo que se briga, com ferocidade. As vaidades que nos habita, nos torna pobres, fracos e se combina com ambições, que negam o humano, o que realmente vale a pena.
São 10 batidas nesse relógio que teima em continuar parado.